Metric (Crédito: Justin Broadbent)
Metric (Crédito: Justin Broadbent)

Mais de um ano após aportar em Formentera, o Metric está de volta a essa ilha paradisíaca.

Em seu novo álbum, a banda canadense retorna à metáfora do porto-seguro inspirado pelo território próximo a Ibiza, na costa da Espanha, uma alegoria para um lugar de exploração. A liberdade de Formentera II é sonora, mas também temática, com o quarteto explorando assuntos de vida e morte, depressão e curtição, com um olhar maduro de quem já está há 20 anos na estrada.

Este é mais um capítulo em uma jornada notória no indie rock. O Metric faz parte de uma geração que viveu o auge de bandas puxadas pelo The Strokes e ao longo dos anos viu muitos de seus contemporâneos perderem ritmo ou relevância. Não foi o caso do grupo fundado por Emily Haines e Jimmy Shaw em 1998.

Desde seu álbum de estreia, Old World Underground, Where Are You Now? (2003), o grupo conquistou reconhecimento global com sua mistura única de música eletrônica, rock e pop, marcada por letras sagazes.

Seu catálogo diversificado inclui álbuns que vão desde o experimental Pagans in Vegas (2015) até o retorno triunfante com Formentera, um projeto ousado que está elevando a banda a um novo patamar de popularidade – tanto que retornarão ao Brasil, algo que não acontece há 15 anos, para o Primavera Sound. O Metric está no line-up paralelo, Primavera Na Cidade, e se apresenta em 01/12.

O novo disco é fruto de um mergulho longo, permeado pela pandemia, mas não apenas. Os músicos celebram esse momento porque superaram as dificuldades impostas por uma indústria em constante transformação – e eles conseguiram manter a posse de suas músicas e seguir rodando o mundo. Motivos para comemorar não faltam.

Formentera II sabe unir a celebração com o peso de quem já tem rodagem o suficiente para reconhecer os traumas no caminho. O álbum foi gravado no Main Street Studios, localizado em uma área rural nos arredores de Toronto, durante o período de 2020 a 2022, e foi finalizado no Motorbass Studios em Paris no ano de 2023. Ou seja, é fruto de um momento de muita introspecção e caos interno para muitos.

É interessante notar que o Metric já tinha uma conexão com Paris desde 2004, quando trabalhou com o diretor Olivier Assayas no filme “Clean”, que conquistou a Palme D’Or no Festival de Cannes.

Esse foi o primeiro, porém não último envolvimento do Metric com o mundo dos filmes e TV. Sua vocalista, Emily Haines, serviu de referência para que o cartunista Bryan Lee O’Malley desenhasse a personagem de Envy Adams na série de HQs Scott Pilgrim Contra o Mundo, que se tornaria um filme cultuado e posteriormente teria Metric na trilha. O Metric nunca teve interesse em ser uma banda de rock obscura – eles querem mesmo se divertir no processo.

Formentera I & II representam um conjunto de 18 canções que demonstram a maturidade e o poder criativo da banda. Ao longo de sua carreira, o Metric desafiou os limites do gênero musical, assim como fizeram em seu álbum de estreia, Old World Underground, Where Are You Now?. Agora, o nono álbum de estúdio da banda continua a explorar o terreno fértil que tem impulsionado o grupo, com Haines liderando o caminho. Suas letras expressam e interpretam as turbulências da vida neste mundo complexo, dando voz às emoções que todos nós enfrentamos.

A cantora conversou com o TMDQA! desde sua casa no Canadá sobre o novo momento da banda, olhar para trás, volta ao Brasil e conselho para os jovens músicos. Confira abaixo!

TMDQA! Entrevista: Emily Haines (Metric)

TMDQA!: Oi Emily, como você está?

Emily Haines: Estou ótima, prazer te conhecer!

TMDQA!: Digo o mesmo! Onde você está no mundo hoje?

Emily: Estou em meio às florestas canadenses.

TMDQA!: Ah, legal! Eu queria começar falando sobre o novo disco. Estava ouvindo e curti muito. Desde o início vocês já imaginavam que ia ser um projeto de 18 músicas, já tinham um disco duplo em mente? Conta pra gente o processo dessas escolhas e o que fez uma música ir parar em um disco e não no outro, por exemplo.

