Cat Power
Crédito: Divulgação

Cat Power anda preocupada com o mundo lá fora. Seu Instagram é um retrato disso: ela coloca em pauta guerras, a destruição ambiental, os direitos das mulheres e populações minoritárias. Mas não só. Mostra novos artistas, dá lugar às narrativas de ativistas políticos e sociais que buscam mudanças no mundo. Há esperança, afinal.

Chan Marshall teve de aprender a continuar acreditando, para além de seu alter ego musical. A artista é uma curiosa sedenta por vida, daí a vontade de absorver tudo à sua volta. Sons, cheiros, lugares inteiros.

Por isso, ao voltar ao Brasil para tocar no C6 Fest, ela celebra a possibilidade de se reconectar com uma terra onde o chão vibra e a música transborda dos sobrados, dos sons dos rios, dos chinelos batendo nas calçadas de pedra.

Marshall costuma achar poesia por aí e isso fica claro ao falar com ela. Em uma conversa exclusiva com o Tenho Mais Discos Que Amigos!, ela passou por memórias, reflexões pessoais, o estado do mundo e das mulheres na música. Mas sem perder a leveza que a sua voz aveludada transmite.

Em nosso papo, conversamos sobre a ousadia de ser uma mulher – e ainda por cima, uma que regrava o icônico álbum Bob Dylan Live 1966, The “Royal Albert Hall” Concert -, suas memórias mais sensoriais do tempo que passou no Brasil e como a música se conecta com nossos corpos e almas.

Se deixe inspirar por Cat Power – e confira seu show no C6 Fest. Ela sobe ao palco em 19/05 (domingo) e os ingressos continuam à venda por este link!

Continua após o vídeo

TMDQA! Entrevista: Cat Power

Chan Marshall: A gente já se conheceu?

TMDQA!: Ah, eu acho que nunca tive esse prazer.

Chan: Ah, desculpa, você pareceu familiar.

TMDQA!: Acho que tenho uma daquelas caras bem comuns (risos). Eu lembraria de te conhecer, tenho certeza! Mas bem, é uma honra estar falando com você. Onde você está no mundo hoje, Chan?

Chan: Obrigada, querida! Eu estou em Nova York. Vou pegar um avião pra apresentar um prêmio à Patricia Arquette hoje, em um evento de gala para o Planned Parenthood, que é uma organização de saúde da mulher que tem zero apoio governamental, o povo aqui é horrível. E depois voo para a Suécia, para o primeiro show da turnê europeia em Estocolmo.

TMDQA!: Uau! Nada mal ser Chan Marshall!

Chan: É…

TMDQA!: Então, sei que você é muito ocupada…

Chan: Não somos todos? (risos)

TMDQA!: Com certeza! Então quero começar com tudo, porque estava pensando: você não é nova nesse lance de recriar as músicas dos outros – inclusive do Bob Dylan. E você já atingiu tantos marcos na sua carreira, que nem sei se você tem uma listinha de desejos ainda (se é que já teve uma!). Então queria saber: se fosse o contrário – quem você gostaria de ver recriando uma música sua?

Chan: Billie Holiday! (risos) Ela é a minha favorita de todos os tempos!

TMDQA!: Uau… Seria demais!

Chan: Você me lembra ela um pouco.

TMDQA!: Nossa, jura?

Chan: Sim, acho que o formato do seu rosto, que é tão gentil.

TMDQA!: Poxa, muito obrigada! Acabei de ganhar o dia!

Chan: Você por acaso não usa o cabelo preso, com uma magnólia?

TMDQA!: Com uma magnólia, não… Mas eu só uso o cabelo preso, com tanto calor aqui no Brasil! Eu só soltei hoje por você, Chan.

Chan: Ah, muito obrigada, está muito bonito!

TMDQA!: Obrigada! Mas voltando: você chama o cara de God Dylan – então tô com a impressão que você acha ele bem bom.

Chan: (risos) É!

TMDQA!: Tenho certeza que alguém já te falou da possibilidade que essa regravação apresente o Dylan pra uma nova geração. Então vamos imaginar um mundo em que alguém nunca ouviu falar de Like a Rolling Stone, tá? Aí a pessoa dá de cara com a sua regravação. Ou, ainda melhor, ela acha um ingresso do C6 Fest no chão, vai no festival e ouve ali a sua versão de Dylan. Então minha pergunta é: o que você gostaria que essa pessoa absorvesse – de você, enquanto artista, mas também do legado de Dylan?

