Guitarreiros e Guitarradas: conheça o estilo musical e os grandes nomes desse fenômeno paraense

O Tenho Mais Discos conversou com Lorran Valle, da banda Farofa Tropikal, sobre como a guitarrada surgiu e vem crescendo ao longo dos anos

Farofa Tropikal
Foto: Divulção/Facebook Farofa Tropikal

Na música popular conhecemos aqueles que chamamos de guitarristas, mas há na cultura paraense aqueles que preferem ser chamados de guitarreiros.

Os praticantes da guitarrada preferem que o termo para sua prática seja mesmo diversificado, pois esse estilo nasceu em outra linguagem, em um mundo musical único e diferente.

A guitarrada tem se espalhado cada vez mais na cultura brasileira, principalmente no Norte e no Nordeste. Recentemente, Félix Robatto lançou até o disco Guitarrada Para Bebês.

Mas a história desse estilo é muito mais antiga e começou lá nos anos 70 com o consagrado Mestre Vieira.

E para entender melhor dessa expressão artística, o TMDQA! conversou com Lorran Valle, da Farofa Tropikal, banda fundada em Curitiba-PR e que atualmente está localizada em Belém do Pará. A Farofa faz uma mistura interessantíssima de ritmos do Norte do Brasil e do Caribe, um grande estudo sobre a guitarrada.

TMDQA: Pra começar, explica pra gente. Costuma-se ver o termo “guitarrada” sempre relacionado a gêneros musicais como o Carimbó, o Brega Paraense, Lambada e até mesmo a Cumbia. Mas você que vive isso, vê a guitarrada como um gênero musical ou como um modus operandi da guitarra aplicada em vários estilos?

Lorran: Pra mim, eu que estou vendo o estilo agora, a guitarrada nada mais é que a lambada instrumental. É a mistura do merengue com o carimbó. Porque a lambada não é um gênero musical né, ela é uma expressão: antigamente tinha uma rádio que passava aqui (em Belém), que quando o radialista ia tocar um merengue, uma cumbia ou algo do gênero, ele falava: “Agora vai uma lambada pra vocês!” Tipo, uma lapada mesmo! A galera chama de lambada, mas na verdade é merengue, misturado com zouk, misturado com cadence-lypso.

E a guitarrada, eu vejo como um estilo de vida. Os compositores de guitarrada, muitos deles não tinham estudo, então é muito uma coisa de percepção musical, uma música que vem da cabeça e do coração, então por mais que eles não sacavam muito de teoria musical, tinha já um estilo muito bem definido aí, porque o pessoal nasceu nesse meio, ouvindo a lambada, ou no caso o merengue e o zouk. Então não se pode dizer que é um gênero musical, mas bem mais um modus operandi da guitarra mesmo

TMDQA: A guitarrada tem proximidade com a guitarra baiana de Armandinho e com sonoridades também mais nordestinas, como o Forró e o Axé?

Lorran: Então, tem sim bastante proximidade. Existe um mito, porque na Bahia eles falam que a Lambada foi inventada lá, mas o primeiro registro musical mesmo, gravado, foi do Mestre Vieira, em 78, com Lambada das Quebradas, que era de 76 mas acabou sendo lançada em 78. É a primeira guitarrada mesmo! Mas se tu pega algumas lambadas cantadas, como Cassiano Costa, Júnior Nascimento, são com guitarras baianas, cara. Como por exemplo “Surra de Amor” do Cassiano.

E a guitarrada no Amazonas, que é diferente da guitarrada aqui do Pará, é muito linguagem mais nordestina mesmo, uma parada com Forró muito grande, o suingue é diferente, tem muito proximidade com esse timbre musical lá do Nordeste. Mas a lambada e a guitarrada nasceram, os primeiros registros musicais, aqui no Pará.

TMDQA: Quem são os grandes nomes do estilo? Aqueles que você recomendaria para quem quer entender melhor e conhecer a guitarrada.

Lorran: Cara, eu recomendaria pra quem não conhece, ouvir a discografia do Mestre Vieira, principalmente Lambada das Quebradas, que foi o primeiro grande disco dele. Conhecer Aldo Sena e Mestre Solano (Solano e Seu Conjunto). Tem também o Mario Gonçalves, que era guitarrista, irmão do Pinduca, que gravaram uma das primeiras lambadas também, que está no álbum Volume V do Pinduca.

