Detonautas
Crédito: reprodução

Texto por Gabriel von Borell e entrevista por Felipe Ernani

Na semana passada, o Detonautas lançou nos serviços de streaming o primeiro volume de seu novo projeto acústico.

O compacto, que recebeu o título Acústico 20 Anos – O Amor Não Tem Inimigos, Vol. 1 (Ao Vivo), tem a missão de enaltecer a trajetória da banda e a parte inicial do EP traz regravações dos sucessos “O Dia Que Não Terminou”, “Por Onde Você Anda” e “Lógica”, além da inédita “Aposta”.

Gravado no palco do teatro Riachuelo, no Rio de Janeiro, em Fevereiro deste ano, o projeto reimagina canções dos discos lançados entre 2010 e 2022, com participações especiais de Badauí, do CPM 22, Lucas Silveira, da Fresno, e Di Ferrero, do Nx Zero.

Detonautas lança EP acústico para celebrar carreira

Para saber mais sobre o EP, o TMDQA! conversou com o vocalista Tico Santta Cruz e ele detalhou a concepção do projeto, olhando para trás e destacando os aspectos que trouxeram o Detonautas até esse momento.

Ao mesmo tempo saudosista e ansioso pelo que está por vir, Tico discutiu os problemas internos, elogiou a dedicação dos fãs e até fez uma autocrítica sobre a própria postura no passado enquanto artista, aconselhando novos nomes da música a não cometerem os mesmos erros de julgamento.

Tudo isso você pode conferir logo abaixo, assim como o clipe da inédita “Aposta” e o primeiro volume do EP Acústico!

TMDQA! Entrevista Tico Santta Cruz

TMDQA!: E aí, Tico?

Tico Santta Cruz: Tranquilão?

TMDQA!: Tudo certo, cara, Primeiramente, obrigado por tirar esse tempo para falar com a gente. Mais uma vez, Detonautas no Tenho Mais Discos que Amigos e é sempre um prazer. Queria começar falando do mais básico possível, porque a gente está falando de um projeto muito especial, que são os 20 anos da banda. Por que escolher celebrar esses 20 anos com um acústico?

Tico Santta Cruz: Não é uma pergunta básica, não. É uma pergunta que requer um cuidado na concepção porque a gente tem uma história toda baseada em álbuns elétricos, em que a gente trabalhou o Rock do Detonautas de várias formas, desde o Hardcore até passando pelo Nu Metal e outras experiências que, enfim, também passaram com riffs e guitarras – embora a forma original de se compor seja no violão.

Então, quando a gente lançou o Acústico em 2010, a gente percebeu que houve uma adesão muito grande do público e talvez tenha sido o projeto mais popular do Detonautas, embora não tenha sido o projeto mais trabalhado. Esse projeto foi feito e foi engavetado na época, e acabou ficando em um canal no YouTube sem nenhum investimento na época. A gente lançou e houve alguns problemas naquele período e tudo, e não trabalhamos, não saímos com ele em turnê.

Não fizemos uma turnê acústica, ou seja, não houve uma apresentação acústica do projeto do Detonautas em 2010. Quando você acessa o YouTube, se você acessar agora o YouTube, e procurar qualquer uma das músicas do acústico do Detonautas você vai ver que tem músicas com 70 milhões, 80 milhões, 60 milhões, 50 milhões… Então, a gente entendeu que esse formato dialoga bem com o nosso público. Como as músicas nascem no violão e a gente teve uma boa experiência com o Acústico lá em 2010, embora não tenha sido uma experiência comercialmente viável na época… Agora a gente tem o apoio da gravadora para fazer esse trabalho de uma forma eficiente, então, a gente entendeu que, cara, vamos celebrar com um acústico.

Vamos fazer esse acústico, que não aconteceu em 2010, acontecer agora em 2023. Era para ter acontecido em 2020, mas veio a pandemia, que acabou nos dando dois discos. Apesar de todos os problemas que a pandemia nos trouxe, e foi um período péssimo para a humanidade, a gente teve esse alento de poder gravar dois discos ali à distância, que foram o [Álbum] Laranja [2021] e o Esperança [2022].

