Lúcio Maia
Foto: Caio Cestari

O Brasil é indiscutivelmente um país muito rico em termos culturais. No entanto, a identidade cultural brasileira ainda é objeto de amplas discussões. Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?

Muito se discute também sobre o papel do nosso país no contexto da América Latina. O Brasil é o maior país do subcontinente, e mesmo assim esquecemos muitas vezes disso. É como se os próprios brasileiros negassem suas raízes latinas. Apesar de termos uma origem diferente da grande maioria dos países da região, as fronteiras não mentem que temos mais em comum com nossos vizinhos do que podemos imaginar.

Esse foi um dos principais nortes de Lúcio Maia para a produção de seu primeiro álbum solo. Conhecido nacionalmente como guitarrista da banda Nação Zumbi (da qual faz parte desde a formação), Lúcio não nega suas raízes latinas e as usou para dar vida ao seu mais novo disco homônimo.

Em um disco instrumental solar e tropical, as sete composições autorais remetem a esse clima latino. Para completar as faixas do disco, ainda temos uma cover instrumental de “Lithium“, do Nirvana. A versão, é claro, vestiu o uniforme da latinidade, dando vida à releitura mais criativa da faixa criada até então!

Dentre os nomes que auxiliaram na gravação das canções estão Alexandre Dengue (baixo), Fábio Sá (baixo), Maurício Fleury (teclados), Hugo Carranca (bateria), Anderson Quevedo (saxofone), Carlos Trilha (teclados), Maria Manoella (voz), Felipe Roseno (percussão) e Thiago Silva (bateria). Que time de peso, hein!

 

“Não precisamos pedir permissão para ninguém para flertar com gêneros latinos”

Lúcio respondeu a algumas questões do TMDQA! sobre o novo disco. O guitarrista falou sobre a nova fase da sua carreira. Também conversamos sobre as suas impressões sobre a música latina e o papel do Brasil dentro desse cada vez maior mercado musical.

Confira abaixo:

TMQDA!: Você tem outros projetos, que incluem uma das bandas mais importantes da história da música brasileira. No entanto, este é o seu primeiro lançamento solo. Para você, qual foi a principal diferença que você sentiu nesse novo processo? Há mais liberdade? Foi um processo, de alguma forma, mais prazeroso?

Lúcio Maia: Ao mesmo tempo que esse disco foi um projeto que eu idealizei com o mesmo carinho e com o mesmo foco que todos os outros, incluindo a Nação Zumbi, eu acho que tive mais uma liberdade, no sentido de que hoje eu posso fazer o que eu bem entender da minha carreira. Eu posso flertar com qualquer tipo de ideia porque eu consegui construir, nesses 30 anos, uma condição quase universal de que eu tenho passaporte para entrar e sair de qualquer ambiente dentro da música. Eu fico imaginando que se eu quisesse lançar um disco com influências da música latina e caribenha há 20 anos, quando era muito reconhecido como guitarrista de rock, ia ser um contrassenso. Eu acho que hoje eu posso fazer o que eu quiser. Se eu quiser lançar um disco de metal daqui a um ano, ninguém vai estranhar.

TMDQA!: O disco conta também com o apoio instrumental de nomes como Maurício Fleury (Bixiga 70), Tom Rocha (Academia da Berlinda) e Dengue (Nação Zumbi). Como se deu esse processo de convocação para a banda?

Lúcio: Tudo depende do momento, da situação geográfica, da necessidade… Normalmente, eu prefiro trabalhar com pessoas que tenham a mesma necessidade artística que eu tenho. O envolvimento com isso tem que ser algo de colocar a alma no negócio, o que vai além da questão profissional e mercadológica. Eu procuro sempre andar com este tipo de gente. Não apenas para fazer música, mas também para me divertir. Por isso que essa galera toda está aqui, além, é claro, da admiração que tenho por eles. São pessoas que têm brilho próprio.

TMDQA! Existem artistas ou movimentos musicais específicos que inspiraram a sonoridade do disco? Vejo uma grande força de sons latinos nas composições.

Lúcio: Sim, claro! Essa força da música latina já existe há muito tempo. É um universo gigantesco, assim como o hip hop, o metal, a música pop… O mercado da música latina é muito grande. Existem coisas antigas incríveis e coisas novas tão incríveis quanto. Eu considero a Chicha Libre uma das bandas mais legais nesse sentido. Eles se utilizam das raízes deles de uma forma bem renovada e especial.

