cena do filme corra
Corra! (Foto: Reprodução/Universal)

Monstros, fantasmas, criaturas bizarras: o cinema de horror sempre usou esses e outros elementos clássicos para mexer com a imaginação. Mas a verdade é que, por trás das sombras e sustos, esse gênero cinematográfico sempre teve um lado político. Desde os alienígenas da Guerra Fria até o terror social de Jordan Peele, o medo no cinema é uma forma de olhar e criticar o mundo real.

Um reflexo do seu tempo

Cada época tem os seus monstros, e isso fica evidente em qualquer estudo sério de história do cinema. Nos anos 1940, o Japão viu nascer uma onda de criaturas gigantes, liderada por Godzilla, que refletia o trauma do país no pós-Segunda Guerra e o medo da ameaça nuclear após as bombas de Hiroshima e Nagasaki.

Já nas décadas seguintes, o pavor de invasões alienígenas traduzia a paranoia da Guerra Fria e o fantasma de uma destruição global, a partir de obras como O Dia Em Que a Terra Parou (1951). Na década de 1970, em plena ressaca do Vietnã e com a falência do “sonho americano”, surgiram os slashers como O Massacre da Serra Elétrica (1974) e Halloween (1978). Eram filmes que mostravam os Estados Unidos sem glamour, pois se tratava de uma sociedade marcada por violência, desconfiança, serial killers em evidência e uma juventude desamparada.

No Brasil, sob o peso da Ditadura Militar, o terror encontrou brechas no cinema marginal para falar de censura, repressão e violência, como o diretor Ozualdo Candeias fez em A Margem – um drama que mostra os horrores da miséria e do abandono social. Hoje, novos diretores exploram desigualdades e medos urbanos, transformando em narrativa aquilo que muita gente enfrenta no cotidiano.

O medo é político

Jordan Peele certamente não inventou o horror político, mas foi ele quem deixou claro para a geração Z que o gênero sempre foi sobre isso. Corra! (2017) é um tratado sobre racismo estrutural, enquanto Nós (2019) expõe a opressão de um sistema que só funciona apoiado na desigualdade de classes. A tensão não vem apenas do sobrenatural, mas do desconforto profundo de enxergar o nosso mundo refletido naquilo que deveria ser “fantasia”.

Enquanto isso, nomes como Ari Aster (Hereditário, Midsommar) e Robert Eggers (A Bruxa, O Farol) transformaram traumas familiares e ansiedades existenciais em filmes tão sufocantes que a audiência sai da sessão sem saber se viu entretenimento ou um pesadelo.

Continua após a imagem

cartaz do filme hereditario
Hereditário (Foto: Reprodução/Diamond Films)

Na América do Sul, diretores como Demián Rugna (O Mal Que Nos Habita, Argentina) e Lucio Rojas (Trauma, Chile) usam o gênero para reabrir feridas dos regimes militares. O horror fictício vira alegoria da violência política, dos traumas coletivos e das cicatrizes que ainda estão longe de serem curadas.

A realidade é assustadora

George Romero sempre foi direto: seus zumbis nunca foram só zumbis. Eles eram massas manipuláveis em A Noite dos Mortos-Vivos (1968) e consumidores compulsivos em Madrugada dos Mortos (1978).

Já o body horror de David Cronenberg trouxe à tona a paranoia em torno da tecnologia e do corpo humano, antecipando discussões que hoje parecem ainda mais urgentes – de procedimentos estéticos à pressão por uma beleza inalcançável.

Mais recentemente, o horror se voltou para crises que já batem à porta. O Poço (2019) é um pesadelo sobre desigualdade social bem mais próximo da nossa época, enquanto Rua Cloverfield 10 (2016) trabalha a paranoia política e o isolamento. Já A Hora do Mal (2025) leva ao limite o terror psicológico para falar sobre traumas coletivos, desconfiança social, bullying e até a cultura do cancelamento.

E a ironia é que a própria realidade anda tão distópica que algumas obras perderam o impacto. Black Mirror é um ótimo exemplo: as últimas temporadas parecem menos chocantes não porque o roteiro falhou, mas porque empresas inescrupulosas, governos cinicamente autoritários e tecnologias que corroem a nossa humanidade já fazem parte do dia a dia.

Continua após a imagem

cartaz de um episodio de black mirror
Black Mirror (Foto: Netflix)

O horror fora da tela

No fim das contas, o cinema de horror é um espelho rachado: mostra a nossa imagem, mas distorcida o suficiente para nos deixar desconfortáveis. O que molda essas distorções são os contextos históricos de cada obra.

O principal aspecto que faz do gênero algo tão duradouro é a capacidade de se reinventar e refletir os medos mais profundos de cada geração. O susto pode ser passageiro, mas a crítica social permanece.

OUÇA AGORA MESMO A PLAYLIST TMDQA! RADAR

Quer ouvir artistas e bandas que estão começando a despontar com trabalhos ótimos mas ainda têm pouca visibilidade? Siga a Playlist TMDQA! Radar para conhecer seus novos músicos favoritos em um só lugar e aproveite para seguir o TMDQA! no Spotify!