Rusty Anderson
Foto por Tamarind Free Jones

Quem foi a um dos shows de Paul McCartney no Brasil nos últimos dias certamente percebeu uma sintonia muito grande entre o ex-Beatle e sua banda. Muitos nem imaginam que, naquele palco, estão músicos com uma conexão de mais de duas décadas — como é o caso do guitarrista Rusty Anderson.

Um verdadeiro prodígio não apenas de seu instrumento mas da música de sua forma geral, Rusty tem uma trajetória impressionante que, desde 2001, está intimamente conectada a McCartney. Muito antes disso, no entanto, Anderson já vivia de música: ele se tornou profissional aos 14 anos de idade com sua banda Eulogy, mas sua história vem ainda mais no passado.

Em uma conversa por telefone diretamente de seu quarto de hotel em Belo Horizonte, um dia antes de subir ao palco com Paul na Arena MRV, Rusty abriu o jogo sobre tudo que construiu nessa carreira que passa por tantas surpresas quanto você possa imaginar. Simpático e carismático, o guitarrista já abriu o papo deixando bem clara sua paixão pela música:

Eu acho que, mentalmente, me tornei um guitarrista com cinco anos. Mas eu precisei esperar até os oito pra ter uma guitarra japonesa, daquelas penhoradas, e um amplificador de verdade. De certa forma, sinto que estou fazendo a mesma coisa a minha vida inteira. […] Desde a primeira vez que me juntei com meus amigos, pareceu a coisa certa. Essa é a minha identidade.

Essa raiz tão forte não poderia ter dado melhores frutos. Mesmo bem jovem, com o Eulogy, Anderson já teve a oportunidade de tocar com nomes como The PoliceVan Halen — até hoje, aliás, Stewart Copeland, baterista do The Police, é um dos seus maiores parceiros musicais e justamente com quem ele lançou o single “Firefly”, em 2022.

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Rusty Anderson: de Los Angeles para o mundo

Ouvindo a canção recente, é difícil não perceber um estilo próprio de composição de Rusty. Isso, claro, passa pela sua concepção enquanto artista e também por toda a experiência que foi acumulando ao longo dos anos, primeiro com o Eulogy e depois com o The Living Daylights, banda mais voltada ao Rock Psicodélico, antes de chegar a um dos capítulos mais importantes de sua vida: o Ednaswap.

A banda ganhou notoriedade nacional nos EUA, especialmente ao fazer turnês com nomes como No Doubt Weezer, mas se tornou eternamente lembrada por um motivo bastante curioso. É do grupo a canção “Torn”, que viria a se tornar famosa na voz de Natalie Imbruglia alguns anos depois — e sim, como já havíamos te falado por aqui, a música não é da cantora que a deixou tão conhecida!

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Como era de se esperar de uma banda de Rock nos Anos 90, é claro que o Ednaswap teve “momentos turbulentos”, como o próprio Anderson define. Na conversa conosco, o guitarrista explicou que a banda teve muito “tumulto” mas, mesmo assim, foi responsável por “momentos incríveis” de sua vida:

Eu aprendi muita coisa, mas também era difícil coexistir no dia a dia. Acho que isso durou cinco anos e evaporou, mas não demorou muito para que eu começasse a tocar com Paul; eu também tive uma banda com o Stewart Copeland, do The Police, chamada Animal Logic, que também contava com o Stanley Clarke. Então, sabe, é engraçado como você não sabe para onde as coisas vão te levar, sabe? Experiências diferentes te levam para um caminho muito imprevisível.

Inspirados nessa imprevisibilidade mencionada por Rusty, mostramos a ele um resultado no mínimo inesperado de suas criações. “O Amor É Ilusão” é uma faixa gravada pelo grupo brasileiro Rouge que fez uso da versão mais conhecida de “Torn” como base, basicamente trazendo o instrumental já famoso e incorporando uma letra em português. Anderson, talvez exausto de tantas versões do sucesso, respondeu de forma tímida e em tom de questionamento:

Bom, parece ser uma versão que tem uma linguística bem voltada para o Brasil?

