
Em 2025, o rap internacional, através dos novos álbuns, voltou a soar como termômetro e laboratório ao mesmo tempo: veteranos reafirmaram seus legados sem parecerem peças de museu, enquanto uma nova geração empurrou a estética do gênero para territórios cada vez mais híbridos. É um ano em que o rap não precisa escolher entre rua e vanguarda: ele pode ser crônica, catarse, pista de dança e cinema, às vezes tudo no mesmo disco.
Mais do que uma fotografia de tendências, esse recorte também aponta para um momento de “afinação” do gênero: a técnica voltou a importar, a escrita voltou a ser medida pelo peso das imagens e pela cadência das ideias, e a produção pareceu ter um compromisso maior com identidade do que com fórmula.
Seja no retorno de duplas e grupos históricos, seja na consolidação de artistas que já operam fora das caixinhas, 2025 teve aquele tipo de abundância que obriga a escuta a ser atenta: tem disco que pede replay, tem disco que pede tempo, e tem disco que pede silêncio depois.
A lista abaixo reúne álbuns que, cada um à sua maneira, fizeram 2025 parecer um ano grande: por rigor técnico, por invenção sonora, por impacto cultural ou por força narrativa. A ideia aqui não é “fechar questão”, mas registrar os projetos que chegaram com ambição (e entrega) daqueles que te puxam pela gola e não soltam até o último segundo.
15. Playboi Carti — MUSIC
Depois de anos de promessa e suspense, Playboi Carti entrega um álbum enorme e, na maior parte do tempo, à altura do mito: MUSIC transforma a espera em estética, como se cada timbre fosse uma nova máscara. Liricamente, ele está onde sempre esteve — ostentação, ameaça, consumo e sexo sem delicadeza — mas o fascínio aqui é vocal: Carti muda de registro, encena personagens, dobra a própria dicção e faz o beat trabalhar para ele, não o contrário. A produção passeia do trap clássico a delírios mecanizados, samples inesperados e momentos quase pop, com participações que entendem o tamanho do palco (Future, Travis, Kendrick, The Weeknd) e entram como parte do espetáculo.
14. Chance the Rapper — STAR LINE
Chance volta mirando reconciliação com o próprio público: STAR LINE pega a paleta brilhante que sempre foi dele e derrama uma sombra discreta por cima, como quem aprendeu que maturidade também é contradição. O álbum conversa com feridas e cura, com consciência social e retorno às raízes, e posiciona essa fase como um reencontro. A produção é variada, alterna grandiosidade gospel, recortes mais crus e batidas que piscam para o boom-bap e para o drill, enquanto Chance recupera o apetite de escrever com propósito. Não é “o disco que muda uma era”, mas é o disco que reposiciona um artista: menos euforia performática, mais carne, mais mundo, mais voz.
13. McKinley Dixon — Magic, Alive!
McKinley Dixon insiste em fazer do rap um lugar de luz e Magic, Alive! constrói uma fábula de amizade e perda com musicalidade calorosa, sopros, teclas e arranjos que parecem sorrir mesmo quando o enredo aperta; é como se ele transformasse o cotidiano em mito para suportar o peso do real. O grande trunfo é a escrita: poética sem pedantismo, comunitária sem clichê, técnica sem exibição, sempre guiada por um coração enorme. É um álbum que te lembra do tipo de imaginação que a vida adulta tenta arrancar e te convida a segurar essa imaginação como se fosse, de fato, uma forma de magia.
12. Dave — The Boy Who Played the Harp
Dave faz um disco que parece escrito em silêncio, com piano como espinha dorsal e espaços vazios que deixam cada frase ecoar: The Boy Who Played the Harp é confessional, espiritual e pesado sem ser panfletário. Ele usa a música como ferramenta para acalmar tempestades internas, alternando fé, dúvida, memória e responsabilidade coletiva, com participações que ampliam o clima sem desviar o foco.
11. Nas & DJ Premier — Light-Years
Light-Years soa como um retorno ao “orgânico” sem virar passeio nostálgico: Premier tira o verniz, devolve poeira, recorte e impacto de bateria; Nas encontra espaço para escrever com a calma de quem não precisa provar nada, só reafirmar domínio. No fim, é um álbum de artesanato: discreto na superfície, afiado por dentro, e muito mais vivo do que a discussão online faz parecer.
10. Tyler, The Creator — DON’T TAP THE GLASS
Tyler chega cedo demais, quebra o próprio “ritual” e entrega um disco com energia de manifesto: DON’T TAP THE GLASS é sobre movimento, exposição e a claustrofobia do olhar público num mundo viciado em tela. Tyler mistura sarcasmo, doçura e caos com um ouvido de produtor que sabe empilhar microdetalhes (samples, efeitos, viradas) para fazer cada faixa parecer um brinquedo perigoso. E por baixo do deboche e do hedonismo, sobra um retrato bem honesto: sucesso pode comprar galáxias, mas não resolve a solidão, e é nessa virada emocional que o álbum cresce.
