
Muitos de vocês devem conhecer Billy Mello pela célebre frase “Maestro Billy, Som na Caixa do Caldeirão!”. Essa frase virou tão icônica nas tardes de sábado do programa Caldeirão do Huck, da TV Globo nos 2000, que não tem como não ser lida com a voz de Luciano Huck e com a música “Love Generation” de Bob Sinclair de fundo.
Mas o que poucos sabem é que, além de DJ do programa, Billy também cuidava de toda a parte de sonografia e curadoria musical do Caldeirão. Mais ainda, fez parte do comecinho do programa Pânico quando ainda era exibido apenas na rádio e abriu todos os shows da Beyoncé em sua turnê pelo Brasil em 2013. Hoje, Billy é produtor musical, designer de som e especialista em experiências imersivas.
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Há quem acredite que quem é global, está com a vida ganha. Mas será? Durante 15 anos, Billy esteve nos bastidores – mas também no programa do Caldeirão, um dos de maior audiência da época. Por trás disso, existe um universo de “corre-que-ninguém-vê”, trabalho árduo, inovação, persistência e, principalmente, de gente talentosa redefinindo o que é possível dentro dessa indústria.
É exatamente nesse bastidor que Billy Mello se encontra: um brasileiro que fez o caminho inverso, levando sua expertise e conhecimento para o cenário internacional com sua empresa LAIFE, o projeto EMOTITONE , e como DJ e produtor musical construindo pontes inéditas entre música, tecnologia, emoção e bem-estar.
O “sábatico” que virou estudo intenso
Billy, que deixou o Brasil em 2014 para viver e empreender na Alemanha (embora hoje more em Mallorca), é a prova de que o Music Business é muito mais vasto do que se imagina. Ele encontrou seu nicho – ou melhor, criou um nicho – especializando-se em áudio para videogames, realidade virtual e, agora, inteligência artificial.
Essa jornada, que ele compara à necessidade de “tirar um sabático”, se tornou um período de intenso estudo na Berklee e mostra a importância de buscar áreas menos saturadas e com maior potencial de inovação. A grande sacada de Billy, e o coração da LAIFE, é o projeto Emotitone, que ele define através de três pilares: música, tecnologia e emoção.
A empresa foi fundada em 2020, um pouco antes da pandemia, e nasceu da ideia de gerar música para quem corria maratonas, otimizando a performance. No entanto, a pandemia trouxe uma virada de chave e o foco da LAIFE se ajustou para algo ainda mais urgente: a saúde mental.
É aqui que a empresa se distancia do convencional. Não se trata apenas de criar playlists para relaxar; o trabalho é cientificamente embasado. A empresa firmou uma parceria sólida com a Erasmus University, na Holanda, especificamente com o departamento “Music as Medicine”.
Como Billy explicou, eles utilizam um modelo de psicologia chamado “valence and arousal” para entender as emoções. Através de questionários e até ferramentas como o aplicativo médico Noudus, que faz reconhecimento facial para identificar níveis de estresse e análise de cortisol na saliva, eles conseguem validar o impacto de suas “paisagens sonoras” (soundscapes) geradas por IA.
LAIFE e Emotitone: a música como ferramenta de saúde
Um ponto que chamou a atenção e que reflete perfeitamente a importância da cultura no consumo musical foi o experimento do Emotitone com mulheres caribenhas. Enquanto a música “clássica” gerada pela IA as acalmava em um nível subconsciente, a reação consciente era de “horror”, devido à aversão cultural a esse estilo.
Isso sublinha uma verdade fundamental: a música é subjetiva, mas suas propriedades intrínsecas podem ter efeitos universais, mesmo que a experiência consciente seja moldada pela nossa bagagem cultural.
Os dados que a LAIFE e outros estudos têm coletado são fortes: a música funcional pode reduzir o estresse em até 85% e aumentar a produtividade em 42% no ambiente de trabalho, além de reduzir 65% da ansiedade e melhorar a qualidade do sono em 40%. Isso não é apenas música de fundo; é áudio criado com intenção e propósito claro.
