
Com base em Londres e sangue brasileiro pulsando forte, o quarteto Fantazmaz segue rasgando fronteiras com seu punk direto, sujo e politizado, do gueto. Após uma sequência de shows incendiários por São Paulo, Campinas e Sorocaba no mês de Outubro, a banda lança nesta sexta-feira (7) o clipe de “Pobreza é Violência”, com exclusividade no Tenho Mais Discos Que Amigos!.
A música reforça a identidade híbrida do grupo, formado por Thamila Zenthöfer (voz) e Raf Oliver (guitarra), ambos brasileiros, além de Jamie Oliver (bateria) e Chokito (baixo), do Reino Unido, e traz à tona o peso social que move suas composições.
“Queríamos uma música em português no disco”, conta Raf. “As letras do Fantazmaz sempre falam sobre desigualdade social, que é um dos maiores problemas do Brasil. Ela é mais um grito de frustração dentro do álbum.” A escolha coincidiu com a primeira turnê brasileira da banda, e a ideia do clipe veio naturalmente. “Como estávamos indo fazer shows no Brasil, decidimos lançar ela como single também, e a F5 abraçou a ideia do videoclipe.”
Caos, concreto e simbolismo
Gravado em Sorocaba, o vídeo traduz visualmente o desconforto e a tensão que movem o som do grupo. “O mundo está completamente de cabeça pra baixo”, diz Thamila. “As relações se deterioram cada vez mais rápido, num cenário tóxico e polarizado, como o próprio nome da música sugere. A cena em que apareço de ponta cabeça veio exatamente disso: esse mundo que continua girando, mas totalmente perdido.”
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O clipe teve direção de Renato Oliveira (F5), irmão do guitarrista Raf, em parceria com Ricardo Camargo. Foi uma produção de tirar o fôlego, resultando em um visual intenso. O local escolhido foi uma antiga cantina ferroviária, tomada por quartos abandonados e energia pesada, conforme define Thamila:
Filmamos em vários quartos, cada um com um nome e uma energia própria: o ‘quarto foda-se’, por exemplo, todo azulejado e repleto de morcegos; o ‘calabouço’, completamente preto e úmido, cheio de vestígios do que as pessoas deixavam para trás quando passavam por ali. O lugar em si carrega uma puta energia pesada, quase pós-apocalíptica, é usado por moradores de rua e usuários, e parece impregnado de histórias e corações partidos. Era o cenário perfeito para a música, escolhido com um olhar ao mesmo tempo clínico e sensível.“
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A gravação aconteceu em um único dia, entre poeira, morcegos e paredes úmidas. Segundo Thamila, “a sintonia do time foi surreal; tudo fluiu de forma orgânica e natural, como se o lugar, a música e a equipe estivessem destinados a se encontrar”.
Raiva com sotaque duplo
Com integrantes do Brasil e do Reino Unido, o Fantazmaz transforma essa mistura cultural em combustível, conforme Thamila explica:
Na Inglaterra, o punk tem história e estrutura, veio da classe trabalhadora, de uma juventude sem esperança. Diferente do Brasil, o punk rock é muito popular. Aí a raiva sul-americana, somada às oportunidades de um lugar onde o rock é mais valorizado, criou uma chance que a gente acabou agarrando.
As duas cenas, a britânica e a brasileira, são punks, mas vêm de realidades completamente diferentes. O punk não é o som em si, é a essência, a atitude, a intensidade que vêm de dentro pra fora. E nisso, o sul-americano e o britânico se encontram.
Pra nós, que viemos do Brasil, o punk vem do gueto, da sobrevivência, da rua, e isso muda tudo. A gente cresceu com essa energia, com essa raiva, e isso nunca sai do sangue. Vivemos quase metade das nossas vidas aqui, praticamente toda a vida adulta, e essa mistura de vivência de rua com o contato com uma cena mais estruturada só deixou a gente mais afiado. A atitude vem do sul, somos latino-americanos. É algo que não dá pra copiar, é só nosso!“
O baterista Jamie Oliver, ex-UK Subs e SNFU, reforça o espírito coletivo. “Quando vi o Fantazmaz tocar, antes de entrar na banda, já saquei o potencial absurdo. Me apaixonei de cara pelo som barulhento e pela energia insana deles no palco”. Ele comenta também sobre como sua entrada somou para que a banda tivesse ainda mais velocidade, peso e aquela energia frenética na batera: A gente se deu bem de cara, mandamos ver, e pra mim o bagulho virou rápido de ‘tocar na banda de alguém’ pra ‘trabalhar com uma galera focada pra colocar NOSSA banda no mapa internacional’. Até agora, tamo arrebentando, e é da hora demais!”.
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Esse diálogo constante entre Brasil e Londres também se reflete nas diferenças de estrutura e oportunidades entre as cenas. “O incentivo à cultura é maior aqui [em Londres]”, comenta Thamila. “As pessoas podem comprar instrumentos bons desde o início, ou seja, a galera é incentivada a empunhar um instrumento desde muito jovens. Há muitas casas de shows e todas as bandas tocam aqui, como em São Paulo, mas com uma frequência maior. Inegavelmente, o punk respira mais forte do que nunca, no Brasil e aqui, só que mais angry e mais pesado.”
