Emicida capa
Foto: Reprodução

Veja o resumo da notícia!

  • Emicida revolucionou o rap nacional, abrindo caminho para autonomia na arte e inspirando novos horizontes musicais e de carreira.
  • O álbum 'Emicida Racional VL 2' revisita a obra 'Cores & Valores' dos Racionais MCs, buscando um reencontro estético e narrativo.
  • Emicida retorna às origens com rimas afiadas e habilidosas, priorizando a palavra e a convicção em sua expressão artística.
  • O álbum explora a vida cotidiana e a intimidade, mostrando vulnerabilidade e segurança na arte, em contraponto aos traumas.
  • O novo trabalho de Emicida resgata a essência do rap como arte da palavra, em meio à crescente valorização de métricas e algoritmos.

Emicida nunca foi apenas um rapper. Foi uma ponte e caminho. Com um punhado de mixtapes na mochila, ele virou o jogo sem pedir licença, reformulando não só a estética do rap nacional, mas também a maneira como se constrói carreira no Brasil. A partir dele, o rap passou a vislumbrar novos horizontes. E, talvez ainda mais importante: a partir dele, tornou-se possível viver de arte com autonomia.

Essa virada cultural não se deu por acaso. Emicida é o exemplo do artista que soube quebrar o ciclo da escassez sem se desconectar das raízes. E ao longo de sua trajetória, fez isso mirando longe. Agora, com o disco Emicida Racional VL 2 – Mesmas Cores & Mesmos Valores, ele faz o movimento oposto: olha para trás. E encontra nos Racionais MCs, e especialmente no álbum Cores & Valores (2014), a chave para seu próprio reencontro.

A escolha não foi óbvia para esse recomeço. Cores & Valores é o disco mais incompreendido da discografia dos Racionais. Por muito tempo, ele foi visto como um corpo estranho na discografia do maior grupo da história do rap. Considerado muito curto e até com uma sonoridade moderna demais para aquele período.

Mas, em retrospecto, Cores & Valores é talvez o trabalho mais moderno do grupo — e também o mais subjetivo. Não é direto e reto como os anteriores, mas é rico em camadas. Pouca gente leu o disco dessa forma na época. Mas Emicida leu e decidiu homenagear o grupo a partir dessa obra tão potente.

Emicida acertou o pássaro ontem…

O novo álbum de Emicida não tenta refazer Cores & Valores. O que ele faz é um gesto muito mais profundo, pegando a estética do disco — desde a tensão à modernidade — e a inclui dentro de seu próprio universo sensível. Entra na estética, mas não repete a narrativa. Usa os códigos, mas escreve outra história. Mas tudo isso ainda dentro do universo do álbum original.

O que resulta disso é um álbum vulnerável e sensível, mas carregado de significados. Ele começa noturno, como as sessões que deram vida ao projeto musical, e termina sob a luz de uma nova aurora. Do áudio emocionante que abre o disco, ele termina com uma autobiografia musical do próprio Leandro, lembrando o que fez ele chegar até aqui.

E há um detalhe essencial: o retorno do nome LRX, seu vulgo inicial. Não se trata de nostalgia. Quando Racionais diz “somos o que somos” em seu disco, Emicida também quer mostrar quem é: um rimador nato – talvez, o melhor da sua geração.

Há algo especial na forma como Emicida rima aqui. Depois de anos explorando camadas afetivas e entendendo o rap de maneira mais ampla, ele volta a escrever com a caneta afiada do começo. E essa caneta, agora mais afiada pela maturidade, encontra um novo estado de espírito: o da palavra como dom. Cada faixa soa como um exercício de convicção, um trabalho artesanal. São dez músicas que se erguem sobre a habilidade quase ritual de manipular a língua, costurando frases com precisão meticulosa.

Nesse processo, a palavra volta a ocupar o topo da pirâmide. Ela brilha sem esforço, sustentando um álbum que é técnico e estético, mas também suficientemente seguro para se mostrar vulnerável. Emicida se permite abandonar a obrigação de revisitar traumas e cicatrizes como combustível artístico. Agora, o centro gravitacional de sua escrita é outro: a presença no cotidiano, o olhar atento para a própria caminhada, a vida íntima em casa, entre plantas, livros e família. E quando se vê questionado pela vida, ele responde rimando como nunca.

…com a pedra que jogou hoje

A estética visual do álbum é construída sobre as Curvas de Lissajous, que são formas ondulatórias que representam frequências iguais em tempos diferentes. São figuras que não têm começo nem fim; que se cruzam, se afastam e se reencontram. É a metáfora perfeita.

Racionais e Emicida não são pontos distintos na história do rap. São frequências que vibram em tempos distintos, mas no mesmo eixo. Esse disco é exatamente isso: um ciclo que retorna ao início para produzir um novo futuro.

Racionais foi a grande referência para o começo de Emicida. A fagulha que ascendeu o fogo de uma das canetas mais quentes da história. Com a ascensão de Emicida, a chama do rap se manteve acesa e, a partir dela, surge o até então último álbum de Racionais. E através dessa obra fruto da sua trajetória, Emicida enxerga seu novo ponto de partida.

E o novo álbum de Emicida é também um ponto de reflexão para a cena. Num momento em que o rap brasileiro vive a colonização dos números, seja dos streams, charts ou algoritmos, ele lembra que o rap é, antes de tudo, rima e fazer arte com as palavras.

Emicida é um artista que movimenta a cena quando se movimenta. Num cenário de incertezas sobre a possibilidade de viver da coragem de escrever com identidade, esse novo recoloca o rap nessa esfera e mostra que ainda há espaço para projetos que pensam no próprio lado criativo artístico.

Portanto, se o ciclo passado dele foi o da emancipação comercial, este pode ser o ciclo da emancipação estética. Enfim, Emicida dá um exemplo àquele provérbio: Exu matou o pássaro ontem, com a pedra que jogou hoje.

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Felipe Mascari
Rap em Pauta com Felipe Mascari

A coluna que mergulha nas histórias, letras e batidas que estão redefinindo o cenário musical do Rap. Acompanhe de perto os lançamentos e a força das rimas que ecoam pelas ruas.

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