Projota
Foto: Divulgação

O início de uma trajetória nunca se apaga e pode, sim, ganhar novas formas de existir. Mais de uma década depois de sua ascensão no rap nacional, Projota retoma o ponto de partida e relança nas plataformas digitais as mixtapes que definiram sua identidade artística, emocionaram uma geração de fãs e pavimentaram o caminho para uma nova cena.

Agora com distribuição da ONErpm, os projetos independentes Carta aos Meus (2009), Projeção (2010), Projeção Pra Elas (2011), Não Há Lugar Melhor no Mundo Que o Nosso Lugar (2011) e Muita Luz (2013) estão prontos para reencontrar os ouvidos de ontem e os de hoje.

O movimento começa com o EP Carta aos Meus, previsto para o próximo 7 de novembro, e resgata não apenas faixas clássicas como “Véia”, “Brasília de Neguim” e “Rato de Quermesse”, mas também uma mentalidade que moldou o rap brasileiro da virada da década de 2010: o fazer com o que se tem, com propósito, técnica e obstinação.

“Ali são meus diários. Eu ouço essas faixas e revisito minha vida, lembro onde eu estava e o que estava passando”, diz Projota em entrevista exclusiva ao TMDQA!. “Por mais que eu tenho mudado e evoluído, mais de uma década depois, a história está escrita.”

Do Lauzane para o mundo

Antes de multidões, prêmios e rádios, havia cartazes colados nos muros do Lauzane Paulista com uma pergunta simples: “Você sabia que existe rap no Lauzane?”. Era 2008, e a cena enfrentava um apagão de estrutura. Projota, Rashid, Terceira Safra e outros artistas da Zona Norte criaram um evento de garagem, literalmente, para fazer o som ecoar. O “Rap no Lauzane” nasceu como uma resposta coletiva ao silêncio da indústria — e como canal de venda direta dos primeiros CDs.

“A gente fazia o que era preciso da maneira que era possível. Eu já tinha ouvintes que gostavam da minha música, mas não tinha a chance de cantar em lugar nenhum. Depois de 2004, a cena estava sem estrutura e os artistas estavam sendo afetados. A partir daí eu decidi abrir o portão da caragem de casa pra gente cantar pra quem fosse colar e surgiu o Rap no Lauzane, por volta de 2008. Isso permitiu que eu me conectasse com meus ouvintes e vendesse CDs”, lembra Projota.

As primeiras faixas, gravadas com beatbox e violão em fita cassete, mostravam não só a urgência do fazer, mas também a pluralidade de referências. “O violão foi um alicerce na minha composição. Eu ouvia muito rock e isso me deu outra possibilidade de interpretação”, conta o rapper.

“Inclusive, as frases de efeito que eu colocava nas rimas ajudou muito a expandir o meu trabalho. As pessoas ouviam, se identificavam com uma frase e colocavam no subnick do MSN. Isso fez as minhas músicas chegarem em muitas pessoas”, acrescentou.

Entre o amor e o ódio

Cada mixtape de Projota é atravessada por duas emoções centrais: medo e esperança. Se os versos falam de dor, desigualdade e luto — como em “Véia”, composta após a morte da mãe —, também anunciam força, fé e superação.

“Transformar a dificuldade em combustível não tem explicação, foi só a maneira que lidei com a vida. Tem pessoas que choram, caem na depressão, se revoltam, enquanto no meu caso foi transformar em energia para fazer tudo dar certo”, diz ele ao explicar como canalizou sentimentos ruins em mensagens propositivas.

A conexão com o público feminino também foi um divisor de águas e um ponto de inflexão criativa. O EP Projeção Pra Elas nasceu dessa escuta: “Elas compravam ingresso, faziam os shows lotarem. Eu quis devolver o carinho e também vi uma oportunidade comercial”, lembra. Mas longe de ser um projeto apenas de love songs, ele trouxe narrativas de empoderamento e vulnerabilidade, com músicas como “Guerreira” e “Ela Chora”.

A habilidade de contar histórias com começo, meio e fim, como em “Chuva de Novembro” ou “A Rezadeira”, revelou outra faceta de sua escrita: o storytelling cinematográfico. Só anos depois, com a ajuda da terapia, ele entendeu por que tantas de suas histórias terminavam em morte.

“Todas as minhas músicas terminam de maneira fatal. A faixa “A Rezadeira” também terminava dessa maneira. E na terapia eu entendi que isso tem a ver com a perda da minha mãe, como a minha história foi construída sobre esse luto.”

O legado de Projota

Projota, ao lado de Rashid e Emicida, foi um dos primeiros MCs da sua geração a romper com as barreiras do nicho e construir um novo mercado dentro do rap nacional. Para ele, a existência de grupos como Racionais, RZO, SNJ e Quinto Andar foi essencial, mas o diferencial da nova leva foi saber dialogar com a juventude de seu tempo.

“A gente saiu de um nicho e construiu uma nova cena. Se a gente não tivesse surgido, talvez o que existe hoje nem estaria aqui”, afirma. Ao relançar seus primeiros trabalhos, ele não apenas resgata a própria história, mas também reafirma seu papel como um dos arquitetos de um novo momento do rap brasileiro: um momento em que sonhar grande deixou de ser exceção.

“O diferencial que eu, Rashid e Emicida tivemos foi conseguir se conectar com a juventude daquela geração, que foi necessária para formar uma cena. Nós saímos de um nicho e construímos uma nova cena. A gente foi importante demais para o nosso momento e, se a gente não tivesse surgido, não havia o que tem hoje.”

No fim, as mixtapes não são apenas um acervo de faixas antigas, mas sim parte fundamental da construção artística de Projota. Ao relançar esses trabalhos, ele reconecta o público com as origens da própria carreira e reafirma o espaço que conquistou no rap nacional. É também um movimento importante para valorizar a história recente do gênero, marcada por artistas que abriram caminhos e ajudaram a transformar a cena em um mercado consolidado.

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Felipe Mascari
Rap em Pauta com Felipe Mascari

A coluna que mergulha nas histórias, letras e batidas que estão redefinindo o cenário musical do Rap. Acompanhe de perto os lançamentos e a força das rimas que ecoam pelas ruas.

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