E tem também esse disco, Guitarrando na Lambada (1990), gravado pelo Anaice e pelo Didi, que foram grandes músicos da geração dos anos 80, gravando muitos cantores de brega, mas também tem esse álbum de guitarrada.

E sem contar também, na época que a guitarrada estourou, a GravaSom era do Carlos Santos, que é tipo um Silvio Santos aqui no Pará, um cara megalomaníaco (risos). Ele fez uma série discos chamados Guitarradas, com uns 7 volumes, a maioria das músicas foram gravadas por Aldo Sena ou pelo Oséas da Guitarra, que é um Amazonense que continuou gravando quando Aldo foi para carreira solo.

A Amazônia que também conta com outros mestres, como o Marinho, Magalhães da Guitarra e o Barata, com seu clássico Barata E Sua Guitarra.

TMDQA: E os nomes mais contemporâneos, que estão saindo agora, quem você destacaria?

Lorran: Então, para falar desses nomes novos, não podemos deixar de falar do Pio Lobato, que resgatou toda essa história da guitarrada, que até 2000, 2001, ninguém mais falava sobre isso, os mestres estavam cada um no seu canto, só faziam shows pelo interior, aí o Pio Lobato fez o seu projeto de TCC sobre a guitarrada! E isso originou o álbum Mestres da Guitarrada, que conta com Aldo Sena, Curica, que é um mestre do banjo aqui, e além, é claro do Mestre Vieira. E aí voltou a se dar atenção a toda essa história.

Aí o Pio Lobato tem também o Cravo Carbono, tem também o La Pupunha e toda essa galera. Tem um guitarreiro chamado Manoel Cordeiro, pai do Felipe Cordeiro, que lançou seu álbum só agora, o Sonora Amazônia, mas que sempre tocou guitarrada e produziu muitos álbuns de brega.

Da nova geração, dá pra destacar também o Lucas Estrela, que é mais essa guitarrada do lado do Chimbinha, do Brega Pop né, mesclando bastante com o eletrônico e tal, que o Pio Lobato também já tinha feito com o TecnoGuitarradas, e o Lucas é meio que o pupilo dele nesse estilo. Destaco também o Rosivaldo Cordeiro, que resgatou a guitarrada do Amazonas.

Outra coisa interessante é que a Layse (Farofa Tropikal) tem feito um estudo grande sobre mulheres na guitarrada, e não existe muito registro disso, mas eu posso destacar a Guitarrada das Manas, que é da Renata Beckman e da Bea Santos, muito talentosas. Tem também a própria Layse, que gravou o que eu acho ser a primeira guitarrada gravada por uma mulher, a “Guitarrada da Mestrinha”, do nosso primeiro EP.

TMDQA: Você acha que a guitarrada sofre muito preconceito no Brasil? Como e por que isso ocorre?

Lorran: Mano, sofre preconceito sim. Acho que pelo fato do Pará ser um estado que ficou esquecido por muito tempo, ninguém virava os olhos pra cá, quando se falava em Amazônia o pessoal sempre se referia ao Amazonas, aí Belém era só aquele negócio do Calypso, o Chimbinha. E existia uma certa intriga entre os cantores de brega que dificultou o estilo ser impulsionado, hoje, o brega teria capacidade de ser algo do nível popular do sertanejo, algo que não morre nunca.

E como eu comecei a fazer guitarrada em Curitiba, a galera sempre me falava “ah, o chimbinha”, “o chimbinha do sul”, não que isso seja ruim, mas comentário mal intencionado desvaloriza o artista. Mas quando a pessoa é interessada e começa a ouvir e ver a guitarrada com outros olhos, ela vê que é uma música muito única, que traz muito sentimento.

Mas esse preconceito começa no centro-oeste pra baixo, no Norte e no Nordeste o pessoal gosta muito do ritmo, o Aldo Sena fez muito sucesso em Fortaleza, morou lá muito tempo, isso e essa aproximação da guitarra baiana com a guitarrada dá essa familiaridade por lá também.

Existe também o preconceito que rola da galera, músicos mais experientes, acham que guitarrada é muito fácil de tocar. E realmente é uma melodia simples, e eu até ouvi de dois mestres guitarreiros aqui, o Manoel Cordeiro e o Mestre Solano, falando que a guitarrada é simplicidade, e isso se torna difícil, principalmente pelo sotaque da guitarrada, foi a coisa que eu mais tive dificuldade de aprender, fazer soar como se parecesse daqui. Aí rola muito esse preconceito por causa facilidade que aparenta ser, mas na real não é uma coisa tão simples assim se você parar para tocar e analisar.

