
Veja o resumo da notícia!
- YMA lança o álbum 'Sentimental Palace', explorando temas oníricos e cinematográficos com participações especiais e arranjos diversos.
- A formação musical clássica de YMA, suas influências que vão de Mahler ao cinema, e a integração de arte e vida em seu processo criativo.
- O processo de criação do álbum como um mergulho nas profundezas da artista, suas colaborações e a relação entre sua persona e identidade.
YMA lançou em outubro Sentimental Palace, álbum onde transforma caos em música e cinema, pelo selo Matraca Records. O segundo disco da carreira da cantora reúne 11 faixas inéditas e participações de Jup do Bairro, Lucas Silveira e Sophia Chablau, em arranjos que expandem o universo onírico e cinematográfico apresentado em Par de Olhos, de 2019.
A artista conversou com o TMDQA! sobre ser percussionista com formação clássica, um assalto que mudou os rumos de sua carreira, a fusão entre a vida como mãe e persona artística, e a criação desse palácio imaginário onde memória, traumas e desejos passam a dividir o mesmo teto.
O sonho de ser percussionista clássica
Sentimental Palace seria um álbum complexo de se encaixar numa só categoria. Um pouco de indie, alternativo, pop rock, bossa nova… Mas nada disso foi planejado, já que a presença marcante dos metais remonta à trajetória da paulistana YMA, estudante de percussão erudita aos 13 anos.
No disco, sax, flugelhorn e outras camadas de sopro ocupam um lugar central:
“Um dos timbres que mais amo é o do saxofone. Quis trazer esses sopros porque eles carregam uma emoção que veio comigo da orquestra”.
YMA viveu de perto o rigor e a pressão do universo da música clássica. Mas, aos 18 anos, um episódio traumático a afastou desse caminho: após enfrentar uma situação de machismo com um professor, ela deixou a música.
Fui pra fotografia. E aí na fotografia roubaram todo o meu equipamento duas vezes. Aí na segunda vez entraram na minha casa e levaram tudo. Deixaram um teclado e um pedal de voz. E eu falei: acho que é pra eu fazer música. E aí eu comecei em 2017.
Referências que moldam um novo som
Hoje, entre suas influências, ela cita Mahler, compositor que também mergulhava em subjetividades profundas. Menciona Juana Aguirre, artista argentina que a inspira há dois anos, e a inglesa Kate Bush, que voltou aos holofotes em 2022 por causa da trilha sonora da série Stranger Things, com “Running Up That Hill (A Deal with God)”.
Além deles, o cinema se torna uma referência tão importante quanto a música. Ela observa o imaginário simbólico do diretor chileno Alejandro Jodorowsky e as composições visuais de Serguei Parajanov, de A Cor da Romã (1969), que norteiam as imagens do disco e ela mesma conta na quinta faixa “Dentro De Mim”.
As referências formam uma espécie de eixo entre a música erudita e a pulsação do pop contemporâneo latino. O gênero, inclusive, teve um papel central em sua libertação ao descobrir que podia compor. No pop, a artista descobriu que poderia cantar, escrever, sonhar e criar seu próprio idioma, se transformando em um espaço onde todas as linguagens coexistem.
Foi um dos aprendizados da Escola Municipal de Iniciação Artística, onde música, dança, teatro e artes visuais são trabalhadas de maneira integrada.
Eu tive o grande privilégio de estudar numa escola pública de arte. Às vezes começávamos observando o movimento da árvore, depois trazíamos isso para o corpo e depois para o desenho, e era tudo muito integrado. Minha formação foi toda construída nessa visão de sentir as coisas pelo corpo e trazer para a música. Hoje eu vejo uma cena na rua e isso já vira melodia e imagem ao mesmo tempo.“
Um álbum precisa ser um mergulho
Se Vinicius de Moraes se descrevia como “um labirinto em busca de uma porta de saída”, YMA se move na direção oposta: em vez de procurar uma única saída, ela constrói um hotel inteiro para acolher suas entradas.
Em Sentimental Palace, sua composição e poesia ganham forma arquitetônica ao multiplicar portas e dar um quarto próprio às inquietações, enquanto transforma demônios pessoais em hóspedes que acabam convertidos em música. A artista explica que 2023 foi um período de vivências profundas e caóticas.
“Agora eu estou num momento bom da minha vida, depois de ter materializado todas essas questões, tem sido muito terapêutico. Mas é inevitável que todas as portas façam parte da minha vida, porque os monstros continuam ali. Às vezes a porta abre sozinha e eu tenho que ir lá conversar, ter um diálogo com pesadelos que eu não quero ter, mas que fazem parte da vida. Não é que eu passei por isso e acabou, mas eu quero continuar andando por esses corredores.”
