
Há discos que não apenas apresentam uma banda, mas também redefinem seu lugar no mapa da música independente. Com As Cinco Margens, lançado nessa terça-feira (06 de Agosto) via LOCO Records, a donaclara entrega uma obra que reflete amadurecimento, experimentação e a força do trabalho coletivo.
Formado por João Pedro Marri (guitarras, violões e pianos), Leonardo Feldman (voz e violões) e Rafael Gomide (baixo elétrico e glockenspiel), o trio transforma sua experiência de palco em um registro que amplia suas fronteiras sonoras. O álbum abraça grooves dançantes, toques de soul, brasilidades e momentos intimistas. Ele mergulha em arranjos sofisticados e reafirma o potencial criativo que vem de Minas Gerais para o país.
O disco que mudou a banda
A decisão de gravar um álbum completo veio logo após a experiência de seu primeiro EP, lançado em 2023, que trouxe um aprendizado transformador: o estúdio não seria apenas um espaço técnico para a donaclara, e sim um lugar para explorar possibilidades.
Essa descoberta coincidiu com um momento decisivo para a banda. O grupo começou com seis integrantes e precisou se reorganizar até chegar ao formato atual. Essa mudança alterou completamente o processo criativo e impactou diretamente no som do álbum.
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Com menos integrantes, a banda encontrou foco para experimentar e evoluir. Ainda assim, gravar um disco inteiro exigiu planejamento criterioso, especialmente financeiro. João admite que esse desafio foi fundamental para moldar o trabalho:
No final de 2023, a gente decidiu fazer o disco. Essa preocupação sobre arrumar dinheiro pra fazer influenciou muito como a gente ia fazer e foi muito pro bem. É muito raro hoje em dia as pessoas terem tempo e dinheiro para ficarem em estúdio fazendo um disco durante meses. A gente estava pensando que o estúdio seria um experimento mais de captura do que experiência.”
Essa percepção mudou quando entrou em cena Leonardo Marques (Maglore, Bala Desejo, Milton Nascimento), produtor e dono do estúdio Ilha do Corvo, onde o trio registrou também todo o processo com fotos analógicas. Para a banda, ele não foi apenas um produtor, mas um parceiro criativo fundamental:
Leo Marques virou, nesse processo de gravação, um padrinho nosso. Foi um cara que surpreendeu a gente com tanto que ele tava dentro do rolê, se empenhando, e tanto que ele sentiu que era parte daquilo e vice-versa.”
Comprometimento e energia ao vivo
O processo de composição e pré-produção não foi simples, mas trouxe uma maturidade inédita ao grupo. Inspirados pelo documentário Get Back, dos Beatles, os músicos mergulharam em um método intenso, alternando escrita, ensaios e criação de demos. “Fazer um disco é muito diferente de fazer um EP, pois cabe muito mais coisa. […] Foi um trabalho muito árduo, mas que se provou muito importante, não só para as composições, mas para as gravações”, conta João.
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A dedicação refletiu na escolha de gravar ao vivo sempre que possível, mantendo a organicidade e a interação entre os músicos. Assim como nos shows, eles contaram com Rafael Baino na bateria, trazendo mais versatilidade às músicas, como João relembra:
Quando a gente foi pra casa do Baino poucos dias antes de gravar, quando ele começou a tocar, as músicas já viraram outra coisa, pois ele é de uma versatilidade que é difícil de ver e a bateria eletrônica de demo é bem diferente, não tem nada a ver com baterista que sabe groovar, tocar soul e samba-rock, por exemplo. O espaço que o Baino preencheu no todo surpreendeu a gente e ficou muito melhor que as ´firulagens´ que a gente tinha trazido antes.
A ideia era gravar quase tudo ao vivo, em trio, nos primeiros dias. A gente reservou três dias com o Baia e depois algumas semanas sem ele. O lance é que a gente chegou lá e gravou baixo e bateria ao vivo, em dois ou três takes. Os baixos e baterias que a gente escuta no disco foram, 90%, todos feitos em dois dias – os meninos conseguiram essa proeza.”
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Mais do que técnica, o álbum exigiu entrega emocional e coletiva. Para João, foi como realizar um sonho que nasceu ainda na adolescência: “Foi chocante a entrega de nós cinco a um comprometimento que a gente via em documentário de música. Quando eu era adolescente, via documentário o dia todo, sonhava em fazer um disco e imaginava como seriam aqueles dias, que se provaram mais incríveis do que eu imaginava.”
Um disco plural e cheio de referências
Como já mencionado, As Cinco Margens carrega contrastes. Faixas densas e dançantes convivem com momentos acústicos, revelando um disco plural, fruto da vivência intensa no estúdio. João explica:
Samba com fuzz, meio Tropicália, meio Mutantes. Tem parte intimista e acústica, abraçando o groove e o soul. Tem muita música para dançar nesse disco. A gente estava escutando muito Silvia Machete, Tim Maia, muita música brasileira groovada. E esse disco mudou muito o lugar da guitarra nas gravações.”
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O título e a estética também refletem esse conceito, além de mostrarem que esse é mais que um trabalho sonoro, mas sim um disco que traz referências às margens artísticas e que também eterniza a história coletiva da banda com Leo Marques e Rafael Baino.
Marco pessoal e artístico
Se para o público o álbum é uma descoberta, para a donaclara ele representa um divisor de águas, como resume João:
Chegando mais perto do resultado, quando a gente acabou de gravar e mixar, eu falei que era a coisa que eu tinha mais orgulho na vida. Me fez descobrir um outro lado de música. Fazer disco é você virar meio artesão. E a gente mixou todas as faixas com o Leo. Isso muda muito no disco e coloca a gente não só como músico, mas talvez como produtor, tendo um controle inteiro.
Fazer um disco mudou nossas vidas e queremos deixar isso claro para todos. Acho que a gente se tornou uma banda de verdade aqui, com esse disco.”
Ouça agora As Cinco Margens
Se a música independente é um rio em movimento, As Cinco Margens chega como um desvio necessário. Ele apresenta novas cores, outros fluxos e uma sonoridade instigante criada pela banda.
Ouça o resultado na íntegra e mergulhe nessa mistura de rock brasileiro, funk americano, soul, samba com fuzz e momentos intimistas que definem essa nova fase da banda.
Galeria: donaclara em estúdio











