Janine Mathias lança 'O Rap do Meu Samba', explorando suas raízes entre rap, samba e fé, com produção de Rodrigo Campos e participação de Criolo.
O álbum, construído ao longo de uma década, reflete a maturidade da artista e sua trajetória musical, unindo influências do rap e do samba.
Com composições próprias e releituras, Janine expressa sua identidade musical, destacando a faixa 'Me Ilumina' como a mais ouvida.
A trajetória de Janine, desde a igreja até os palcos, demonstra sua superação do medo e a aceitação de sua vocação como cantora.
O reconhecimento de seu talento por outros artistas e a colaboração contínua moldam sua carreira, impulsionando novos projetos e parcerias.
Janine Mathias expande suas fronteiras em O Rap do Meu Samba, seu terceiro lançamento fonográfico após o EP Eu Quero Mergulhar (2012) e o álbum Dendê (2018), que reúne nove faixas sob o selo YB Music e foi lançado em Outubro.
O trabalho conta com produção de Rodrigo Campos e participação especial de Criolo, costurando a trajetória de Janine entre Brasília e Curitiba – o rap que moldou sua juventude, o samba que ela respirou desde pequena e a fé que orienta seus passos. A artista conversou com o TMDQA! sobre suas raízes, fé, maturidade e como o disco marca a travessia entre quem ela finalmente se permite ser.
O Rap do Meu Samba não é um disco de rap, mas é impossível compreendê-lo sem entender o que o rap representa na vida de Janine. O título indica menos uma estética e mais uma estrutura de mundo. Rap é rhythm and poetry, ritmo, palavra, urgência, denúncia e comunidade.
O início da vida musical de Janine foi frequentando batalhas de rima em Brasília e, depois, foi conhecida como a menina dos refrães do underground curitibano. No álbum, essa força aparece no modo como ela fraseia e nas escolhas narrativas. O disco é samba, mas é guiado pela cadência interna do rap, pela vivência negra periférica, praticamente intrínseca ao gênero, e pela maneira de rimar a própria vida. Ele existe em um ponto de encontro entre duas vertentes.
O mercado sempre vai taxar: ‘você é sambista ou você é rapper?’ Eu tenho essas duas vertentes dentro de mim. Esse disco é de samba, mas leva esse nome porque eu quero que as pessoas entendam de onde eu vim. Para mim, faz sentido que rap e samba tenham origens parecidas.”
Um caminho longo
A construção de O Rap do Meu Samba atravessou mais de uma década, desde o encontro com DJ Marco em 2013 até a consolidação da parceria com o experiente Rodrigo Campos, que assumiu a direção musical do álbum. Depois de anos de tentativas, editais negados e adiamentos, a brasiliense Janine pediu ao produtor que o disco revelasse a voz adulta que ela se tornou.
Eu quero mostrar que de lá para cá, aquela menina se tornou uma mulher, e ela hoje assume essa música, e ela quer trazer todos esses processos. Inclusive, eu quero me colocar como intérprete. Foi uma oportunidade linda que ele me deu, realmente me escutou muito para fazer esse álbum.“
Essa escuta se materializa nas escolhas de repertório. O álbum abre com “Deixa Pra Lá” (1974), clássico de Leci Brandão. Aqui ganha leitura renovada como agradecimento em vida a uma das maiores referências do samba. “Um Minuto”, de Rodrigo Campos, traz a elegância melancólica de um amor que se despede sem perder a dignidade, enquanto “Quando o Couro Bate na Mão”, de Léo Fé, funciona como oração em forma de ijexá e lembra que os passos vêm de longe.
Em “Me Enfeita”, de Raissa Fayet, eletrônica, pop e BPM de rap se misturam para traduzir o turbilhão de uma paixão. “Me Ilumina”, composição da própria Janine, se tornou a faixa mais ouvida do álbum nas plataformas.
Em “Barracão é Seu”, de João da Gente, em domínio público e conhecida na voz de Clementina de Jesus, Janine escolhe uma canção popular. Essa canção é do repertório do samba de roda e é reposicionada por Janine em diálogo direto com o rap. Ela convida Criolo para dividir a faixa.
A espiritualidade também se impõe em “Enredo de Angola”, de Fernando Lobo, deixando mais explícito que há rap pulsando dentro de seu samba. E “Devoção”, parceria de Rodrigo Paulo, Léo Fé e Nego Chandi, fecha o disco e também ganhou clipe para reafirmar o samba como herança ancestral.
“A Bahia Virá”, de Rodrigo Campos e Rômulo Fróes, surge como um chamado espiritual. Janine recebeu a canção exatamente no dia em que pisou em Salvador pela primeira vez, em Pirajá, no Cortejo Afro, a convite da ialorixá Nívia Luz, e a faixa ganhou videoclipe. A baianidade e o candomblé, inclusive, estiveram presentes em seu álbum anterior, Dendê. Nesse álbum, há participação de Rincon Sapiência.
