
Se fosse uma eleição escolher o melhor show do Coala festival, não saberíamos o que é polarização: Caetano Veloso, BK’, Liniker, Marina Sena, Cidade Negra, Black Alien, Nando Reis e Chico Chico, Silva e uma lista que segue com o melhor da música brasileira… Até o eleitor ideológico do centrão iria concordar em formar uma chapa com, no mínimo, quatro representantes do poder executivo musical.
Para você que quer relembrar como foram esses três dias do aconchegante festival, no Memorial da América Latina, em São Paulo, ou mesmo saber como foi essa 11ª edição, aqui está um resumão do que aconteceu. Mas não espere um pódio!
DOMINGO, 7
Caetano Veloso encerrou o Festival com um show histórico que misturou resistência, arte e festa no feriado da independência de 7 de setembro. Caetano começou a noite com “Branquinha”, feita para Paula Lavigne, e seguiu com uma sequência que fez o público cantar junto em peso: “Gente”, “Vaca Profana” com o telão mostrando Gal Costa, “Divino Maravilhoso” e “Cajuína”. Depois, “Podres Poderes”, fez a plateia responder com gritos de “sem anistia”, até começar “Anjos Tronchos”. O tropicalista, aos 83 anos, voltou ao palco do Coala após sete anos vestindo verde e amarelo, combinação que virou ironia quando disse: “Sete de setembro, eu de verde e amarelo. Orgulho. Do quê? A gente nem sabe”, antes de seguir para “Eclipse oculto”.
Quando Caetano pegou o violão, deixou o clima intimista com “Sozinho”, que seguiu para “Você Não Me Ensinou a Te Esquecer”, “Um Baiana”, “Muito Romântico”, “Alegria Alegria”, “Linha do Equador”, de Djavan e a deliciosa de cantar “Não Enche”. O show ainda trouxe “Fora da Ordem”, a parceria com Gil em “Desde que o Samba é Samba”, seguiu vibrante em “Reconvexo” e explodiu em festa com “É Hoje”. O bis veio com “Odara”, que não poderia ser diferente pra deixar o público com vontade de voltar no próximo ano.

Antes de Caetano, quem tomou conta do palco foi o rapper carioca BK’, que deu o tom da identidade do Coala ao misturar rimas afiadas com samples de grandes nomes da música brasileira que moldaram seu repertório e aparecem em seu mais recente álbum, “Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer”. Entre eles, Milton Nascimento, Djavan, Trio Mocotó e Evinha. O público respondeu à altura, cantando junto letras já decoradas. Os momentos mais celebrados ficaram por conta de “Esperar Pra Ver”, que abriu a apresentação, além de “Não Adianta Chorar” e “Amém, Amém”. Houve ainda espaço para faixas de “Icarus“ (2022), como “Continuação de um Sonho”, “Se Eu Não Lembrar” e “Só Me Ligar”.
Antes, Anelis Assumpção levou ao festival uma sonoridade afro-diaspórica que une ancestralidade e modernidade. Homenageou Bob Marley com “Legalize It” e seu pai, Itamar Assumpção, com “Batuque”. O show ganhou ainda mais força com a participação de Lazzo Matumbi, cantor, compositor e ativista baiano, parceiro de longa data de Jimmy Cliff. A dupla emocionou a plateia com “14 de Maio”, canção que denuncia a falsa ideia de liberdade associada à abolição inconclusa de 1888.
O palco também recebeu um encontro inédito entre gerações de mulheres nordestinas: Josyara (BA), Cátia de França (PB) e Juliana Linhares (RN). O trio surpreendeu com uma versão de “Não Tem Lua”, sucesso de Durval Lelys eternizado pelo grupo Asa de Águia. Aos 78 anos, Cátia mostrou vigor e delicadeza no violão, dividindo o protagonismo com Josyara em músicas como “Coito das Araras” e “Ensacado”. Filha de Adélia de França, considerada a primeira educadora negra da Paraíba, a artista reafirmou sua relevância histórica e poética.
