Gustavo Bertoni
Divulgação

Basta ouvir os primeiros segundos de “Tides” para entender que o novo disco de Gustavo Bertoni pouco tem a ver com seus trabalhos anteriores, seja com sua banda Scalene ou na carreira solo, que já soma três outros discos — The Pilgrim, de 2015; Where Light Pours In, de 2018 e The Fine Line Between Loneliness and Solitude, de 2020.

Ao mesmo tempo, quase que paradoxalmente, o artista brasiliense consegue encontrar um fio que conecta I Got My Eyes Fixed com toda a sua trajetória. Se distanciando um pouco da melancolia lírica e das influências mais facilmente identificáveis na questão sonora, Bertoni parece ter encontrado um caminho para ser experimental sem abandonar as belas melodias, tanto de voz quanto de instrumentos, que marcaram sua carreira.

Uma das principais ferramentas para fazer isso é a busca por novas referências, que renovaram a sonoridade do músico. Enquanto seu início esbanjava elementos de City and Colour e afins, hoje Gustavo se apoia em influências bastante distintas, indo de Nils FrahmHania Rani até Ólafur Arnalds — todos pianistas contemporâneos, o que, claro, fez com que o piano se tornasse foco principal da obra.

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Do piano às batidas, I Got My Eyes Fixed oferece viagem profunda

Falando em termos um pouco mais técnicos, o grande mérito de I Got My Eyes Fixed é sua coesão. A forte influência da música ambiente cumpre papel essencial para isso, fazendo com que Gustavo tenha total domínio da narrativa que apresenta enquanto, também de forma quase paradoxal, se mostra livre e disposto a experimentar com elementos como um piano japonês dos anos 40 que encontrou abandonado em um apartamento durante a pandemia e serviu como base para o novo álbum.

Com tudo isso na bagagem, Gustavo Bertoni cria uma atmosfera que engloba o disco do começo ao fim. I Got My Eyes Fixed tem altos e baixos, é claro, mas suas mudanças de dinâmica parecem sempre complementar o que é pedido e as faixas instrumentais servem como mecanismos de conexão entre momentos possivelmente desconexos anteriormente.

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O resultado disso é uma viagem profunda, que evoca diferentes sentimentos ao longo de sua trajetória. Em “Tides”, os pianos se somam a batidas que remetem ao Trip Hop; em “Hyaline”, o uso de instrumentos de cordas volta a ter lugar para coroar toda a dinâmica apresentada ao longo da faixa; em “I Will Wait For You There, Love”, a composição volta a conversar com as primeiras influências da carreira de Gustavo, especialmente no vocal — e por aí o disco segue.

Um dos pontos altos do álbum é “Under the Circumstances (Phoropter)”, que consegue soar ao mesmo tempo tão Sigur Rós quanto Aphex Twin. Tudo isso, é claro, com uma cara própria que resulta da experimentação sem qualquer timidez com essas sonoridades citadas, algo que demonstra o crescimento e a maturidade da carreira de Bertoni.

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Novo disco de Gustavo Bertoni é ousado e, ao mesmo tempo, Pop

Outro acerto enorme de I Got My Eyes Fixed é a inserção de elementos do Pop, que soam tão naturais para Bertoni quanto qualquer atividade básica cotidiana. Mesmo quando se coloca em uma posição mais isolada do gênero, como agora, o músico cai em melodias vocais que parecem absolutamente feitas para alcançar o grande público, seja através de rádios, playlists ou até trilhas sonoras de produções audiovisuais.

“The Listening Room” e “Marionettes” são bons exemplos disso: nelas, Gustavo é ousado e brinca como nunca com sua própria voz, mostrando que seu controle dos próprios talentos só melhora com o passar dos anos. Ainda assim, consegue criar melodias envolventes que se apoiam em um certo minimalismo instrumental para se destacarem e chamarem atenção de quem sequer conhece qualquer um dos artistas citados como influência por ele.

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Isso, aliás, é algo que o brasiliense faz bem há mais de uma década. Fruto de uma grande exposição à música, esse método funciona quase como uma tradução; é um dom, talvez melhor descrito como a habilidade de um divulgador científico que reúne todo tipo de informação e os expõe de forma palpável e facilmente compreensível para aqueles que não estão em um mergulho tão profundo de estudos.

Desde os tempos de Scalene, Gustavo faz isso com a música. Aqui, ele escancara de uma forma bela e delicada o quanto essas influências que parecem tão distantes estão, na verdade, mais próximas do que muitos pensam; afinal de contas, nomes como Ólafur Arnalds estão presentes no nosso cotidiano e passam despercebidos por tantos de nós.

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Gustavo Bertoni – I Got My Eyes Fixed

Com I Got My Eyes Fixed, Gustavo Bertoni chama atenção para todo o potencial que a música ambiente e instrumental tem de contar histórias. Ainda que tenha os citados vocais mais próximos ao Pop, a base do álbum é exatamente essa que, muitas vezes, é rechaçada sem sequer ganhar uma chance.

É um álbum que abre portas, tanto para os ouvintes quanto para o próprio artista, que definitivamente soa mais confiante e solto do que nunca. Se em outros tempos o cantor parecia se apoiar em influências mais “comuns” para encontrar uma identidade, hoje se desprende completamente dessas referências e se recusa a caber em uma caixa só.

A torcida, claro, é para que essas portas continuem escancaradas daqui pra frente e possamos ouvir ainda mais retratos dessa fase de Gustavo Bertoni.

Ficha técnica:
Estúdio: Mário Caldato (Los Angeles)
Produção: Lucas Mayer
Todas letras e composições: Gustavo Bertoni
Mix: Ricardo Ponte
Master: Erwin Mass
Participação de Giulia Lins em Daydream

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REVIEW GERAL
Nota:
8.0
gustavo-bertoni-i-got-my-eyes-fixed-resenhaBasta ouvir os primeiros segundos de "Tides" para entender que o novo disco de Gustavo Bertoni pouco tem a ver com seus trabalhos anteriores, seja com sua banda Scalene ou na carreira solo, que já soma três outros discos — The Pilgrim, de 2015; Where Light Pours In,...