TMDQA: A relevância do estilo vem aumentando atualmente? O reconhecimento da guitarrada e da sua história estão tendo mais aceitação?

Lorran: Tá aumentado! Graças a Deus a guitarrada está sendo vista com outros olhos hoje, graças a essa nova geração aí, que tá tocando, o Felipe Cordeiro, o Lucas Estrela, o Félix Robatto com seus trabalhos solo, que atingiu mais público. Tá tendo maior aceitação, o pessoal quer saber mais. A lambada tá voltando né, o bolero também, até o pessoal do sertanejo, a Marília Mendonça tá fazendo bolero! Eu vejo pelo Farofa, onde a gente toca a galera gosta muito, cara! E a gente já tocou em Floripa, em São Paulo, galera gosta muito.

E isso é muito lindo, a guitarrada nunca vai morrer por causa dessas pessoas que ainda tocam ela, existe uma briga muito grande quando eu cheguei aqui e as pessoas viram que pessoas de fora estavam tocando guitarrada, se morderam por causa disso, muito ego, sabe? Mas acho isso bom, quanto mais gente tocar guitarrada melhor.

Como por exemplo os meninos do Noites do Norte, que super abraçaram o movimento lá no Rio de Janeiro.

Recentemente foi criado o Clube da Guitarrada, que vale a pena destacar, projeto encabeçado por Felix Robatto e Valfredo de Farias. Que traz mais força para o movimento.

TMDQA: A história da guitarrada tem muita relação com a cultura Paraense, certo? Você saberia explicar como isso funciona? Quais as origens que envolvem o estado e a prática?

Lorran: Ela nasceu no Pará, é por isso que ela tem muito a ver com a cultura paraense. Nasceu aqui, em Barcarena com o Mestre Vieira!

E como que ele criou a guitarra: as rádios que sintonizavam no Pará eram do Caribe, da América Central, da Guiana Francesa, República Domicana, Suriname. Então em vez de ser uma região onde as rádios eram americanas ou europeia, era caribenha. Só tocava merengue, zouk, ritmos assim, então a cultura musical que o Mestre Vieira tinha, ele tocando bandolim lá, do jeito dele, criou esse movimento da guitarrada, justamente por essas influências das rádios que se ouvia no Pará.

Tem a história dos discos de vinil que chegavam com os pescadores, quando eles iam para as cidades próximas da América Central traziam álbuns de lá, de bolero e de todos esses ritmos que hoje englobados fazem parte da guitarrada. Aí depois do Mestre Vieira que criou esse estilo único, começou a surgir a galera!

É como dizem que foi no Maranhão, onde as frequências de rádios eram mais próximas da Jamaica, e lá o Reggae tem uma forte influência, aqui no Pará tinha esses outros ritmos caribenhos nas rádios, e por isso a guitarrada só podia ter surgido aqui.

TMDQA: E os seus projetos, o Farofa Tropikal está cozinhando algo para esse ano?

Lorran: Sim, mano! O Farofa tá com 2 diretores musicais agora. O Argentino Neto e Nazaco Gomes, com a produção da Paula do Espírito Santo e já estamos agilizando o disco e um novo formato para os shows.

Estamos também com o projeto Quartas Tropikais, que acontece toda quarta-feira no Espaço Cultural Apoena, aqui em Belém, onde resgatamos o brega marcante e o brega saudade que é escasso no centro.

Enquanto isso, em paralelo eu tenho um projeto de guitarrada desde o começo do Farofa, conforme fui compondo as guitarradas fui associando qual cabia no Farofa e qual não. Nessas que não cabiam, fui harmonizando para desenrolar uma história conectiva, de se apaixonar, de começar fazer guitarrada no Sul e até chegar no Norte. Ano que vem sai essa história!

 

TMDQA: Muito obrigado por todo esse conteúdo, Lorran! E sucesso pra você e pro Farofa Tropikal.

Lorran: Eu que agradeço o espaço, Renan! Uma alegria pode falar disso. Queria deixar uma dedicatória, um agradecimento ao André Macleuri e ao Bruno Rabelo, que têm uma pesquisa muito aprofundada na guitarra, de muitos anos e compartilham seus conhecimentos. Queria agradecer também ao Pio Lobato e ao Félix Robatto que foram caras que levaram adiante a guitarrada, e a Layse, do Farofa que me instruiu muito nesse caminho.

 

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