Mais cedo, Dora Morelenbaum foi responsável por abrir os trabalhos e atrair o público já no início do dia, apresentando faixas de seu álbum mais recente, “Pique” (2024).
No Auditório Simón Bolívar, o Palco TIM, antes das 15h, já havia fila para retirada de pulseiras para a apresentação que ocorreu às 18h30 de Mateus Aleluia, Thalma de Freitas e Amaro Freitas. O trio foi aplaudido de pé com uma plateia lotada que não se desgrudou do show.
SÁBADO, 6
Faltam palavras para descrever o show inédito de Nando Reis e Chico Chico, que encerrou a segunda noite do Coala com um repertório em homenagem a Cássia Eller. Foi daquelas apresentações que fazem até um ateu questionar a existência de um segundo plano, imaginando a presença da melhor amiga de Nando e mãe de Chico ali. A emoção era visível: Chico Chico demonstrava ansiedade e Nando quase deixou escapar lágrimas antes de subir ao palco. Em conversa com nossa equipe pouco antes da apresentação, já era clara a dimensão do que estava por vir.
A homenagem à eterna Cássia uniu gerações e corações. No palco, a inquietude de Chico Chico trouxe energia extra, enquanto Nando se deixava guiar pela memória da amiga. Entre as músicas que embalaram a noite estavam “Malandragem”, “Partido Alto”, “Coroné Antônio Bento”, “Top Top”, “As Coisas Tão Mais Lindas” e “E.T.C.”. Antes de cantar “All Star”, Nando contou a história que fez o Coala ficar em silêncio por dois minutos e meio:
“Eu tive uma felicidade imensa, num período relativamente curto da minha vida. Não só conviver, trabalhar, produzir com Cássia… nesses anos de convivência fiquei impressionadíssimo, impactadíssimo com a descoberta do que era ela e o que ela provocava em mim. Escrevi uma canção tentando pôr em palavras esse feito e, quando mostrei a ela, a primeira reação foi nenhuma. Fiquei extremamente desconcertado, achando que era uma exposição e que talvez houvesse uma falta de simetria entre a minha devoção e o que não ocorria no inverso. No entanto, para minha surpresa, anos depois, sem que eu soubesse, em um show em que eu fazia a direção musical, ela passou a cantar essa canção. Foi a forma que ela respondeu que sim, que não achava estranho que eu me apaixonasse por ela.”
O público acompanhou em coro arrebatador, enquanto Chico Chico e Nando, ao violão, observavam a multidão em sintonia perfeita. No bis, a emoção atingiu o auge: a dupla voltou para repetir “Segundo Sol” e “All Star”, deixando o público em lágrimas neste encontro histórico que reafirmou o legado de uma das vozes mais potentes da música brasileira já teve.
Antes, Black Alien celebrou os 20 anos do clássico “Babylon by Gus – Vol. 1: O Ano do Macaco“ em um show eletrizante. Ele abriu a noite apenas com guitarra e voz em “Take Ten”, conquistando o público logo nos primeiros acordes. Na sequência, vieram faixas como “From Hell do Céu”, “América 21”, “Primeiro de Dezembro”, além de “Que Nem o Meu Cachorro” e “Como Eu Te Quero”, cantadas em coro pela plateia. O retorno ao Coala, após a performance memorável de 2022, foi marcado por emoção: ovacionado pelo nome de batismo, Gustavo, o rapper deixou escapar a sensibilidade ao dizer que “cantava rap e não podia chorar em público”, provando que rimas e lágrimas podem dividir o mesmo palco.