Sem dúvidas, Rusty!

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Rusty Anderson, “Torn” e seu currículo invejável

Ainda assim, esbanjando simpatia e vontade de falar sobre cada detalhe de sua trajetória, o músico aproveitou para dar mais detalhes sobre sua impressão:

Ela soa bem parecida com a original, pelo que ouvi. A original da Natalie Imbruglia, no caso; no Ednaswap, fizemos várias versões de ‘Torn’. Mas acho que a demo original, que surgiu até antes do Ednaswap ser uma banda, foi uma demo que foi praticamente copiada e virou a versão da Natalie Imbruglia. Depois, você ouve as versões do Ednaswap e são todas bem diferentes.

Questionado sobre a sua preferência por alguma das versões do grande hit, Rusty preferiu não opinar de forma incisiva mas nos deixou uma verdadeira aula sobre a percepção musical de cada época:

São todas tão diferentes. Especialmente porque tudo vem de um momento em que todo mundo tem seu próprio gosto. Acho que uma coisa que aprendi ao longo dos anos é que… Quando eu era adolescente, eu ficava tipo, ‘Eu amo essa banda, eu odeio essa banda’, sabe? Mas com o tempo você começa a perceber que a música que você gosta pode ser influenciada por música que você não gosta e, com essa conexão, seus gostos se abrem muito.

Assim, sem querer, Anderson fez a ponte perfeita para nossa próxima pergunta. Afinal de contas, além de Paul McCartney e de seu trabalho com o Ednaswap, o guitarrista tem no currículo uma montanha de nomes e hits — ele já trabalhou com nomes como Nelly Furtado e Lana Del Rey, por exemplo, mostrando que suas tendências vão muito além do Rock Clássico e inclusive escrevendo o riff de “Livin’ La Vida Loca”, de Ricky Martin.

Ouvir a versão original de “Torn”, inclusive, serve como um exercício perfeito para entender como Rusty Anderson conseguiu aplicar sua versatilidade e imprimir uma identidade própria em sonoridades que, muitas vezes, são mastigadas para servir a um único propósito de vender discos (ou streams, em tempos mais modernos).

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Qual o segredo para conseguir manter um trabalho tão incrível estando envolvido nesse mundo? É difícil saber, mas certamente as influências diversas de Rusty ajudam bastante. Ele menciona desde nomes avant-garde, incluindo compositores impressionistas como Claude DebussyGeorge Gershwin, até Blues e R&B, passando pelas experimentações de Frank Zappa e muito mais.

A música brasileira também marca presença. Ele mesmo destaca que “Firefly” tem uma certa influência de Bossa Nova, algo que é bem perceptível mesmo à primeira ouvida, e aponta que tem escutado muito Milton Nascimento, com quem deve ter tido a oportunidade de se encontrar pouco após nossa conversa, já que o eterno Bituca foi ao show de Paul em BH.

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A vida ao lado de um Beatle

Como o próprio guitarrista disse, a vida lhe levou por caminhos surpreendentes e, depois de falar sobre tantos temas diferentes, finalmente chegamos em Paul McCartney. Afinal, são mais de 20 anos de uma parceria que tornou praticamente impossível não associar Rusty e Paul — especialmente dentro dos palcos, onde eles exibem uma sintonia invejável.

O mesmo vale para o restante da banda que acompanha o ex-Beatle, com todos estando ali há um bom tempo. Quem foi a shows no passado ou neste ano certamente se lembra por exemplo das interações sensacionais do baterista Abe Laboriel Jr. com a plateia, mas o mais impressionante é como os músicos ainda parecem estar totalmente conectados depois de tanto tempo.

O próprio McCartney sabe muito bem que esse tipo de relação tem seus desafios, e Rusty também teve suas experiências com o Ednaswap; tanto que, questionado sobre a possibilidade de voltar a ter uma banda, o músico destacou ter feito alguns experimentos com a Rusty Anderson Afternoon mas, por enquanto, vem “deixando a coisa rolar”.