Emily: Sim, foi obviamente um período de três anos bem único, que coincidiu com a pandemia. Então foi um processo bem diferente para nós. Em geral fazemos um álbum, depois fazemos turnê. Não estamos em isolamento e com tantos desafios. Foi um momento muito desafiador, claro. Nossa abordagem foi só de continuar trabalhando. Quando sentimos que aquele trabalho estava finalizado, olhamos pra ele e tinha 18 músicas e era meio grandioso, então tínhamos de descobrir como era o melhor caminho a seguir. Havíamos descartado vários tipos de possibilidades, parece que decidimos: ok, esse é o nosso trabalho. Com relação a escolher qual música ia para qual disco, foi bem difícil (risos), ainda não sei ao certo como chegamos ao resultado que chegamos, mas fiquei feliz que foi assim. Não foi algo cronológico. Days of Oblivion [faixa 4 de Formentera II] foi a primeira música que escrevemos nessa sequência toda, então não há uma cronologia. Mas a forma como acabou ficando – começamos com Doomscroller [primeira música de Formentera I] e terminamos com Go Ahead and Cry [última música de Formentera II], é uma jornada de 18 músicas e com sorte você conseguiu processar o que precisava processar. Pode só fechar os olhos e se deixar levar para a Formentera da imaginação, a sonora.

TMDQA!: E há muito a processar, viu?

Emily: Sim!

TMDQA!: Você citou essa parte da jornada e eu sei que o Metric é uma referência para diretores de música em filmes e séries de TV, é fácil associar vocês com algumas trilhas sonoras. E esse projeto, pra mim, parece uma trilha – no sentido de ter um tom muito específico. Se é esse o caso, qual é a história que o Metric está tentando contar, e quais temas ou sensações estão buscando evocar?

Emily: Acho que é o mesmo toda vez que fazemos um disco – é a ideia de que eu escrevo uma música porque sinto que ela tem uma função e é necessária. Não estou sentada pensando, “o que é uma boa ideia?”. Não é algo cognitivo. É muito visceral.

TMDQA!: Não é tipo “vou escrever um hit agora”, né?

Emily: Não, nem acho que isso funciona. Mas quem sabe? É mais sobre tentar encontrar outros níveis de autenticidade e honestidade e articular o que é ser humano e interpretar todos esses estímulos internos e externos, tudo acontecendo ao mesmo tempo. Idealmente, energizamos isso através da música, para que você possa trabalhar sobre essas coisas, encontrar sentido nelas e receber energia no seu corpo e na sua vida, para continuar se movendo e progredindo. É isso. Eu canto sobre ter uma dor de estômago, como em Doomscroller… É algo muito interno. Sobre se sentir tão isolada e nada bem.

TMDQA!: É literalmente visceral, no caso (risos).

Emily: Isso! E ao terminar com Go Ahead and Cry, eu fico feliz do jeito como tudo se encaixou. Pra mim, é isso que eu quero passar: todas as histórias e coisas que enfrentamos enquanto seres humanos, no fim das contas são insignificantes diante da mãe natureza. Nosso fracasso abjeto, em tantas formas, em nos conduzir nessa Terra, é algo genuíno. Como em Go Ahead and Cry, eu não estou fazendo pouco dessas emoções, mas é um pouco tipo “pode chorar ou não, mas independente disso, a mãe natureza está rindo de nós”, porque… uau, sabe?

TMDQA!: E você citou Days of Oblivion, que pra mim é um resumo de todas essas sensações que vocês tão tentando passar. Ainda assim, com uma música mais densa, vocês parecem estar se divertindo mais nesse disco.

Emily: É meio que a nossa receita, eu acho. Como alguém que tem seus desafios – a gente sente coisas e não está legal 100% do tempo -, para nós é sobre não ter a opção de ficar paralisado por esse estado. Eu digo liricamente em Doomscroller: “tome algo para a dor / não para escondê-la / mas para amplificá-la”. Para que você possa continuar depois. Você tem total razão. Esse é o objetivo de música para dançar e fazer rock n’ roll. É tipo, “foda-se, vamos colocar esses sentimentos pra fora e não ficar tão sozinhos”.

