OGI E NILL
Foto: @mouco_fya

O mundo atual parece projetado para nos engolir. Em meio à velocidade das redes, à lógica dos algoritmos e à pressão por performance constante, fica cada vez mais difícil encontrar um refúgio, ainda mais para quem insiste em viver da própria arte. Foi diante desse cenário que dois dos nomes mais consistentes do rap nacional, Rodrigo Ogi e niLL, se uniram para criar um disco que é ao mesmo tempo denúncia, refúgio e bússola: Manual para não desaparecer.

Com produção assinada pela própria dupla, o álbum é um experimento estético e existencial que propõe maneiras de atravessar o caos da contemporaneidade sem se perder de si mesmo. “São vários sentidos esse “não desaparecer”. Ele pode ser uma bússola pra você produzir e conduzir a sua arte, sem precisar seguir o que está sendo colocado na indústria. É uma luz de esperança pra carreira de muita gente”, afirma Ogi ao TMDQA!.

Desde o título, Manual para não desaparecer carrega uma ambição incomum: refletir o espírito de seu tempo sem soar panfletário, oferecer acolhimento sem cair no autoajuda, e ainda soar musicalmente coeso e inovador. É o tipo de projeto que nasce mais de uma inquietação do que de uma estratégia, como define niLL: “A gente quer deixar legados na cena que também não vão desaparecer no futuro. Não são todos os artistas que não pensam em deixar legado, mas esse é o nosso objetivo: ficar marcado na história.”

Espelho e antídoto

Essa ideia de permanência e de não desaparecer percorre o álbum inteiro. Em faixas que vão do lo-fi ao samba, passando por beats de house e influências de aberturas de anime, Ogi e niLL criam trilhas para dias bons e ruins.

Como quem canta para si e para os outros ao mesmo tempo, os dois propõem uma música que conforta, mas também confronta: o vazio das redes, a lógica produtivista da indústria, as relações superficiais e os sonhos frustrados de liberdade.

O encontro entre dois artistas com estéticas tão marcantes poderia soar como uma colisão, mas aqui vira combustível criativo. Ogi traz o lirismo afiado, os recortes do cotidiano e sua habilidade de transformar a língua portuguesa em imagens, ruídos e sentidos. Já niLL injeta imaginação pop, influências de videogame, animes e um flow que escapa de fórmulas.

“Teve música, como a “Derradeira”, que é um som no estilo do niLL e eu me testei. Depois, em “E o Mundo Todo Sorriu”, foi quando ele se testou. Esse projeto funcionou muito durante o processo criativo, nós dois fomos ajustando cada detalhe do disco e criando com muita alegria. O processo foi muito divertido”, lembra Ogi.

Sobreviver à lógica dos números

O disco também marca a estreia da dupla como produtores. Inicialmente cogitaram trabalhar com outros nomes, mas seguiram a sugestão do produtor Nave para que assinassem tudo sozinhos. Essa escolha trouxe uma unidade que dá corpo ao conceito: não desaparecer também é assumir as rédeas do próprio som.

“No início, enquanto ainda buscávamos o caminho do disco, só tínhamos uma coisa em mente: não ser previsível. No começo, nós pensamos em trabalhar com outros produtores até o dia que o Nave sugeriu que nós dois assinássemos a produção. Então, a gente se permitiu também a pensar no disco na sonoridade para além das rimas. Isso deu toda a nossa cara para o projeto”, explica niLL.

E essa liberdade permitiu misturas que vão do underground noventista ao K-pop, passando por batidas de samba, timbres de house, guitarras do Tiago Ticana e participações de nomes como Jamés Ventura, Matéria Prima e Roberta Estrela D’Alva. A mixagem e a masterização ficaram a cargo de CESRV (Brime), garantindo o polimento de uma obra que soa urbana e transcendental ao mesmo tempo.

Um dos principais temas do disco é o embate entre autenticidade e relevância numérica, um dilema cada vez mais presente entre artistas independentes. Ogi, com mais de duas décadas de rap nas costas, reflete: “Antes, a gente colocava um som na internet e ele girava o Brasil de forma orgânica. Hoje o algoritmo dita tudo. Mas eu não consigo fazer música seguindo tendência. Cada faixa minha é onde eu deposito minha verdade.”

niLL reforça essa visão: “Tem artista que faz comércio, não faz hip hop. Nosso disco é uma luz no fim do túnel para quem ainda acredita na conexão, na transformação que a arte pode provocar.”

Ao final do disco, na faixa “E o Mundo Todo Sorriu”, eles não estão apenas rimando, estão propondo um gesto de resistência. Em um cenário onde tudo passa rápido demais, Manual para não desaparecer oferece algo que o tempo e os algoritmos não conseguem engolir com facilidade: um disco feito com alma, feito para durar.

“Artisticamente falando, quem ouvir o disco e também produz arte vai entender a importância de se manter original, de seguir a própria intuição. É um conselho para que os artistas possam encontrar sua marca e não desistir dela”, afirma Ogi. “Além disso, é uma ideia para que as pessoas reflitam sobre o legado que querem deixar para a próxima geração. Nós estamos vivendo um mundo baseado em números, enquanto o que importa é quantas vidas você impacta com a sua arte”, finaliza niLL.