Conheço Cícero desde o tempo que ele era o rapaz magrelo de óculos, vocalista da banda Alice. Foi uma jornada incrível que ele passou nos últimos anos, indo do underground do subúrbio carioca para se tornar uma da figuras mais reconhecidas da música independente. Porém, aquele rapaz de Santa Cruz nunca desapareceu. E isso está claro em seu novo trabalho, Cícero & Albatroz, lançado recentemente.

No disco, ele se despede do papel de artista solo e abraça a coletividade de trabalhar em banda ao lado dos músicos que já o acompanhavam no palco. O resultado foi o seu trabalho mais plural musicalmente e, curiosamente, mais direto para os ouvintes.

Tivemos uma conversa com ele por telefone sobre essa volta a trabalhar criativamente em banda e o papel da cidade na música dele.

TMDQA: O início do seu trabalho solo surgiu no fim da Alice. Depois desses anos de trabalho sozinho, o que te motivou a criar coletivamente de novo?

Cícero: Cara, tem sim uma conexão entre esses momentos, mas o fator principal foi eu já ter feito isso e ter um carinho por esse processo de criação. Quando comecei a fazer disco com banda eu era muito garoto, com meus 16, 17 anos. A banda não acabou por estarmos de saco cheio. Foi por coisas da vida, mudanças, faculdades, trabalhos. Sempre pensei que um dia eu faria um outro disco com banda.

TMDQA: Esse disco traz alguns momentos muito pessoais. Qual a diferença de trabalhar isso sozinho e como banda?

Cícero: A principal diferença é que sozinho você já tem um espelho da música. Quando se faz a música sozinho, você fala, fala, e as pessoas só vão ouvir depois de pronto. Na banda, tudo está em aberto. As letras e as melodias mudam muito. Você quer falar algo por eles, algo que os represente. Acho que a ótica vai ficando menos centrada, na busca desse denominador comum.

TMDQA: A sonoridade desse álbum passa longe daquela estante da “pós-Los Hermanos”/”nova mpb” onde te colocaram. E você fez isso buscando um clima meio Moacir Santos, com muitos metais. Como essa sonoridade foi se desenvolvendo?

Cícero: Foi tudo paralelo aos discos sendo pensados e a banda sendo formada. Depois de 2, 3 discos solos você nota que precisa mudar o processo em busca de um resultado musical diferente. E todos ali na banda tem uma personalidade criativa muito forte. Sabe que eu nunca levei muito a sério esse rótulo de MPB? Desde os tempos de Alice isso vem com a música que eu faço. Mas nunca considerei essa bandeira, esse rótulo.

Faço muito o que gosto na hora. Acho até que as músicas pegam um cheio do que eu to ouvindo na época. Se estou ouvindo muito Caetano, fica de um jeito. Se estou ouvindo muito Radiohead, vai para outro lado. Isso rola também na banda. Tem gente ali que só ouve música em português, outro que ouve nada de nacional, outro tem uma formação de composição, com uma pegada mais clássica. Acho que isso tudo refletiu na sonoridade, ficou muito mais plural que o Canções de Apartamento, por exemplo.

TMDQA: Falando nisso, o Canções de Apartamento foi um disco que mobilizou uma galera no indie e muita gente se sentiu intimamente ligada com o que você estava falando. Você sentiu alguma pressão, interna mesmo, de repetir algo do disco nos seguintes?

Cícero: Não, não. Desde pequeno minha mãe me criou falando que ninguém é especial e ao mesmo tempo todo mundo é. Que todo mundo é a mesma coisa, sabe? Não sei se é isso somado ao lugar de onde eu venho na cidade, que é muito periférico e com uma auto-estima muito baixa… Mas eu nunca senti essa relação especial, de que eu era uma espécie de porta-voz de uma galera.

Senti que o que tinha feito tipo um quadro e coloquei ali na parede para ver a reação das pessoas, se elas gostavam ou não. Não guardei em mim que tinha tanto emocional das pessoas envolvido. Como já tinha feito discos antes e dado em nada, pensei em só fazer algo pra mim, sabe? Talvez ouvissem, talvez ninguém ouvisse como foi o Anteluz.