Acho que todo brasileiro precisa entender que tem direito a essa febre latina. Isso está dentro da gente. O Brasil está dentro da América Latina, apesar de que não temos essa herança direta dos espanhóis. A gente faz parte do mesmo solo. Não precisamos pedir permissão para ninguém para flertar com gêneros latinos. Isso já faz parte da música do mundo. Foi uma questão pensada para se compor o disco.

TMDQA! Acha que o Brasil, em termos culturais, está assumindo cada vez mais sua identidade latina? Temos visto recentemente cada vez mais parcerias entre artistas brasileiros e artistas de outros países latino-americanos.

Lúcio: Obviamente essas fronteiras estão cada vez menores, até por causa da condição que a internet nos dá. Acho muito importante ter esse flerte. É importante até para a América Latina. O Brasil é o terceiro maior mercado da música do mundo, só perdendo para os Estados Unidos e para a Inglaterra. Por isso que os nossos artistas têm aviões, fazendas… Você não encontra um artista assim na França ou no Japão. Aqui temos vários artistas gigantes. Acho que é importantíssimo que o Brasil saia dessa zona de conforto e se afirme como um país latino-americano.

 

“Me sinto maduro e responsável por todos os meus atos”

TMDQA!: Como você diria que esse disco se encaixa na sua carreira musical? Você o vê como o resultado de uma evolução ou amadurecimento, visto que nos apresenta um Lúcio que se reinventa esteticamente?

Lúcio: Eu acho que é justamente essa a descrição do trabalho novo. É um amadurecimento, uma questão de tentar sempre manter o meu padrão artístico com a minha cara. Vou nem entrar no lance de ser bom ou ruim, porque aí teríamos que falar sobre gosto, e gosto é algo muito pessoal. Com meus trabalhos, eu tento me renovar, tanto artística quanto espiritualmente.

Uma das coisas que mais me faz ter prazer em tocar é não ter padrões pré-estabelecidos. Eu posso tocar o que quiser e quando quiser. Poder viver disso é uma dádiva do universo para mim. Assim, posso tocar as pessoas sem sequer conhecê-las. De uma certa forma, consigo acessar o interior de cada um. Sem dúvida nenhuma, me sinto maduro e responsável por todos os meus atos.

TMDQA!: Gosto muito de canções instrumentais pelo imaginário que elas despertam em nós. A única dica que temos está no título das canções. Como foi nomear estar sete faixas?

Lúcio: Essa questão de colocar o nome é algo muito subjetivo. O título não necessariamente é uma palavra inserida na letra de uma música. Basicamente é como dar nome a pessoas. Perguntar para um artista o porquê do nome de uma música é como um filho perguntar para o pai o porquê de ter aquele nome. Lúcio, poe exemplo, não é um nome tão incomum assim. Perguntei uma vez para o meu pai e ele falou que, independente do nome, quem o preenche é a pessoa. Acho que a música, por si só, representa aquele título. A gente geralmente não tem uma maneira de explicar como esses nomes surgem. Eles vêm de uma necessidade que temos de batizar as músicas. Você batiza a música e ela já tem a vida. É algo muito do acaso também. Estou viajando aqui (risos).

 

“Eu sou um grande fã do Kurt e do Nirvana”

TMDQA!: O disco ainda revela uma surpresa no final: uma cover de Nirvana! De onde surgiu a ideia de fazer uma releitura de “Lithium” e porque justamente dessa música?

Lúcio: Eu comecei a trabalhar nesse disco em 2016. Nessa época, estava rolando o documentário sobre o Kurt Cobain na Netflix. Eu tinha acabado de assisti-lo, e voltei para relembrar essa fase. Sabe quando você fica um tempo sem ouvir algo, mas um filme faz você ter o desejo de reviver o momento? Queen, Ramones… Depois que saíram seus respectivos filmes biográficos, eu comecei a pirar de regravar um ícone do rock e trazer mais para essas camadas mais latinas. Escolhi “Lithium” porque é uma música com a qual eu me identifico com a letra, porque fiquei meio depressivo durante uma época. A letra fala sobre essa questão do convívio consigo mesmo, com seus amigos imaginários… O andamento era propício para que eu a trouxesse para esse universo. Foi basicamente uma coisa levando a outra, além do fato de que eu sou um grande fã do Kurt e do Nirvana.

TMDQA!: Alguma outra canção foi pensada em ser relida? Se pudesse escolher mais um sucesso internacional para ficar com a cara do projeto, qual seria?

Lúcio: Isso é uma pergunta muito difícil de responder! Poderia ser um milhão de sucessos. Não conseguiria te dizer agora uma única música para fazer releitura. Não faço ideia, mas talvez pudesse ser “The Number Of The Beast“, do Iron Maiden (risos).

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