susto
Foto: Daniel Ventre

O artista e produtor paulistano susto lança seu álbum de estreia, intransitivo, um projeto que funciona como um diário de sonhos traduzido em música. Conhecido por explorar colagens sonoras, memórias pessoais e símbolos visuais, o artista apresenta um disco que reflete seu mergulho profundo em processos internos, usando o rap experimental como caminho para construir narrativas densas, subjetivas e cinematográficas.

A ideia do álbum surgiu de uma mudança de direção na carreira: um momento em que susto passou a tratar a música com mais compromisso. Foi então que a palavra “intransitivo”, vista por acaso em uma revista ao ler um conto de Mário de Andrade, acendeu o conceito que guiaria todo o projeto. “Essa palavra saltou de um jeito muito interessante. Eu já tinha produzido “bico de pássaro” e soube na hora que ela se encaixava em algo que podia ser muito maior”, conta.

Para além de um título, o conceito virou norte. “Esse nome explica o que eu entendo por arte: algo que se valida simplesmente ao ser criado, sem depender de nada além da própria existência”, diz o artista. A partir daí, susto passou a organizar emoções, lembranças e estados mentais como quem cria um experimento. “Sabia que tinha que transformar todo esse caos num disco.”

Um álbum que funciona como um filme

A sonoridade de intransitivo nasce da cultura do sample, com susto atuando como um curador de texturas e referências. Jazz, MPB, soul, trilhas de filmes de terror e recortes do cotidiano se combinam a mudanças de beat que funcionam como viradas de página. O resultado é um disco de atmosfera densa, energética e, ao mesmo tempo, contemplativa.

O processo, segundo ele, foi guiado pelo acaso e por pequenas coincidências que moldaram a narrativa emocional. “Cada track nasceu de um jeito. Os samples pareciam conversar diretamente com as situações que eu vivia. Em “ecdise”, por exemplo, horas depois de finalizar a música, minha tia me mandou um áudio do meu avô — que faleceu ano passado — falando exatamente sobre o tema da faixa. Essas sincronicidades me guiaram.”

Ao longo da criação, susto revisitou medos, padrões e impulsos que sempre estiveram presentes, mas raramente eram observados de perto. “Esse álbum me obrigou a prestar atenção no que eu sempre deixava passar. Foi um processo de olhar pro caos sem fugir dele”, explica. Entre descobertas e desconfortos, o artista afirma ter deixado para trás crenças antigas e limitações que carregava há anos.

A experiência que ele quer provocar

Sua entrega artística, mais sensível, sutil e quase espiritual, também o coloca em um caminho próprio dentro da cena. Para ele, a autenticidade sempre foi um princípio. “Fiz escolhas com base no que fazia sentido pra mim, sem tentar agradar ninguém. Queria que tudo tivesse coerência com o que eu tava sentindo.”

Mais do que ouvir, susto espera que o público seja transportado pela ambientação do disco. “Quero que as pessoas desacelerem. Que pausa os pensamentos, se permitam mergulhar na jornada. Desde o começo, coloquei na cabeça que queria incomodar um pouco, cutucar. Mas se isso trouxer paz, reflexão e um olhar pra dentro, melhor ainda.”

Com uma estética que foge ao convencional e uma produção que mistura sensibilidade e caos, intransitivo apresenta susto como uma das vozes mais inventivas do rap experimental contemporâneo — um artista que transforma inquietações em som e materializa o que, muitas vezes, não pode ser dito diretamente.

O TMDQA! conheceu o trabalho de susto através da Novos Flows, startup brasileira com uma curadoria especializada para encurtar barreiras e criar novas oportunidades para talentos emergentes. Foi a partir desse envio que esta matéria nasceu, e seguimos atentos ao que chega por lá.