TMDQA!: Pra mim, pareceu algo tipo “cair atirando”.

Emily: Total!

TMDQA!: Né? Estamos nessa juntos, mas vamos nos divertir, caramba! (risos) Bom, falando nessa ilha mágica, ela representa um porto seguro, certo? E agora que vocês estão voltando a Formentera, queria saber: qual é o seu lugar feliz? Como ele é?

Emily: Acho que exatamente como nos discos, é como um estado de espírito, mais que tudo. Esse era o ponto de fazer essa escapada sonora, de poder ir para um lugar, mentalmente, mesmo que não consiga fisicamente. Na minha experiência, eu já pude viajar bastante e ir a lugares chamados de “paraíso”, e se você está na pior, não ajuda ou não funciona, sabe? Ter crises na praia não ajuda (risos)!

TMDQA!: Quem dera fosse fácil assim, né?

Emily: Não é? Meu lugar feliz é onde eu estiver, quando eu estou bem mentalmente. Pode ser uma cabana na floresta, pode ser numa cobertura chique, ou qualquer coisa no meio disso. Mas pra responder a pergunta de forma mais direta, eu diria que me sinto muito conectada com a minha casa, aqui na floresta, de onde estamos nos falando. Eu falo com as árvores, falo com os grilos (risos), então eu diria que esse é o meu lugar feliz.

TMDQA!: E te deixa com o pé mais no chão, certo?

Emily: Exatamente.

TMDQA!: O que me leva à minha próxima pergunta: pelo visto, seu próximo lugar feliz será o Brasil então!

Emily: SIM! (risos)

TMDQA!: Já faz 15 anos, sabe? Não que eu esteja contando! Mas a gente vê artistas dizendo como é complicado fazer turnês longas, os custos financeiros e emocionais disso. Tem a ver com o fato de vocês terem demorado tanto pra voltar?

Emily: (risos) Sim. O fato de que conseguimos fazer o que fazemos com uma organização tão pequena é… eu acho que somos loucos! Porque não é possível e nunca foi, mas de alguma forma, continuamos fazendo. E todo mundo [que trabalha com a banda] fala, “mas não é possível”. E a gente responde “pois é, sabemos disso” (risos). Mas é algo tão importante, o valor, a recompensa de trabalhar tanto é que temos o privilégio de viajar e ir para lugares diferentes e conhecer pessoas e falar com você sobre a música e a vida… Ser parte do mundo. Acho que vamos continuar lutando para fazer as coisas acontecerem. Nessa turnê vamos para Paris, Londres e Berlim, mas seremos só eu e Jimmy, porque é difícil ter todos lá. É uma loucura. É uma prioridade para nós manter uma relação com nossos fãs no Brasil – apesar de não parecer, a julgar pelos 15 anos que ficamos longe (risos)! O desafio é – imagino que você saiba, de falar com outros músicos – conseguir alinhar outras datas. Então demos sorte de surgir algo em Lima. Vamos ao México, Monterrey, com mais frequência, porque temos muitos fãs lá e geograficamente é mais fácil. Então quando fechamos Lima, dissemos “oba! finalmente vamos conseguir voltar ao Brasil”, e fechamos também Santiago. Mas você precisa alinhar tudo, senão você voa em direção ao abismo (risos).

TMDQA!: É, eu entendo. Mas ainda bem que vocês são teimosos e nunca desistiram do Brasil.

Emily: É! Senão você vai ter só esses artistas enormes que fazem turnês mundiais. E isso é tão chato! Porque os shows são muito legais, claro, mas você não quer ver a porra do Cats toda noite da sua vida, sabe? As pessoas gostam de tanta música diferente, tem que ter o indie ali também. E para as casas de shows isso é muito importante. Toda cidade quer manter as casas médias funcionando. É uma escola cultural importante. Não dá pra ter eventos de arena o tempo todo. Vamos fazer nossa parte para manter isso acontecendo.

