Vaneza Oliveira no clipe de
Foto: Reprodução / Youtube

Em 2018, durante o nosso podcast de fim de ano, comentamos sobre o que esperar da música brasileira em 2019. Aliás, o decorrer de 2018 nos provou que o ano seguinte seria complicado, tanto em termos políticos quanto sociais.

Nossa equipe especulou que esse caos todo serviria de combustível para uma incendiária cena musical brasileira inconformada. Com suas vozes, os mais diversos artistas poderiam usar a música para colocar o dedo na ferida, para se afirmarem no mundo e para fazerem seu público refletir.

Mas não entenda a palavra “resistência” apenas como uma reação violenta. Vimos este ano que ela pode se configurar de outras formas. Resistir também é ter calma. Se afirmar também é saber a hora de agir. Se pararmos para pensar, a serena água consegue fazer tanto estrago quanto o temível fogo.

A ideia, acima de qualquer questão estética, é afirmar existências, defender ideais e, é claro, colocar muita gente para pensar. Foi isso que vimos em vários cantos da música esse ano.

 

Chão, teto, parede… O Brasil todo está pegando fogo!

Ao longo de 2019, as divergências políticas deram origem a longas discussões. O clima se mostrou pesado, gerando brigas entre familiares ou amigos. O discurso que predominou, por sinal, foi o de ódio, o de aversão às diferenças. A tentativa de estabelecer-se um padrão social fez com que muitos ficassem descontentes. Socialmente, tentaram impor rótulos. Impuseram o conceito do “cidadão de bem”.

Uma reação plausível diante disso? Ir para as ruas, agir, gritar, mostrar a força e a união de um povo inconformado. Movimento, agitação, inconformidade… Qualquer manifestação que confirme essa bizarra sensação de que estamos em meio a um incêndio.

A Francisco, el Hombre captou bem isso ao lançar seu segundo disco de estúdio, o fortíssimo RASGACABEZA. Através da constante metáfora do fogo, a banda usou sua voz para causar inquietude e provocar uma revolução. Em forma de dança (coreografada e tudo), o grupo fez de dois de seus novos singles as canções “Chama Adrenalina” e “Chão Teto Parede“. Ambas evocam o fogo para enfatizar o caos em que estamos vivendo e nos convencer a tomar atitudes o quanto antes. “Se hoje tá assim, imagina o amanhã”, diz a faixa final do álbum.

O rapper mineiro Djonga, emplacando seu terceiro álbum em três anos, também veio bem provocativo. A questão social permeia todo o contexto de Ladrão, que exemplifica o empoderamento negro e narra sua jornada de vitória e reconhecimento. Na mesma pegada crítica, os rappers Coruja BC1 e Black Alien também protagonizaram ótimos lançamentos.

 

“O lado certo da história não tem sangue nas mãos”

“Ué, mas cadê o rock?”, você deve ter se perguntado. Justamente um dos gêneros musicais que mais causaram ao longo da história, o rock também apareceu este ano.

Os socialmente menos favorecidos ganham força no discurso de vários discos do gênero, como em Karma, da banda carioca Canto Cego. Usando constantes associações a elementos da natureza, o álbum pede licença para que a afirmação de nossas existências atropele qualquer um que ousar impedir isso. Trata-se, sobretudo, de uma luz em meio a um túnel escuro.

A banda Dead Fish, que sempre teve uma postura política, fez de Ponto Cego o seu primeiro disco em quatro anos, e voltou com tudo! Provocativos e sem papas na língua, eles fizeram do primeiro verso de sua nova fase o emblemático “SIM, FOI GOLPE” da faixa “Sangue Nas Mãos“. E foi nessa onda de “dedo na cara” que o álbum inteiro se desenvolveu, com associações à Alegoria da Caverna de Platão e declarando o atual rumo político do Brasil como uma “Receita Pro Fracasso“. Doa a quem doer!

Mas eles não foram os únicos. O pernambucano China, que também não lançava material novo há certo tempo, não poupou críticas em seu Manual de Sobrevivência Para Dias Mortos. Com influências que vão do maracatu ao punk, o disco se desenvolve de maneira a apontar tudo de errado que o “cidadão de bem” tem feito.

 

O frescor e a serenidade da calma

Existem diferentes formas de resistência. Dado o contexto, existir por si só já configura um ato de tal natureza. Você não precisa necessariamente provocar para ser ouvido. Muitos artistas, ao longo de 2019, nos provaram isso.

