Síntese
Foto: @diretortales

O Síntese nunca foi apenas um grupo de rap. Desde a adolescência, quando nasceu em São José dos Campos, no interior paulista, o projeto carregava em si uma intenção maior: libertar, transformar, espiritualizar. Criado por Leonardo Irian e Gestério Neto — ou simplesmente Léo e Neto —, o duo misturava beats secos, versos de punho cerrado e uma energia mística difícil de explicar.

Era como se cada faixa não fosse apenas uma música, mas uma invocação. Agora, mais de uma década depois e com Neto à frente da caminhada, o Síntese se reinventa em Flor de Maio, um disco que floresce em meio ao luto, à reconstrução e ao desejo de viver de novo.

Com produção da EME Cultural, o álbum é um tributo direto a Leonardo, que faleceu em novembro de 2024. Mas não se trata apenas de um adeus, mas um novo começo. “É o projeto mais leve que fiz na minha vida”, diz Neto ao TMDQA!. “Precisava dar uma conclusão ao turbilhão que passei. Se tem uma coisa que a passagem do Léo fez foi sentido pra nós.”

O nome Flor de Maio tem camadas: era o mês de nascimento de Leonardo e também o nome verdadeiro da rua em que ele morava, como Neto descobriu ao pegar o atestado de óbito. “Não tinha como não ser isso”, afirma. O disco nasce de um solo árido e difícil, mas desabrocha com beleza e força. “São flores para o mundo, que compartilho tanto com quem está aqui quanto com quem já se foi.”

Uma nova sonoridade, a mesma missão

Flor de Maio marca uma guinada estética importante na discografia do Síntese. Se em discos como Sem Cortesia a crueza das rimas era pano de fundo para revoltas e inquietações existenciais, agora a melodia, o silêncio e o espaço ganham protagonismo.

Ainda há boom bap, ainda há crítica social, mas tudo parece costurado com mais leveza, como quem encontra na arte não apenas uma arma, mas um bálsamo. “Sutilizar as coisas nesse momento foi o melhor caminho pra nós”, conta Neto. “Eu quis fazer um álbum para estar presente na vida das pessoas em outros momentos. Não queria mais ser só a mola no fundo do poço. O Síntese não precisa ser apenas uma terapia.”

“Eu sempre fiz um rap pesado, mas também criava faixas leves e quem chegavam diferente nas pessoas. Tem outra coisa, eu gosto de ver o quanto o rap dos artistas faz bem a eles. Fazer música é como gritar numa sala vazia, você recebe o próprio eco”, acrescentou.

A mudança, no entanto, não significa rompimento. O rap continua sendo uma missão. “Nós fazíamos um rap pra salvar o mundo, porque sentíamos que aquilo transformava a gente”, relembra. “Nosso rap é uma missão e é um eco que vai reverberar por muitos anos.”

Léo: o divã, o alicerce, a memória viva

A ausência de Leonardo Irian molda o disco, mas sua presença também é constante: em versos antigos, em memórias, em gestos cotidianos. Neto lembra com carinho de como o amigo, mesmo distante das gravações, seguia presente.

“O Léo nunca deixou de ir em casa. Ele poderia estar na pior crise ou num dia bom, ele estava todo dia em casa. Ele ouvia as músicas novas, elogiava e opinava, mostrando que nunca saiu do Síntese. Ele estar no meu dia a dia foi um alicerce muito grande.”

A relação dos dois ia além da música. “Meu mestre foi Irian / Do portão pra fora foi minha família/ Do portão pra dentro foi meu divã”, resume ele na faixa título do disco. Quando decidiram que Neto continuaria o projeto sozinho, ainda em 2013, a ideia já estava clara para ambos: a missão seguiria. “Ele sempre falava: eu vou parar e você vai continuar.”

Levar, sozinho, o nome do Síntese não foi fácil. Porém, com o tempo, Neto compreendeu que o amigo havia passado o cajado e, junto com isso, honrar a missão de representar o grupo dentro do rap nos quatro cantos do Brasil.

“Quando fui gravar “Poetas no Topo”, ele pediu pra colocar a rima “Sua força e poder sempre vai ser do tamanho do seu respeito” pra se sentir representado. Ele participava de tudo e, embora não escrevesse mais comigo, sempre chegava com alguns versos e pedia para eu gravar.”

O cancelamento do Síntese

Em 2018, o rapper foi acusado de agressão por sua ex-companheira, a também artista Bivolt. O episódio abalou a imagem pública de Neto, gerando um cancelamento silencioso, mas duradouro.

Em 2023, após cinco anos de tramitação, a Justiça extinguiu a culpabilidade do caso e o inocentou. “A outra parte nunca compareceu às audiências. Fui ouvido, e a juíza decidiu pelo encerramento do processo com uma promotora e uma juíza conduzindo o caso”, afirma.

Mesmo com a vitória judicial, Neto escolheu não se pronunciar publicamente na época. “Pensei em fazer um vídeo. Só que o processo durou 5 anos, um período em que o Síntese sofreu um cancelamento velado nesse período, e ainda assim nós estávamos colhendo os melhores resultados na carreira.”

“Depois de 5 anos, eu achei que não era mais o momento de falar sobre o assunto. Muita água havia passado por baixo da ponte e eu decidi não falar nada sobre. Eu não queria reviver uma guerra que havia ferrado com a minha vida. Eu só quis continuar com a minha vida”, acrescentou.

Um novo começo do Síntese

Mais do que um encerramento de ciclo, Flor de Maio é um ponto de partida. Neto fala do disco como se fosse seu primeiro — não por inexperiência, mas por renascimento. “Sinto que estou começando a escrever agora. Parece que estou rimando pela primeira vez.”

Renovado, o artista vislumbra novos caminhos, novas sonoridades, novas pontes. “Hoje, meus sonhos rejuvenescem. Tem muitos lugares que quero ir e muitos sons que quero criar. Estou renovado pra seguir essa trilha. É um caminho novo que estou pavimentando.”

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Felipe Mascari
Rap em Pauta com Felipe Mascari

A coluna que mergulha nas histórias, letras e batidas que estão redefinindo o cenário musical do Rap. Acompanhe de perto os lançamentos e a força das rimas que ecoam pelas ruas.

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