Em seguida, Silva trouxe um clima romântico ao festival, abrindo com “Fica Tudo Bem” e seguindo com sucessos como “Soprou” e “Duas da Tarde”, que transformaram o Memorial da América Latina em pista de dança. O cantor ainda surpreendeu ao emendar “Magnólia”, de Jorge Ben Jor, em arranjo especial com o quarteto de metais. Homenageou ícones da música brasileira em releituras de “Eu Amo Você” (Tim Maia), “Amor Igual Ao Teu” (Cidade Negra), “Sorte” (Caetano Veloso) e “Beija Eu” (Marisa Monte). O ápice veio no encerramento com “A Cor É Rosa”, cantada em coro emocionado, e “Já Era”, que deixou o público em festa.
A chuva, que era esperada para o sábado, deu as caras apenas como garoa durante o show da Terno Rei, criando atmosfera perfeita para o som indie da banda. Com mais de uma década de carreira, o grupo apresentou os sucessos de “Violeta“ (2019), que ultrapassaram 16 milhões de streams, e músicas do mais recente trabalho, “Nenhuma Estrela” (2024), incluindo a parceria com Lô Borges em “Relógio”.
A programação começou cedo com Zé Ibarra, em seu projeto solo “Afim”, após a consagração com a banda Bala Desejo. Com carisma e banda completa, ele fez o público chegar antes e cantar junto músicas como “Infinito em Nós”.
No Auditório, o mestre Arthur Verocai voltou ao festival em grande estilo, acompanhado de orquestra e convidados especiais. Aplaudido como um dos nomes mais cultuados da música brasileira no exterior, recebeu no palco Carlos Dafé, Samantha Schmutz, Paula Santoro e Mano Brown, que fizeram o público levantar, dançar e chegar pertinho do palco.
SEXTA, 5
O nome mais pedido pelo público, Liniker, foi a headliner do primeiro dia do Coala Festival e encerrou a sexta-feira em clima de apoteose. Em turnê com seu segundo projeto solo, a artista lotou o Memorial da América Latina e mostrou energia de superstar. O show abriu com “Caju”, em coro emocionante, e terminou em festa com “Deixa Estar”. O repertório trouxe faixas do disco mais recente, como “Negona dos Olhos Terríveis”, “Mayonga”, “Papo de Edredom” e “Me Ajude a Salvar os Domingos”, além da vibrante “Febre”, parceria com Thiaguinho lançada em 2024. A apresentação da banda, que inclui a talentosa baixista Ana Karina Sebastião, também brilhou em “Bam Bam”, clássico de Sister Nancy, que levantou o público.
A potência de Liniker foi além do setlist. Sua presença magnética e entrega vocal fizeram o público viver cada canção como experiência coletiva. Até o imprevisto virou parte da noite: durante “Papo de Edredom”, o show precisou ser interrompido quando algumas pessoas da plateia passaram mal e foram atendidas pelo Corpo de Bombeiros. A cantora, em gesto de cuidado e conexão, reiniciou a música do começo, mostrando por que se tornou uma das maiores vozes da música brasileira contemporânea. Também houve espaço para revisitar fases anteriores, como “Psiu”, do álbum Indigo Borboleta Anil (2021), que levou o público ao delírio.

Antes dela, Cidade Negra levou reggae e nostalgia ao Coala. Celebrando os 30 anos do álbum Sobre Todas as Forças (1994), Toni Garrido e Bino Farias transformaram o festival em coral coletivo com sucessos como “Onde Você Mora”, “O Erê”, “Girassol” e “A Estrada”, reafirmando o legado de três décadas da banda como símbolo do reggae brasileiro.
A tarde também foi marcada pela performance mágica de Marina Sena, que subiu ao palco principal com o elogiado e mais recente álbum “Coisas Naturais”. Dona de um carisma hipnótico, Marina mostrou domínio de palco e presença arrebatadora, conduzindo o público em uma apresentação que misturou sensualidade, força e leveza, em clima de encantamento coletivo.
O festival começou já às 15h30, com Tássia Reis e participação de Kiko Dinucci, abrindo os trabalhos do palco principal. No Auditório Simon Bolívar, o compositor, produtor e multi-instrumentista Tim Bernardes emocionou com uma apresentação especial acompanhado de orquestra.
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