E esses discos, o Laranja não porque ele foi uma coisa muito pontual, ficou marcado mais como um registro crônico daqueles tempos que a gente estava vivendo, mas o Esperança recheou também esse disco com algumas músicas. A gente abre o acústico com uma música do Esperança no show original, não no EP. Eu acho que contar essa história toda na versão acústica nos dá talvez a sensibilidade necessária para poder trazer o público de novo para conversar com o Detonautas: “Vamos bater um papo aqui, ó. Vamos escutar no violão o que a gente tem a dizer para você”, entendeu?

TMDQA!: Cara, legal porque você tocou em um ponto que eu ia até trazer mais para frente, mas eu vou adiantar, que é o fato do Álbum Laranja não ter nenhuma música, pelo menos pelo que eu vi dos setlists dos shows que virou o Acústico. Eu achei isso interessante porque eu também enxergo ele, realmente, como uma crônica daquele período. Então, foi intencional da parte de vocês não incluir nessa celebração por conta disso, né? Mas músicas dele têm rolado em alguns shows, certo?

Tico Santta Cruz: Para não dizer que nunca tocamos nos shows, a gente abriu o Lollapalooza [em 2022] com “Carta ao Futuro”. Na época, ainda fazia sentido a gente tocar “Carta ao Futuro”, que é uma música que fala sobre aquele momento ali que a gente estava vivendo, de 2018 até 2022. Então, a gente tocava… Chegamos a tocá-la no Lollapalooza. Porém, é aquilo, é um período histórico que a gente registrou em músicas e que, na minha opinião, a gente avançou desse período histórico para um outro período agora, que também é importante.

Mas as músicas do Laranja estão desconectadas do momento que a gente está vivendo agora. Aquilo ali é muito datado, é pontual. É como se você pegasse um livro de história e fosse olhar no período: “O que aconteceu? Aconteceu isso aqui”. Então, está na história da humanidade. Se eu quero contar uma história agora, não da humanidade, mas da minha história, e o que eu quero mais privilegiar, não fazia muito sentido colocar aquelas canções porque elas foram direcionadas para aquele momento específico, e essas que estão aí são atemporais. Eu acho que a gente trabalha com atemporalidade, nesse caso.

Eu quero que, em 2050, se as pessoas quiserem revisitar 2020, elas falem assim: “Pô, será que tem alguma banda que escreveu sobre aquele período nebuloso que o Brasil viveu?”. Aí os caras vão pegar o Álbum Laranja e ver que tem muita coisa ali escrita.

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TMDQA!: O disco inteiro, né?

Tico Santta Cruz: Exatamente. Agora, a atemporalidade dos sentimentos, que fala da alma humana, que fala das dores, das angústias, ou dos amores ou dos romances, ou das visões… Isso é atemporal. Isso vai ficar como sentimento para sempre. Alguns [sentimentos] são até ressignificados; há músicas do Acústico que, nessa leva agora, foram ressignificadas.

“Oração do Horizonte”, por exemplo, que é do álbum O Retorno de Saturno [2008], está presente nesse acústico e foi ressignificada porque ela é o momento de você chamar as pessoas de volta para o diálogo, chamar as pessoas de volta ao amor como revolução, chamar as pessoas de volta à troca, “Vamos ter uma conversa”.

Vamos tentar diminuir ao máximo esse abismo que existe nesse momento que a gente ainda está vivendo, e vamos viver se continuar perdurando, mas diminuir esse percentual de pessoas com as quais você não consegue mais dialogar. Vamos dialogar com o máximo de pessoas possível e eu acho que essas construções são feitas através de músicas que tocam na alma.

TMDQA!: Isso é muito atual, né? Apesar de ser uma coisa antiga. Cara, a gente está para receber esse Acústico em pedaços e nesse primeiro está uma música que marcou não só a história do Detonautas mas do Rock brasileiro daquela época, que é “O Dia que Não Terminou”. Eu confesso que ouvindo essa gravação do Acústico eu fiquei literalmente arrepiado a galera canta junto demais. Eu acho que isso simboliza muito o que é o Detonautas e o que foram esses 20 anos de Detonautas, e queria saber como é pra você ver essa galera cantando junto essa música que tem uma importância tão grande para vocês e para a cena toda.