9. Earl Sweatshirt — Live Laugh Love
Earl lança um disco com título irônico e entrega exatamente o que ele sempre foi: um mundo próprio, com regras estranhas, cortes bruscos e beats que rangem como metal batendo em vidro. A diferença é que Live Laugh Love deixa entrar mais luz — pequenas referências à paternidade, frases que apontam para o sol — sem domesticar a estética “otherground” que ele cultiva há anos. Um álbum que não te dá mapa, mas te dá paisagem, e as paisagens são deslumbrantes.
8. Mac Miller — Balloonerism
Balloonerism funciona como um último corredor dentro do labirinto do Mac: gravado na era Faces, ele mostra um artista em trânsito com canções que parecem flutuar, instáveis, como se pudessem escapar das mãos. A produção abraça desequilíbrio, harmonia distante, drums cambaleantes, e o Mac transforma isso em narrativa íntima, misturando melancolia e pequenos clarões de humor e ternura. Não é um álbum de “hits”; é de atmosfera, de retorno, de detalhes que crescem com o tempo.
7. Saba & No I.D. — From The Private Collection Of Saba And No I.D.
Aqui não tem pose de “evento”, e essa é a grande vitória: From The Private Collection… soa como dois artistas confiando um no outro, construindo groove com paciência e elegância. No I.D. entrega beats de soul e jazz empoeirado com bateria que bate firme e samples que giram sem entulhar; Saba entra com um rap conversado, sereno, preciso, deixando a música carregar parte do peso emocional.
6. De La Soul — Cabin In The Sky
Cabin In The Sky é o De La Soul lidando com a morte sem abandonar a própria luz: o disco conversa com a ideia de pós-vida e despedida, mas não troca o sorriso pelo cinza. Há calor nas texturas, amostras que parecem pegar sol, cordas luxuriantes e aquela sensação de “vitamina D” que sempre foi marca do grupo, mesmo quando o assunto pesa.
5. billy woods — GOLLIWOG
billy woods entra em 2025 com um disco que parece filme de terror, só que o monstro é real: GOLLIWOG usa dissonâncias, drones e clima sufocante para iluminar traumas, violência estatal e a banalidade brutal do mundo contemporâneo. É um álbum de imagens duras, quase inumanas, mesmo assim, há lampejos de beleza, como se ele lembrasse que a humanidade insiste em aparecer até no cenário mais sombrio. O resultado é pesado, hipnótico e necessário: não oferece saída fácil, mas oferece clareza, e às vezes isso é ainda mais inquietante.
4. Jim Legxacy — Black British Music
Black British Music salta entre R&B torto, alt-rock, distorção, “chipmunk soul” e recortes eletrônicos sem virar bagunça, porque ele costura tudo com senso raro de melodia e identidade. É um disco que carrega luto e pressão (perdas familiares, instabilidade, ruídos de indústria), só que responde a isso com mais ousadia, não com retração: como se a adversidade acendesse uma urgência criativa.
3. Freddie Gibbs & The Alchemist — Alfredo 2
Alfredo 2 é a prova de que sequência pode ser evolução, não repetição: Gibbs e The Alchemist trocam a penumbra do primeiro capítulo por um brilho mais solar, mantendo a mesma elegância de rua e o mesmo apuro de recorte. Os beats vêm quentes, cheios de textura e balanço, com aquele toque de vinil e arranjo que respira. Gibbs passeia com a facilidade de um veterano no auge: ora engraçado e debochado, ora introspectivo, sempre com narrativa vívida e um senso de ritmo que faz cada verso “assentar” no bolso do beat. As participações entram na medida e o disco flui como filme bem montado: 48 minutos que parecem menos pela coesão e pela quantidade de momentos memoráveis.
2. Little Simz — Lotus
Em Lotus, Little Simz transforma ruptura em combustível: é um disco que carrega dor, desconfiança e recomposição, como se cada música fosse um capítulo de reconstrução emocional. A produção, menos polida e mais nervosa, abraça arestas e deixa a Simz alternar entre fúria, fragilidade e uma confiança silenciosa que vem depois do choque. Nem tudo busca agradar; algumas escolhas parecem propositalmente incômodas, e é aí que o álbum ganha força: quando ela desacelera, encara o vazio e escreve com a honestidade de quem não está performando superação, mas tentando entendê-la em tempo real.
1. Clipse — Let God Sort Em Out
O Clipse volta como se nunca tivesse saído: Let God Sort Em Out é aquele raro disco em que tudo se encaixa — intensidade, precisão e fome de rima — sem uma faixa “de transição” no caminho. Pusha T entra com sua costumeira ferocidade calculada, mas é Malice quem dá o choque: versos que parecem socos, uma frieza que escorre veneno e, ao mesmo tempo, um controle cirúrgico de cadência e impacto. As participações (Kendrick, Tyler, Nas, Ab Liva) aparecem como reforço de um elenco de luxo, mas o protagonismo é dos irmãos e do mundo que eles constroem com detalhes quase obsessivos. E Pharrell, de volta ao comando, costura tudo com bateria viva, recortes dramáticos e um senso de coesão que faz o álbum soar como bloco único — daqueles que você dá play no início e percebe que “pular faixa” nem é opção.
A coluna que mergulha nas histórias, letras e batidas que estão redefinindo o cenário musical do Rap. Acompanhe de perto os lançamentos e a força das rimas que ecoam pelas ruas.
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