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Ao falar sobre a sintonia com os colegas de banda de Paul, no entanto, Anderson foi só elogios:

É meio que uma química natural, mas acho que temos crescido enquanto banda. Um amigo nos viu tocar quando começamos e acabou de nos ver novamente na Cidade do México, e ele comentou o quanto a banda amadureceu e cresceu. Acho que isso foi legal porque eu estou no meio de tudo, sabe? Mas quando eu olho pra trás e penso, eu entendo o que ele quer dizer. Com o tempo, você aprende o que funciona e o que não funciona, o que deixa todo mundo feliz, e… É difícil de explicar, mas você fica bom em encontrar as nuances.

A “consistência” também foi mencionada pelo guitarrista como um dos principais motivos para que a sintonia seja tão presente, mas é inegável que há um outro fator importante chamado Paul McCartney. E aqui não nos referimos apenas à genialidade do eterno Beatle, mas também à sua capacidade de fazer com que a relação entre ele e seus músicos não seja unilateral.

Isso ficou evidente em 2003, quando Rusty lançou seu primeiro disco solo chamado Undressing Underwater. Naquela época ainda recém-chegado à companhia de McCartney, o guitarrista teve o apoio de todos os seus colegas de banda na gravação do álbum, incluindo o próprio Paul no baixo e backing vocals.

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O trabalho chegou dois anos depois de seu primeiro disco oficial com Paul, Driving Rain (2001), e desde então a parceria já rendeu a Rusty participação na gravação de mais cinco discos da lenda da música britânica: Chaos and Creation in the Backyard (2005), Memory Almost Full (2007), New (2013), Egypt Station (2018) e McCartney III (2020).

Aliás, é importante destacar que Rusty Anderson não faz nenhuma questão de esconder que é fã de Paul McCartney e dos Beatles. Perguntamos a ele quais os seus discos preferidos da vida e, além de citar novamente Claude Debussy, fez um Top 3 com seus álbuns preferidos do quarteto de Liverpool, sem ordem específica: Help! (1965), Rubber Soul (1965) e Revolver (1996). Ah, e todos na versão americana, que era a que ele tinha acesso!

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O futuro brilhante de Rusty Anderson

A grande verdade é que, em quase 30 minutos de conversa, não foi possível nem começar a destrinchar direito a carreira de Rusty Anderson. A própria parceria com Ricky Martin, que rendeu ao guitarrista a honra de ter um riff na Biblioteca Nacional do Congresso dos EUA, nem foi mencionada no papo para dar espaço a todas as histórias e conversas que o papo rendeu.

Ainda assim, uma coisa que fica clara é que Rusty não tem nenhuma vontade de parar. O futuro de Paul McCartney é incerto e definitivamente está fora do controle de Anderson, que tem muito a agradecer pelo ex-Beatle, sem dúvidas, mas já provou inúmeras vezes que sua trajetória vai além do que Paul lhe oferece.

Recentemente, ele relançou o disco RAA (ouça ao final da matéria), parte do projeto Rusty Anderson Afternoon, e está em uma constante busca para se adaptar ao mundo digital, o que será reforçado no próximo ciclo de lançamento através da divulgação de singles que eventualmente irão se tornar um álbum — um dos próximos, ele já nos adiantou, se chamará “Cut the Chain”.

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Da mesma forma que foi difícil saber por onde começar uma conversa com alguém com tanta experiência, finalizar uma matéria sobre esta trajetória é desafiador. Melhor do que fazer afirmações ou tentar impor percepções com relação à jornada de Rusty é deixar o próprio falar sobre sua grande missão na vida:

Eu acho que, pra mim, criar grandes músicas é a jornada de uma vida inteira. Não importa se estou fazendo minhas coisas solo, lançando discos ou coisas do tipo, ou tocando com o Paul, viajando o mundo. Eu sinto que estou fazendo isso há tanto tempo, mas é como se eu estivesse apenas seguindo minha ‘musa inspiradora’, se é que isso faz sentido. É a mesma coisa que me empolgava quando eu era criança.

Com esse tipo de mentalidade, é difícil não imaginar o quanto Rusty Anderson ainda pode nos oferecer musicalmente. Aguardamos ansiosamente!

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