Tico Santta Cruz: É muito curioso porque assim, eu estou tentando novamente estar sempre atento ao que está acontecendo nas redes sociais, embora eu não esteja mais presente da forma como eu estava antigamente. Eu comecei a fazer uns conteúdos para o TikTok falando sobre as músicas do Detonautas, como eu compus, de onde veio a inspiração, o que aconteceu… E eu usei “O Dia que Não Terminou” no TikTok. Eu estava tentando entender como eu poderia usar essa ferramenta porque, enfim, cada pessoa usa de uma forma e eu não estava me identificando com a forma que a maioria das pessoas estava utilizando. Eu preciso entender a plataforma e entender de que forma eu posso me inserir nela, e eu comecei a contar essas histórias.

E a história de “O Dia que Não Terminou” talvez seja uma das mais viralizadas do meu perfil. Ela tem mais de 200 mil visualizações, e é um número alto porque eu não uso muito o TikTok, eu tenho uma certa dificuldade com o TikTok. Mas a curiosidade das pessoas com relação a essa música sempre foi muito grande, porque ela é uma música que fala sobre uma pessoa que sofreu um acidente de trânsito e fica presa nas ferragens do carro e é como se a alma dela tivesse saído do corpo e ela estivesse narrando de um olhar em terceira pessoa.

Talvez as pessoas daquela geração ainda lembrem, mas muita gente que ouviu depois não fez essa conexão, não conseguia ver por esse ângulo. E ai eu pergunto no TikTok: “Será que essa música não poderia ser psicografada?”. Graças a Deus, eu nunca passei e espero nunca passar por uma situação com essa, mas eu consegui descrever de uma forma tão próxima do que de fato uma pessoa sente, algumas pessoas já vieram falar comigo que tudo aquilo ali causava essa sensação e aí eu entendi que “O Dia que Não Terminou” é uma música que teve uma função quase que espiritual na nossa história.

Ela trouxe essa coisa, porque na época a gente fez um clipe falando sobre acidente de trânsito, prevenção, de não combinar álcool e drogas com direção. E ela tem esse cunho forte, essa potência de dialogar com as pessoas nesse lugar onde cada um entende da sua forma, mas ela teve uma projeção proposital falando de um tema muito importante. Ela é uma das músicas mais ouvidas do Detonautas até hoje. Com os direitos autorais, a gente sabe quais são as músicas que a gente recebe mais, em termos de conteúdo ouvido.

Quando a gente tocou ela no Acústico dessa vez, e o público canta em todos os shows que a gente faz, mas nesse dia foi com muita ênfase. Fico muito feliz por, de alguma maneira, a gente ter marcado não só aquela época mas também ter trazido a canção para quase 20 anos depois, porque ela foi lançada em 2004 e a gente está em 2023.

É emblemático você ver que o Detonautas é uma banda que tem uma história muito conturbada em muitos aspectos, mas é uma banda muito resiliente. A gente resistiu bem ao tempo. Apesar dos altos e baixos, a gente conseguiu sobreviver realmente com hits muito potentes e esse é um deles.

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TMDQA!: E outra coisa que tem nesse EP e que eu achei sensacional é a música nova, “Aposta”. Está muito legal e ela soa exatamente como eu esperaria que fosse uma celebração de 20 anos do Detonautas, vamos dizer assim. Como se fosse uma condensação de tudo o que vocês já propuseram, de várias formas. Acho que ela tem uma vibe meio nostálgica nesse sentido de que você ouve um Charlie Brown Jr. ali, você ouve um CPM 22, você ouve até um pouco de Fresno ali. Eu acho que tudo isso se condensa em uma música que fez eu me sentir, de verdade, como se eu estivesse ali nos anos 2000. Eu queria saber de onde veio essa música e se foi algo proposital resgatar essa sonoridade lá de trás.

Tico Santta Cruz: Cara, eu comecei a escrever essa música em 2020. Na verdade, essa música é fruto de um conflito eterno que eu tenho dentro de mim e de todas as pessoas que estão evoluindo. É a questão de você procurar o seu lugar de sossego, de ter mais tranquilidade, de certa forma [estar] deslocado, de certa forma rejeitado também, de alguma forma. Quando você começa a resgatar de volta a sua fé, resgata de volta as coisas com as quais você se relaciona bem, e você sentir que agora que você precisa, no presente, fazer a sua revolução, que é o que a música fala no final: “É por dentro que começa a revolução”.