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A força da própria composição
Gravação de Leci Brandão e participação com Criolo poderiam gerar mais ouvintes para as músicas. Mas a faixa mais ouvida nas plataformas digitais é uma composição da própria artista, o que foi uma surpresa até pra Janine. “Me Ilumina” ocupa um lugar especial.
Um dos primeiros sambas que escreveu, a compositora conta que esse posto confirma a música como missão e mostra como Janine Mathias expande suas fronteiras em O Rap do Meu Samba.
“Como assim a faixa mais ouvida não é a música com o Criolo? Eu pedi até pra fazerem análise. Acho que isso confirma o poder que eu carrego, essa missão. Quando estávamos fazendo o disco, o Rodrigo falou que acreditava que eu era uma das maiores compositoras que ele já ouviu. É emocionante olhar para trás e ver que eu queria fugir de tudo isso e agora sou confirmada pela minha própria composição.”
Fugindo da música
A brasiliense deu seus primeiros passos na música na igreja evangélica quando ainda era adolescente. Contudo, em seu sangue já circulava samba carioca. Isso porque seu pai, natural do Rio, tocava em rodas de samba tradicionais. Já sua mãe, também brasiliense, sempre incentivou a filha a ouvir Gal Costa, Elza Soares, John Coltrane e Whitney Houston.
Curitiba não estava nos planos, mas acabou se tornando casa. A artista já visitava a cidade desde a adolescência, mas a mudança começou por um aviso espiritual e pela falta de oportunidades em Brasília. Janine chegou à capital paranaense para trabalhar como atendente em um clube. Ela tentou ocupar qualquer lugar que não exigisse lidar com a própria vocação, mas a música insistiu em chamá-la de volta.
Eu ouvia sempre dizer que ser artista não era uma coisa boa, que tinha muito essa coisa da droga, referências negativas, no sentido de que isso não era bom para a vida das pessoas. E aí isso ficou um pouco no meu subconsciente, digamos assim. Eu tinha medo de encarar isso, eu tinha medo da dificuldade.
Foi por acaso
Foi uma trancista que primeiro a levou para o rap. O resultado foi rápido: um feat com MC Murphy, uma reação surpresa no estúdio e o convite para escrever sobre uma pilha de beats. Janine lembra que escreveu dez músicas de uma vez, sem entender direito como fazer. De repente, virou a cantora dos refrães do underground curitibano, circulando entre MCs e coletivos, expandindo suas fronteiras musicais no processo.
Depois, foram músicos do samba paranaense como Léo Fé, Ricardo Salmaso e Elias Fernandes que reconheceram nela um talento natural; foi o jornalista Lucas Cabanhas quem a estimulou a criar o Samba da Nêga, projeto que a transformou em uma das primeiras mulheres negras a liderar um movimento de samba na cidade.
Eles disseram que eu era um talento. Mas na verdade, eu não tinha a intenção de assumir essa voz, muito menos de viver do ofício de cantora. Foi algo que aconteceu, e que, óbvio, depois que eu vi que eu podia, comecei a abrir o meu coração pra isso.
Janine sabe que sua caminhada nunca foi solitária e faz questão de reafirmar isso. Ela se reconhece no gesto de colaboração que marcou o início da carreira. Esse movimento segue moldando seu caminho. Conta que hoje tem até “afilhados musicais”, artistas que pedem sua bênção e a chamam de madrinha. Isso porque ela acredita no movimento coletivo que a formou. “Eu só estou aqui porque tive todo esse aporte dessas pessoas”, diz.
É por isso que fala menos em furar bolha e mais em alcançar outros universos, porque ninguém floresce sozinho. E fala com entusiasmo ao celebrar no final de novembro de 2025 seus dez anos de carreira. Para 2026 e 2027, monta uma agenda de shows importantes e organiza um EP de remixes, com participações de Mel Duarte, Jairo Pereira e Rúbia Divino. Planeja também o lançamento de outras canções inéditas.
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Liz Sacramento é jornalista há 10 anos e cantora. Já passou por grandes telejornais da TV aberta, e atualmente atua como correspondente internacional. Ao longo da carreira, percorreu diversos estados do país cobrindo grandes eventos, política, cultura e meio ambiente. Com paixão pela música, pesquisa trajetórias sonoras marcadas por autenticidade, identidade e transformação social. Sempre sonhou em unir jornalismo e música, e para isso tem se dedicado a escrever sobre narrativas que celebram a música preta, brasileira e global.
Liz Sacramento é jornalista há 10 anos e cantora. Já passou por grandes telejornais da TV aberta, e atualmente atua como correspondente internacional. Ao longo da carreira, percorreu diversos estados do país cobrindo grandes eventos, política, cultura e meio ambiente. Com paixão pela música, pesquisa trajetórias sonoras marcadas por autenticidade, identidade e transformação social. Sempre sonhou em unir jornalismo e música, e para isso tem se dedicado a escrever sobre narrativas que celebram a música preta, brasileira e global.
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