Chan: Eu acho que a coisa mais importante é que… a única razão verdadeira que eu faço covers é porque eu amo a música e o artista. Mas acho que, o mais importante para esse álbum, o momento em que ele [o original] foi gravado foi tão crucial na América e mesmo no mundo todo… E hoje temos um momento igualmente urgente e perigoso. A única coisa que espero que alguém que não me conhece ou não conhece Dylan leve disso é que essa pessoa descubra como é usar a sua voz, usar a sua própria voz, como é ser autêntico, como é falar – seja usando a arte, ou atuando, escrevendo uma peça, um poema, sendo um jardineiro, sendo um chef, trabalhando com crianças… O que quer que seja que você entrega para o mundo. O que eu espero que uma pessoa jovem, que não sabe quem eu sou ou quem é Dylan, é que entenda seu poder, das suas palavras, das sua voz, das suas ações, da sua autenticidade hoje. Porque precisamos desesperadamente das vozes verdadeiras dos jovens. Eles foram os que sempre criaram revoluções. Seja discretamente entre os colegas de classe ou então entre membros da família e vizinhos, ou então fazendo muito barulho nas ruas, ou no palco com a sua canção ou com suas pinturas…

TMDQA!: Com certeza, o mundo sempre precisa disso. Agora, quando eu vejo pessoas comentando sobre esse projeto, em geral usam palavras como “ousado”, “audacioso”, “corajoso”…

Chan: “Surpreendente”!

TMDQA!: É, assim… acho que tem a ver com a importância do disco original, mas…

Chan: Sim, mas é importante olhar quem escreve esses artigos. Na minha experiência, em fazer entrevistas pra esse disco, é que… Bom, sem ofensa, só estou te contando a verdade. Eu diria que 7 em cada 10 jornalistas homens que falam comigo se dizem “surpresos” que eu fiz isso [regravar o álbum ao vivo de Bob Dylan]. Parece que os homens são os únicos donos dessa… Ah, nem sei como descrever… Dessa “ousadia”. Como se só eles pudessem fazer esse tipo de coisa. E eu não… Eu digo tipo “foda-se isso”. Acontece que sou mulher e tenho muito orgulho disso e se isso se torna um ponto para eles escreverem em seus artigos… Que seja, bom para nós [mulheres]. Mas uma vergonha pra eles, que ainda se surpreendam com esse tipo de coisa.

TMDQA!: Sim! E minha próxima pergunta tem um pouco a ver com isso, porque é meio que sobre abafar o barulho externo. Estava olhando seu Instagram (porque isso conta como pesquisa hoje em dia!), e notei como é uma plataforma para as causas em que você acredita. Queria entender como você lida com as redes sociais hoje, e se ao remover seu rosto do feed, se fica mais fácil lidar com esse lado de exposição que as redes trazem.

Chan: Eu me lembro que tinha desistido do Facebook, porque fui hackeada tantas vezes, sabe? Aí quando saiu o Twitter, eu senti que seria legal, porque quando aconteceu a Primavera Árabe, você via pelo Facebook como isso uniu todo o Oriente Médio. Então eles começaram a cortar o acesso, então virou um grande “foda-se” para o Facebook. Mas aí o Twitter chegou a a gente tinha acesso aos ativistas ao redor do mundo muito rapidamente, muitos blogueiros, historiadores, escritores, críticos e pessoas diferentes… parece até “socialista”, no sentido de ser todo mundo no mesmo nível. Você poderia ter conversas com um professor universitário sobre um tema e parecia seguro.

Com tudo acontecendo no mundo agora, especialmente na Palestina, há muitos atores em ação que são expostos, como corporações que se envolvem com propinas governamentais… Todo mundo que eu conheço hoje em dia tem seu alcance diminuído pelas próprias plataformas. Mas isso não evita que nos comuniquemos. A gente ainda escreve cartas! Todos fazíamos isso antes dos computadores, era assim que a gente se comunicava com os amigos. Era assim que eu falava com meus amigos quando estava em turnê, mandava um cartão postal!

Então eu uso as redes sociais como plataforma desse jeito. Me comunico com meus amigos ativistas e a gente tenta espalhar informações quando temos tempo e sentimos que é importante e urgente. Porque não sabemos quanto mais tempo essas merdas vão ser legais, sabe? Eu falo com meus amigos, a gente precisa ter os endereços um do outro, para correspondência, nem que seja uma caixa postal. Precisamos começar a anotar essas merdas no papel, pendura na sua parede! Porque fazem isso no mundo todo – bloqueios de internet. É impactante se conectar com as pessoas. Eu fiz amizade com duas meninas em Bali que nem conheço, por exemplo, e vou para Bali no ano que vem. Só porque conheci [pela internet] essas duas mulheres. Então a internet nos dá um poder criativo, para conseguir usar nossas vozes juntos. E há tantos bots, há tantas pessoas que seu único trabalho é entrar nas discussões e cagar tudo, fazer com que pessoas fiquem em shadowban [quando as plataformas reduzem o alcance dos seus posts sem oficialmente notificar os usuários].

TMDQA!: São agentes do caos.

Chan: Sim, exatamente! (risos)

TMDQA!: Eu diria que um dos melhores jeitos que você usa a sua voz é com a sua música, Chan.

Chan: Ah, muito obrigada!