Então, eu acho que a música tem uma vibe que flerta com os anos 2000 porque o Detonautas lá nos anos 2000 flertou com o Rap. Eu sempre tive o Rap como referência, eu cresci ouvindo Rap e a gente já gravou com muitas bandas de Rap. A gente gravou com o Gabriel, O Pensador algumas faixas, fizemos o Rock in Rio 2019 com o Pavilhão 9, o Rap está muito inserido dentro do nosso universo.

E eu acho também, cara, que apesar dela ter essa sonoridade que talvez puxe para o lado da nostalgia dos anos 2000 e tudo, ela também dialoga com essa galera mais nova que está ouvindo muito Trap agora. É uma aposta também nesse sentido: “Vamos apostar que, de repente, a gente consegue falar com essa molecada”.

TMDQA!: Eu fiquei viciado nela!

Tico Santta Cruz: Eu fico feliz, cara, é um feedback excelente para a gente.

TMDQA!: Voltando para esse projeto, como eu tinha citado antes, tem algumas participações especiais, né? Você tem o Badauí (CPM 22), você tem o Lucas (Silveira). Obviamente, eu queria saber como você chegou nessas pessoas, apesar de já ter uma ideia de qual é a resposta para isso, porque eu sinto que isso é uma celebração não só do Detonautas mas de todo mundo que viveu essa época, que fez parte da cena, que ajudou a construí-la.

Tico Santta Cruz: A gente teve esse privilégio de ser a banda que, de alguma maneira, registrou no palco essa celebração da geração 2000. Detonautas, CPM, NX Zero e Fresno. Então, a gente conseguiu registrar isso no nosso show que é uma celebração, sim, da nossa geração, uma reafirmação dessa geração, todos muito bem, vivos, tocando para caramba, fazendo shows importantes.

Isso é uma coisa muito legal de você ver, mas tem um outro aspecto também, que é a reconciliação com o passado porque eu fui uma pessoa que atacou muito o movimento Emo nos anos 2000 e que, durante esse período todo, depois de uma reflexão profunda, eu entendi que eu fui uma pessoa que estava passando por um momento ali da minha vida e que ataquei pessoas que estavam trabalhando e buscando seus espaços.

Eu precisava de alguma maneira demonstrar [isso] não só para mim, e não só para eles também – porque a gente já tinha se falado individualmente, eu procurei o Lucas há mais tempo do que o Di (Ferrero), com ele eu falei mais perto, mais durante o período da pandemia, pedi desculpas publicamente a eles. Hoje eu tenho uma relação muito boa com eles, com o Lucas, com o Di. O Badauí sempre foi parceiro porque a gente começou na mesma geração praticamente, mas na geração posterior, que foi justamente a do NX e da Fresno, eu fui muito agressivo.

Isso é uma das coisas que eu falo na [letra de] “Aposta”: me afastar desse tipo de postura, afastar desses conflitos, afastar dessas polêmicas. E trazer para perto as coisas boas que essas pessoas representam. Depois que eu vi esse [nosso] show eu fiquei muito emocionado, porque eu tive o privilégio de ter uma segunda chance para conhecer esses caras, de poder conviver com eles e pensar: “Como esses caras são bacanas e como eu fui babaca naquela época em que eu fiz esses ataques estúpidos”. Eu tenho plena consciência de que foi um equívoco.

Eu tive o privilégio de conhecer essas pessoas que poderiam ter ficado no meu passado como pessoas que eu simplesmente larguei lá no meio do caminho e não desfrutei da inteligência, da capacidade, da musicalidade, dos benefícios artísticos todos e pessoais também, e que eu tenho desfrutado nesse momento em que a gente se encontra na estrada e que é sempre muito legal. E principalmente registrar isso, porque fica para a eternidade.

TMDQA!: É engraçado porque, muitas vezes, os fãs ainda são os mesmos. Para eles é muito legal ver vocês juntos de novo e pensar: “Eles finalmente se entenderam”. É muito legal isso.

Tico Santta Cruz: Eu acho que vai ter essa sensação, Felipe, para vocês que foram fãs e que viram aquele período de confronto, de conflito de geração, que acontece muito no Rock e que agora eu vejo acontecendo no Trap. Eu já até dei um toque em alguns amigos de tipo: “Olha, vocês estão fazendo o mesmo movimento que eu fiz e isso aí vai dar merda”. Não tem essa do que é melhor e o que é pior, cada geração tem sua forma de se comunicar e, quando uma geração se achar no direito de dizer como a outra deve se comportar, dá merda. É fatal.