TMDQA!: Bom, eu sei que tenho que te liberar, mas eu queria encerrar com essa pergunta: já se vão 20 anos de banda e, como falam na música, nada é perfeito. Vocês tiveram seus altos e baixos com gravadoras grandes e pequenas. Minha pergunta é: existe algo que fariam diferente? Um “desvio” de rota, como cantam. E se você tem algum conselho para bandas que estão surgindo agora.

Emily: É estranho, porque eu sou alguém que gosta de pensar – apesar de não ser muito saudável – em todos os caminhos diferentes, as rotas que não segui. Quando se trata do Metric, é quase roteirizado o quão certo deu. Não sei se é porque eu fiz engenharia reversa na minha cabeça, mas quando o Jimmy e eu começamos, era uma história clichê: fomos de avião pra Londres, com passagens pagas por um empresário poderoso, tipo “vocês nem precisam tocar nada, nós já ouvimos suas gravações”. E eu tinha tipo 25 anos. Falávamos de contratos de editoração, falamos com gravadoras. E foi no momento em que tudo implodiu e todos os selos com quem falamos perderam seus fundos. Foi um ponto de virada, depois daquele monte de boy bands e tudo mais. As coisas mudaram e nunca tivemos um contrato desses. E teríamos assinado, 100%. Ao invés disso, voltamos para Nova York, onde tinha muita banda boa tocando – Strokes, Yeah Yeah Yeahs, White Stripes, LCD Soundsystem, TV On The Radio. Essas bandas viviam no nosso loft em Nova York, sabe? Yeah Yeah Yeahs, TV On The Radio, o LCD ficava na esquina… voltamos de Londres e tinha isso tudo acontecendo. Então dissemos, “ok, isso é muito melhor”. Conhecemos Josh [Joshua Winstead, baixo] e Joules [Scott-Key, baterista] e bem, foi difícil, mas estávamos comprometidos. Era tipo, “não me importo com o quão pobres vamos ser, é isso que vamos fazer”.

TMDQA!: Não é o tipo de coisa que a gente tem um plano B, né?

Emily: Exatamente. E coincidiu com o momento quando os Strokes lançaram um disco e todo mundo falou “bandas são maneiras!”, e nós dissemos “perfeito!” (risos), sabe? E todos os obstáculos, que na época pareciam desafios infinitos, eram porque a gente não conseguia não ser inteligente. A gente via que os acordos eram péssimos. E queríamos nos apaixonar pelo sonho e que vocês [as gravadoras] vão nos fazer astros, mas estamos vendo que o contrato é horrível. Então não recebemos esse empurrão e tudo mais, mas como resultado o significado de quem nós somos é o grande objetivo, inclusive para quem gosta da gente. Nós quatro somos grandes amigos, somos donos das nossas músicas e estou aqui conversando com você, com passagem marcada para o Brasil. Então é difícil pra mim pensar que eu deveria ter feito algo diferente (risos).

Mas para responder à sua parte da sua pergunta: se qualquer pessoa se envolver com a sua carreira desde o início, você nunca vai conseguir provar que conseguiria fazer o mesmo sozinha. E isso sempre foi a parte que eu lutava. Então espera aí, se você é meu empresário – eu com 20 anos -, tudo que eu fizer na vida estará embaixo do seu guarda-chuva. No fim, esse pode ser um ótimo relacionamento. Se você confia em alguém assim, se pensa “essa é a pessoa com quem eu quero trabalhar”, então porra, manda ver. Mas saiba que o jeito que a música funciona é que ela atrai pessoas. Atrai um público e pessoas em geral. Certifique-se de que você está cercado das pessoas certas. É só isso que posso dizer.

TMDQA!: Tem que confiar na sua intuição, né?

Emily: Com certeza.

TMDQA!: Obrigada, Emily. Queria poder continuar, mas sei que o tempo é curto.

Emily: Verdade! Mas a gente se vê no show, né? Você vai?

TMDQA!: Vou perder, acredita? Porque eu fico no Rio.

Emily: Ah, poxa!

TMDQA!: Mas olha, eu não vou fazer falta, o público vai tirar o atraso cantando alto! Em 2038, quem sabe?

Emily: (risos) Quero ver, hein?

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