TMDQA!: Obrigada a você! (risos) E as suas canções batem tão forte que aposto que você ouve muito coisas do tipo “essa música me ajudou a superar a depressão/meu divórcio/um vício”.

Chan: Ah sim, com certeza.

TMDQA!: Então queria saber que músicas são essas pra você, sabe? Aquelas canções a que você volta sempre porque elas te ajudam a atravessar… a vida.

Chan: Nossa, claro… Parece uma receita médica. A gente tem tantas experiências diferentes, desde a infância, que às vezes algo nos gatilha de um jeito que não sabemos como explicar… E como agir para cuidar da nossa dor em alguns momentos da vida. Os jovens abrem o Spotify e descobrem artistas o tempo todo. Mas pra mim, parece que Deus manda uma receita para o meu cérebro. Parece que ele – ou ela, a Mãe do Universo – fala, “toca isso aqui”.

E eu começo a caçar na minha coleção de discos – que eu já doei três vezes e agora comecei a colecionar de novo! -, aí eu fico tentando achar, porque não está em ordem alfabética… De qualquer forma, colocar isso pra tocar um dia à tarde… Ou tarde da noite, quando meu filho já foi dormir, e aí estou absolvida. Parece que o fardo sai de cima de mim. Claro que eu sou uma trabalhadora da canção, como todos os meus cantores favoritos da vida, mas acredito que todos somos! Acredito que a pessoa que está buscando essa música, que a encontra e ouve, eu acredito que ela tem a mesma canção dentro de si. Só que diferente, porque é outra pessoa. Mas talvez eles não cantem, pintem, escrevam… Mas tem algo ali dentro. Uma tradução disso que também compartilham. E isso pode gerar mais… passagens criativas. Porque, gostemos ou não, acreditemos ou não, nós viemos da criação. Somos entidades criativas. De qualquer forma…

TMDQA!: Acho que é a beleza da música, né?

Chan: Exato. E como é algo auditivo, vai direto pros nossos ouvidos, dentro do nosso cérebro… O som vibra e vai direto para o nosso peito, dentro das nossas mãos, nossos ossos. Por breves momentos, se torna parte da nossa carne. Se torna parte de nós. E isso é tão poderoso!

TMDQA!: É, eu não conheço outra forma de arte que pode fazer isso com você.

Chan: É por isso que é tão antigo!

TMDQA!: Com certeza. Agora, Chan, eu sei que tenho que te liberar, mas tenho uma última pergunta. Sei que você já veio ao Brasil algumas vezes, já rodou um pouco por aqui! Quando você fica sabendo que vem ao Brasil, o que passa pela sua cabeça? Alguma lembrança especial do que você já viveu aqui?

Chan: Meu Deus… As calçadas, com pedrinhas. As árvores que ficam enormes cercando os prédios, os pássaros que dão rasantes e pousam nos cabos elétricos. As pessoas nas ruas, os chinelos, as famílias, o cheiro das comidas saindo das lanchonetes. Os aromas, o sol, as nuvens, os rios, as pessoas, as peles, seus olhos, seus dentes, sua idade. A língua, a música, os batuques, a água. A vida! A paixão… Os brasileiros são muito apaixonados. A beleza da alma das pessoas. Isso é abundante. Você pode ver claramente, sua alma é tão profunda que conta uma longa história.

TMDQA!: Ah, olha só, você me deixou emocionada falando do meu próprio país!

Chan: Ah, mas é verdade! É um lugar tão poderoso nessa terra… Das florestas para o mar, o poder, a vibração desse lugar é muito impactante. Eu sinto isso aí, sinto na África, quando eu toco o chão na África, no Brasil, na Austrália… No deserto, nos arbustos… Quando eu vou para alguns lugares – e o Brasil é um desses – que o solo tem uma vibração que emana.

TMDQA!: É por isso que a gente é tão apaixonado!

Chan: Demais! (risos)

TMDQA!: Chan, obrigada pelo seu tempo! Espero que se divirta aqui. Vou perder o show, mas…

Chan: Ah não, por que você não vai?

TMDQA!: Porque eu moro no Rio e é um pouco longe pra mim. Mas eu vou no próximo!

Chan: Ah, é verdade… Eu amo tanto o Rio!

TMDQA!: Ah, vem pra cá!

Chan: Talvez eu vá mesmo! Tenho que ir pra Santa Teresa, curtir uma música lá.

TMDQA!: Olha só, São Paulo não tem isso (risos).

Chan: É verdade! Eu já fui lá. Tem uma rua cheia de restaurantes, aí você desce, mas antes de terminar a descida, você vira à direita e tem um bar. Nada chique, dois andares. Nossa, eu ouvi umas coisas lá de afrobeat ao vivo, trompetes, muito suor, bateria! É um daqueles lugares…

TMDQA!: É aí que você sente a vibração do solo!

Chan: Sim (risos), e ela vive com você pra sempre.

TMDQA!: Com certeza. Chan, novamente, obrigada.

Chan: Obrigada, bom dia [em português]!

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