Hoje, claro, a gente tem experiência para isso. Mas, na época, ninguém veio falar comigo. Para não dizer que ninguém veio falar comigo, seria injusto eu não falar do Chorão, que chegou para mim em um certo momento que eu estava nesse confronto e falou: “Pô, cara, deixa os moleques trabalharem”. Ele já tinha feito algumas críticas também, mas ele foi mais rápido do que eu no sentido da sagacidade – mas também, ele era mais maduro do que eu.

O Chorão já estava ali com quase seus 40 anos, eu estava com trinta e poucos, vinte e poucos anos. Essa coisa da maturidade te dá essa percepção. Então, assim como o Chorão chegou para mim naquela época e me deu um toque que eu não ouvi, só fui ouvir praticamente dez anos depois, eu já cheguei para essa galera do Trap que eu conheço e falei: “Ó, segura a onda com isso aí. É um erro comum, a gente falar de alguma coisa e depois a gente vai ver que não é bem assim”.

Isso aí faz parte das histórias de todo mundo, o que não faz parte das histórias é você não se entender com o cara que cometeu o equívoco. Aí eu acho que, talvez, cada um assuma a sua responsabilidade. A minha parte da responsabilidade é fazer a reflexão e entender, e quando os fãs virem isso no palco vai ganhar uma força ainda maior porque ganha esse sentido que você deu: “Pô, que bom que ficou tudo bem e os caras estão aí de boa”.

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TMDQA!: Voltando a falar um pouco dessa trajetória toda do Detonautas, são 20 anos e tem muita coisa para falar. Uma coisa que eu sempre pensei é que vocês no disco de estreia tiveram um hit atrás do outro e eu sempre imaginei que a trajetória do Detonautas, na minha visão, se explica muito com isso. Porque vocês tiveram uma primeira década de carreira que foi um hit atrás do outro, um disco atrás do outro, uma coisa muito intensa, e depois uma segunda década ali em 2010 que vocês tiveram só dois discos de inéditas e deram uma pisada no freio. Quando você olha para trás, nesse começo, você conseguia aproveitar as coisas, você conseguia entender o que estava acontecendo? Ou foi tudo muito rápido e quando você viu já estava no estúdio de novo gravando? E quero saber a importância também desse período de pisar um pouco no freio…

Tico Santta Cruz: A gente formou a banda em 1997 e levou cinco anos até chegar em uma gravadora. Ao contrário do que acontece hoje, que é tudo muito rápido – o cara lança uma música no TikTok e já explode, já tem um bilhão de pessoas o seguindo na rede, já consegue contratos milionários, a construção da nossa carreira, apesar de parecer ter acontecido em uma velocidade alta, foi uma velocidade que eu acredito que tenha sido a velocidade daquela época. A internet não tinha toda essa influência na vida das pessoas.

A gente demorou cinco anos para assinar com uma gravadora e depois a gente fez um trabalho muito bem feito em relação a lançar o disco e, em paralelo à gravadora, já naquela época, em uma mentalidade independente, digamos assim, a gravadora estava trabalhando o álbum e a gente estava trabalhando rádios.

Eu me lembro muito bem do dia que a gente desceu para o Rio Grande do Sul de ônibus, já contratados pela Warner, saímos na rodoviária de Porto Alegre e o nosso divulgador estava ali esperando e ele falou assim: “A gente vai fazer uma agenda agora de rádio”. Então, o trabalho que nós fizemos para que o Detonautas chegasse naquele lugar de conseguir os três hits, digamos assim, que fizeram ali o primeiro estalo da banda, foi um trabalho muito árduo que a gravadora fez por um lado e nós fizemos por outro porque, intuitivamente, a gente já estava vivendo uma fase em que as gravadoras estavam em decadência. Era a época da Napster, daquela coisa toda de se fazer download.

A gente pegou a pior fase da indústria fonográfica e ainda assim a gente conseguiu ter uma relevância. Depois a gente virou independente, de 2010 a 2019 a gente foi totalmente independente.