A terceira faixa do disco, “2001”, rapidamente se tornou a mais ouvida. A música concentra algumas das tensões que atravessam o disco: uma sensação de colapso coletivo. Com versos que repetem “tá todo mundo quase morto”, a faixa cria uma paisagem emocional entre o humor sombrio e o absurdo cotidiano.
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Quando eu fui fazer esse disco eu entendi que precisava de um lugar para abrigar diversos temas que estavam me habitando durante um período da minha vida, coisas muito loucas e profundas que eu vivi em 2023. Eu já estava querendo entender o que seria o segundo disco, mas ainda não era um disco, porque para mim um álbum precisa ser um mergulho, um universo.“
É por isso que “LA FEMME” surgiu com palavras em francês mesmo que ela não fale o idioma. A escolha veio como um impulso espontâneo, um reflexo de repertórios afetivos guardados na memória, como o cinema francês que ela tanto ama. Na sequência, a letra ganhou forma nas mãos de uma amiga fluente no idioma, mas que começou com palavras como ‘chose, cose, rose…’
Ao materializar um hotel interior em forma de música e audiovisual, YMA cria um lugar onde é possível observar, dialogar e, quem sabe, reorganizar sem medo de caminhar pelos próprios corredores.
Ainda assim, os “monstros” internos são presenças inevitáveis que às vezes surgem sem convite, como ela conta na letra da última canção do álbum e a mais emocionante: “O Anjo Cometa”.
“Em ‘O Anjo Cometa‘, eu consigo fazer uma síntese de tudo o que eu passei, dessas coisas mais pesadas que eu vivi, mas de um jeito muito subjetivo que talvez só eu entenda. É muito emocionante para mim.”
Para YMA, o verso final, “no fim eu sei que vou desaparecer em ondas transversais”, evoca a imagem da morte e da passagem do tempo como um movimento natural. “Quando canto isso, me conecta com esse lugar do mistério da vida”, reflete.
Colaborações musicais
As participações de Sentimental Palace não nasceram de um plano, mas da própria lógica interna das músicas. YMA explicou que não pretendia incluir feats, mas que eles “foram acontecendo naturalmente”. “Lagosta, Ostra” chamou Jup do Bairro por ser talvez a faixa mais visual do disco, um banquete crítico e cinematográfico cuja imagem de duas pessoas comendo lagosta, alimento que ela mesma nunca provou, trouxe imediatamente a figura da artista. O convite veio faltando uma semana para fechar o álbum e Jup aceitou mesmo em meio ao próprio lançamento.
Já Lucas Silveira, ícone do emo brasileiro com a Fresno, entrou em “Te Quero Fora” quando YMA travou na letra. No meio de um ensaio, um dos integrantes de sua banda perguntou quem ela chamaria para ajudar e o nome dele surgiu na hora. Ela enviou a mensagem e ele topou imediatamente.
A presença de Sophia Chablau, por sua vez, é a única que veio de um processo mais antigo: anos antes, YMA havia enviado a demo de “Rita” para a artista, que devolveu uma versão com violão e outra leitura da música. Essa demo acabou guiando todo o arranjo final da faixa e Sophia estava no estúdio no dia da gravação.
“Me perdi na personagem e tá tudo bem”
A relação com a própria subjetividade aparece também quando ela fala de sua persona artística. A distinção entre Yasmin e YMA, nome pelo qual apresenta sua obra, ficou mais difusa com o tempo.
A artista admite que “se perdeu na personagem” e que isso não é negativo. O nome artístico se torna um espaço de liberdade, uma forma de existir no mundo com mais autenticidade.
“Desde que entendi que meu nome artístico era YMA, foi como encontrar um lugar onde posso existir no mundo. Eu meio que me perdi na personagem — e isso não é ruim. Prefiro que me chamem de YMA do que de Yasmin.”
Somente para Theodoro, de 11 anos, a canceriana YMA é chamada por outro nome: ‘mamãe’. Durante a nossa entrevista, o filho, num gesto de carinho, conversou brevemente, deu um beijo e um abraço esperando a mãe terminar a conversa de 40 minutos.
Longe de ser uma interrupção, esse momento deixou ainda mais claro quem ela é: uma artista inteira, que não separa a imaginação do cotidiano. Seu trabalho nasce tanto da intensidade subjetiva quanto das cenas simples da vida, sem hierarquia entre elas.
“Essa coisa que está entre a ficção e a realidade são temas que eu gosto muito de trabalhar e trazer tudo numa abordagem, trabalhar nas subjetividades, deixar o inconsciente guiar muito o meu processo.“
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