Se estávamos aguardando um álbum “porrada” de Emicida, ficamos surpresos (mas positivamente). Em AmarElo, o rapper se deixou guiar por uma sonoridade mais leve para escrever letras que falam sobre a vida, com suas pequenas alegrias e desafios. Mas nem por isso ele deixou de se afirmar. Em “Libre“, parceria com as franco-cubanas Ibeyi, a liberdade é o objeto principal. Afinal, não há nada melhor (e certo) do que ser livre para transitar por aí, se expressar e viver a vida como ela deve ser vivida! E ninguém deve tirar isso de você. “Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes”, como diz a letra da poderosa faixa-título.

E por falar em “Libertação“, este ano também tivemos o novo trabalho de uma das principais figuras da atual resistência artística do país. Elza Soares, negra, mulher e já de idade avançada, deu voz a várias composições que buscam empoderamento e uma reflexão sobre os parâmetros do nosso país em Planeta Fome. Aconteça o que acontecer, ela não vai sucumbir, como é dito na parceria com o BaianaSystem, lançada como primeiro single do disco.

Em meio aos turbulentos acontecimentos do Brasil de 2019, também tivemos o aguardado novo disco do grupo baiano que revolucionou a nossa música recente. Alguns até criticaram, já que O Futuro Não Demora talvez não tenha toda a força que o antecessor Duas Cidades. No entanto, o disco tem grandes passagens que marcam a banda, desde a característica sonoridade transcendental do Baiana até discursos de afirmação de existência. Da “Água” até o “Fogo” (literalmente). O próprio Russo Passapusso fez questão de contar em primeira pessoa: “Sou sulamericano, de Feira de Santana. Avisa o americano que eu não acredito no Obama”. Não, o futuro definitivamente não demora. Já é amanhã, e precisamos estar preparados para “contra-atacar” se for necessário.

Em contrapartida, Liniker e os Caramelows lançaram Goela Abaixo. Assim como fez Emicida, o novo disco propõe calma das mais diversas maneiras. Aliás, para tirarmos o melhor proveito de toda e qualquer situação, precisamos respirar e pensar sem a cabeça quente. É de calma de mais precisamos. É com calma que vamos chegar à melhor solução. É com calma que apreciamos melhor a paisagem da estrada. É com calma que o sexo flui melhor. “Não se trepa em 15 minutos”, como diz a letra de “Textão“.

Ainda mais artistas foram na contramão e resolveram apostar na calma como uma proposta de revolução. Assim foi com Castello Branco (que lançou Sermão), Marcelo Jeneci (que lançou Guaia), Scalene (com Respiro), Rael (com Capim-Cidreira) e muitos outros nomes.

 

O melhor da música brasileira está nas diferenças!

Seria ótimo se todos os discursos tivessem seu devido espaço na música brasileira. É importante ouvirmos mensagens “good vibes”. É importante também “rebolarmos a raba”, é claro. Mas também é importante ouvirmos discursos que fujam da nossa zona de conforto por uma simples questão de empatia. O Brasil é um país gigantesco, e procurar entender o que o outro vive é, no mínimo, uma forma de entender melhor o que é ser brasileiro. O país não gira em torno de apenas um único hábito, cultura ou ideologia.

O ano de 2019 provou que, culturalmente, estamos nos fortalecendo cada vez mais. Olha tudo o que falamos até aqui (um recorte mínimo da quantidade de música boa produzida no país este ano)! Os mais diversos estilos musicais e tipos de discurso mostraram que todos temos voz, ao contrário daquilo que é imposto pela repressora sociedade. É o funk, é o rap, é o rock… É o que você bem quiser!

O mais belo disso tudo é ter a noção de que existem pessoas se sentindo representadas nesses discursos. Desde um possível umbandista que se identificou com o discurso de MC Tha no ótimo disco Rito de Passá até o fã de jazz que viu seu estilo favorito ser brilhantemente repaginado nas mãos de Jonathan Ferr em Trilogia do Amor. Da mulher trans que se viu representada pel’As Bahias e a Cozinha Mineira em Tarâtula até o nordestino que se encontrou em meio aos sotaques e mensagens de Matriz, novo disco da Pitty. Essas músicas, com suas palavras, ritmos e melodias, podem ser muito importantes na vida de uma pessoa!

Essa mensagem vai para todos os brasileiros, do norte ao sul do país: brancos, negros, indígenas, homens, mulheres, trans, ricos, pobres… Em 2020, garantimos, a luta pela existência continuará! A resistência continuará!

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