TMDQA!: Foi inclusive a primeira banda independente no Palco Mundo do Rock in Rio…

Tico Santta Cruz: Exatamente. A gente vivenciou uma experiência… Quer dizer, veja bem. A gente estava com uma gravadora, mas a gente já estava agindo intuitivamente e quando a gente virou independente a gente não ficou assustado porque a gente já tinha uma dinâmica para poder agir de forma independente, por causa dessa decadência das gravadoras. A gente não tinha toda essa potência que existia nos anos 80, 90 e que agora está existindo de novo. A gente viveu esse momento mais difícil da indústria e a gente sobreviveu.

TMDQA!: Vocês já têm esse know how do independente, e agora têm o apoio da gravadora…

Tico Santta Cruz: Eu acho que esta oportunidade que nós estamos tendo [com a Sony], pelo fato de termos sido muito resilientes, nos dá agora a possibilidade de a gente usufruir de um legado que foi construído nesses 20 anos com uma condição muito melhor, que é a condição que a gente está vivendo hoje em dia com a indústria fonográfica florescendo novamente. A gente sabe que precisa de muitos ajustes, mas a gente entende que existe um cenário positivo para a indústria fonográfica.

Eu fico vendo esses moleques do Trap aí e outro dia eu estava trocando uma ideia com o Cabelinho, menino que eu vi começando na época que eu estava produzindo umas faixas. E o Cabelinho ficava lá no estúdio; na época ele não era muito conhecido e de vez em quando ela passava [no estúdio] para dar uma olhada. O moleque veio de uma comunidade e outro dia eu encontrei com ele em uma academia que eu já faço exercício há muito tempo e eu falei para ele: “Pô, cara. Vocês estão vivendo agora o que era o Rock nos anos 80”.

A coisa de muita fartura, de muito dinheiro, de muito show, de muito tudo. E que nós não vivemos. Óbvio, tivemos muito privilégios, mas a gente não viveu essa coisa toda que a gente está vivendo com o advento das redes sociais. Eu fico vendo porque eu acompanho esses artistas todos. Eu falo: “Caralho, bicho, olha o que esses moleques estão vivendo!”.

É algo parecido com o que era vivido nos anos 80. Me lembro das histórias que o Paulo Ricardo [do RPM] conta de ir para Nova York passar o final de semana. Dinheiro para todo lado e também os excessos: muita droga, muita mulher, muito sexo, muita loucura… Quando você olha de longe, você chega para o moleque e fala: “Meu irmão, fica ligado para vocês não caírem nas armadilhas que o Rock caiu”.

Tudo é cíclico no mundo. Então, fiquem atentos. E aí eu indiquei para ele [Cabelinho] várias biografias para ele ver o quanto tinha em comum entre o que eles estão vivendo agora e com o Rock nos anos 80.

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TMDQA!: Eu imagino que naquele olho de tempestade ali do primeiro disco do Detonautas, ainda mais depois de tudo o que você falou, é merecido vocês poderem, finalmente, curtir esse momento e todo o sucesso do Detonautas.

Tico Santta Cruz: É, eu acho que agora é o momento de você usufruir, na verdade, do que foi construído ao longo desses anos. As coisas foram acontecendo em uma velocidade que a gente olha para trás e fala: “Caraca, olha só o que eu fiz aqui, o que eu fiz ali”. Agora você tem tudo aqui na sua frente para você falar: “E agora, o que você vai fazer?”. Vamos usufruir do que a gente conquistou.

Quando você para pra montar um repertório de 20 anos do Detonautas você pode usufruir de músicas que você nem precisa cantar, o público todo canta. Isso é um presente, uma riqueza que a gente conquistou ao longo desses anos todos e que é um desafio, talvez, para essas novas gerações.

TMDQA!: Tico, o nosso tempo está acabando. Muito obrigado! Como eu falei, é um prazer falar com você de novo. Estou ansioso para ouvir o disco todo e ver esses registros junto com a galera. Tenho certeza que eles vão gostar demais…

Tico Santta Cruz: Massa. Depois você nos dá o seu feedback e, falando da geração e tudo, eu queria saber, quando você puder acessar esse conteúdo, o que você achou.

TMDQA!: Com certeza!

Tico Santta Cruz: Porque, para mim, é muito importante ter esse feedback da galera que acompanhou as bandas e o processo todo.

TMDQA!: Com certeza, pode deixar. Obrigadão!

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