Ela completa: “Vimos que a cena HC no Brasil tá um estouro, com várias bandas de hardcore de vila, tipo o Sujera. Nossa label, a Repetente Records, tem bandas incríveis no lineup, como Escombro e Bayside Kings. Aqui na Inglaterra também tem, mas com uma pegada mais british rock’n’roll, tipo Split Dogs e Clobber, e não posso deixar de citar o grime. Embora a maior diferença seja a cultura do british rock’n’roll ser mais popular, os dois mundos se encontram perfeitamente e se assimilam muito na atitude.”
Do Vilania ao recomeço
Antes do Fantazmaz, Thamila e Raf fizeram barulho na cena independente brasileira dos anos 2000 com o Vilania, banda destaque na revista Rolling Stone Brasil e na MTV Brasil, e que foi muito divulgada por Chuck Hipólito (Forgotten Boys). Além disso, a dupla integrou os projetos Two Heartbreakers e Red Lion Licks. Eles contam que essas fases de bandas muito distintas ajudaram a moldar o que o Fantazmaz é hoje.
“A época do Vilania nos marcou demais”, lembra Thamila. “Mas é uma fase em que eu, por exemplo, não tinha a mínima noção das coisas ainda. Eu tinha 17 anos quando a gente começou a ter mais visibilidade, tocar bastante, eu não tinha noção de como o Vilania marcou as pessoas até elas me contarem anos depois.”
Entre pausas e recomeços, o silêncio também ajudou a moldar o som urgente do Fantazmaz, segundo Thamila:
Depois, quando mudamos pra cá [para Londres], eu e o Rafa paramos de tocar por anos. Todos esses anos sem ter contato com a cena musical, só vivendo mesmo, nos deram outra perspectiva. Chegou um momento em que achei que nunca mais voltaria a fazer um show. Os Fantazmaz surgiram dessa urgência de se expressar outra vez, agora como adultos, com a vida remendada, um recomeço contínuo. Nós não somos os mesmos que fomos ontem. Aliás, o ‘ontem’ também é uma besteira, só temos o agora.”
Sonoridade como um trem desenfreado e influências
O disco de estreia do Fantazmaz, lançado em Julho deste ano pela Repetente Records, tem 11 faixas e pouco mais de 15 minutos, mas soa como um soco. Relembrando como foi o processo de gravação e o que buscavam capturar no estúdio, Thamila diz: “Fluiu super bem, na real, e rápido! A gente já tocava esses sons fazia tempo, então já estávamos bem bala, preparados. Foram dois dias de gravação: bateria e baixo no primeiro, e guitarra e voz no segundo”, conta.
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“Gravamos no Monolith Studio, um estúdio de HC no norte de Londres, do nosso amigo Charlie Wilson. Fizemos o mais ao vivo possível, queríamos passar a vibe ao vivo dos Fantazmaz, como um trem desenfreado. As músicas são rápidas mesmo, a gente curte OFF! pra caralho. E ele captou super bem nossa vibe!”, conclui.
Sobre influências, aliás, Thamila é direta: “Pô, são muitos nomes, mas não posso deixar de mencionar OFF!, Racionais, Wipers, Motosierra, Hellhammer, SNFU e Motörhead.”
Fantazmaz no Brasil
A recente passagem pelo Brasil deixou marcas especiais. “A recepção dos brasileiros não tem igual! Foi muito mais do que imaginávamos. Rever os amigos foi emocionante, e fazer novos, ainda mais”, relembra Thamila.
“Um monte de seres humanos incríveis cruzou nosso caminho. Quando tocamos em Sorocaba, no Lucky Friends Rodeo (na nossa cidade), foi um turbilhão de emoções. Em São Paulo, no La Iglesia, casa do Jão (Ratos de Porão), foi incrível também. Estar lá pela primeira vez depois de 16 anos, numa casa como a La Iglesia, tocando pra um monte de gente peso-pesado… Foi bem louco, e foi uma delícia, um puta bailão legal! Já estamos com saudade de casa!”
Próximos passos
Após gravar três novas faixas com Chuck Hipólito (Forgotten Boys) no estúdio Artsy, o Fantazmaz prepara o lançamento de um novo single para o início de 2026. “O Chuck foi peça-chave lá atrás, no Vilania, e agora a história se repete de um jeito simbólico”, diz Thamila.
O plano é continuar incendiando palcos e fronteiras. “Queremos voltar pro Brasil, queimar mais cidades em 2026”, revela. “Seguimos criando, compondo e gritando até perder a voz. O brasileiro sai do Brasil, mas o Brasil não sai da gente.”
Fantazmaz – “Pobreza é Violência”
Gravado em uma antiga cantina ferroviária em Sorocaba, o clipe de “Pobreza é Violência” traduz a raiva e o caos urbano do Fantazmaz. Assista abaixo à estreia exclusiva no TMDQA!.
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Galeria: os bastidores de “Pobreza é Violência”