Não tinha nem me aceitado como músico profissional após a fase do Canções. Ainda tinha meus outros trabalhos. Achava que era só uma fase bacana e ia passar.

TMDQA: Esse novo álbum é seu registro mais pop desde o primeiro solo. Mas o primeiro single foi “A Cidade”, a faixa mais “estranha” do disco. Foi proposital essa escolha?

Cícero: Foi! E o lugar que ela ocupa no disco também. Ela aparece dividindo o disco em lado A e lado B. Ela é a síntese do que sinto sobre a situação atual, deixando de lado histórias do que amei ou deixei de amor e crises existenciais. Volto com ela, meu olhar para a cidade. A ótica do que mais sinto é da cidade, morei em Nova York, São Paulo e desde sempre no Rio. Essa bagunça urbana é meu referencial.

TMDQA: Outra coisa forte na sua música é a cidade como um ambiente de solidão, de distanciamento. Você é de Santa Cruz. O distanciamento do bairro do resto do Rio foi uma inspiração?

Cícero: Com certeza, a cidade que eu vejo é Santa Cruz, é a Zona Oeste. A primeira vez que fui para Goiânia eu pensei “caramba, é igualzinho Campo Grande (bairro da Zona Oeste do Rio)”. Os prédios eram iguais, as casas são iguais. Lisboa me lembra a Urca. Outro lugar parece a Tijuca, a Praça Tiradentes… Minha ótica é embebida pelo Rio. E por ter sido criado na Zona oeste, o meu Rio é o do cara que pega ônibus, que foi algo que fiz minha vida inteira.

Cícero & Albatroz

TMDQA: Nesse disco, assim como no resto da discografia, um elemento que surge muito forte é o ambiente que você está. O apartamento, os lugares da cidade, o modo como o A Praia me parece inspirado por sua passagem por Portugal. A capa do seu disco é Laranjeiras, certo?

Cícero: É Botafogo, a vista ali da Cobal (do Humaitá) indo pra Voluntários (da Pátria, rua importante em Botafogo). Tem essa disputa por espaço… Do céu com os prédios, com as árvores e com os carros. Uma das músicas do disco fala de envergar os prédios e eu tinha essa imagem na cabeça. Foi o Eduardo Magalhães que fez.

TMDQA: Essa sua nova fase, morando de vez na Zona Sul, mudou algo na sua música? Ou existe um bairrismo enraizado?

Cícero: O subúrbio tá muito enraizado em mim. Foram muitos anos por lá. E a banda reafirma isso. O (Gabriel) Ventura é da serra; o Uirá (Bueno), do Vidigal; o Bruninho (Bruno Schulz, pianista) é de Itaguaí. Tem um discurso forte de periferia como discurso comum. Isso vai mais que algo geograficamente, isso está também na relação com as pessoas que você lida. Boa parte das pessoas com quem falo, me comunico, tem essa mesma relação.

É curioso que não consigo ver um bairrismo no Rio. O Rio é um bairrismo em si. Um bairrismo que se acha centro de tudo contra o resto do planeta, do universo. A Zona Sul não ignora a Zona Norte, ela ignora a rua de trás. Acho que isso é humano e dos nossos tempos. O bairrismo carioca tá nele e não onde ele mora.

TMDQA: Você tem mais discos que amigos?

Cícero: Discos não, mas to mais para “tenho mais Spotify que amigos”.

TMDQA: E que você ouviu enquanto criava o disco com a Albatroz?

Cícero: Enquanto gravava, fiquei ouvindo só o disco em loop. Meio para não pegar esse clima que falei ontem das outras músicas. Spotify é foda por que você ouve meio que tudo ao mesmo tempo… É difícil lembrar da última coisa que ouvi. Acho que a última coisa que ouvi em loop foram os dois discos do Telebossa.

 

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