Essa intenção se manifesta em projetos como os desenvolvidos para hospitais, detalhados em hospitals.laife.info. Lá, a LAIFE cria “paisagens sonoras” personalizadas para reduzir a ansiedade de pacientes e melhorar o bem-estar da equipe médica. É uma aplicação poderosa da IA, utilizando som para transformar um ambiente frequentemente estressante em um espaço mais acolhedor e curativo.
Mas como isso é feito? Billy revelou um dos segredos: a manipulação das estruturas musicais para evocar emoções específicas. Ele nos deu um vislumbre do funcionamento do Emotitone, mostrando como a mudança entre acordes maiores e menores, ou a transposição de semitons, pode criar efeitos como “Wonder” (exemplo que é usado em trilhas como Harry Potter) ou “Outer Space”.
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É fascinante pensar que, ao usar um software de DJ como o Mixed In Key, que identifica a tônica das músicas, é possível rearranjar uma playlist para torná-la exponencialmente mais motivacional ou relaxante, não de forma randômica, mas com uma inteligência musical intrínseca.
Isso “desbloqueou mais algumas camadas aqui na minha cabeça”, como eu disse a ele, sobre o potencial do áudio funcional. A ideia de que um sistema de som em um estádio, por exemplo, possa ser configurado para acalmar as pessoas em uma saída ou energizá-las em um momento de pico, é simplesmente genial e um reflexo da compreensão profunda de Billy sobre o poder do som.
A Inteligência Artificial na música
Nossa conversa naturalmente migrou para o tema quente da regulamentação da Inteligência Artificial na música. É um debate complexo e necessário, mas Billy é enfático: “tem que ter uma regulamentação”. Ele não apenas defende a proteção dos autores, mas também a organização de um cenário que se tornou “muito à vontade” com as possibilidades da IA.
Na LAIFE, a abordagem é pragmática e ética. Eles treinam seu Machine Learning System com obras de domínio público, como Beethoven, Vivaldi e Bach. O foco não é copiar a sonoridade de artistas protegidos por direitos autorais, mas sim entender o “encadeamento harmônico” – a estrutura e a progressão das notas. Os resultados são arquivos MIDI, que subsequentemente passam pela “mão humana”, ou seja, uma intervenção de um músico ou compositor. Essa etapa final é crucial.
Billy explicou que essa “mão humana” não é apenas um toque artístico, mas uma proteção legal. Se uma lei futura determinar que todo conteúdo gerado por IA automaticamente se torna Creative Commons, essa intervenção humana garante que a música, ao final, seja uma criação original de quem a criou. É uma estratégia inteligente para navegar nas águas turvas e ainda não mapeadas do direito autoral na era da inteligência artificial.
Na Europa, a discussão é ainda mais acalorada, com a rigorosa LGPD (GDPR) e uma série de novas leis sobre IA que são extremamente restritivas, inclusive sobre o uso de dados pessoais para treinamento.
Apesar dos desafios e das complexidades legais, a visão de Billy Mello é clara: a IA é uma ferramenta poderosa para o bem, desde que usada com responsabilidade e intenção. A capacidade de criar áudio personalizado e funcional, ilustrando o potencial ilimitado de quando a tecnologia encontra a criatividade humana – como no projeto “Membrana”, uma série visual gerada por IA onde ele cria a trilha sonora do zero, usando a ressonância Schumann como base e conectando a música à própria “respiração” da Terra, uma ideia que conecta a narrativa de um museu na Amazônia que “respira” com a própria pulsação do planeta.
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O que fica claro depois desse papo é que o Music Business está em constante transformação e a inteligência artificial não é uma ameaça, mas uma aliada poderosa para aqueles que ousam pensar fora da caixa – como já falamos por aqui em vários momentos.
A história de Billy, da LAIFE, do EMOTITONE e de outros projetos é um lembrete de que o sucesso no Music Business (e na vida) muitas vezes não está em seguir o caminho mais óbvio, mas em inovar, estudar e, acima de tudo, em encontrar propósito naquilo que se faz. É um chamado para olharmos para a música não apenas como entretenimento, mas como uma ferramenta transformadora, capaz de acalmar, motivar e até curar. E a IA está aqui para nos ajudar a amplificar esse poder.
Saiba mais sobre Billy Mello e seus projetos aqui.
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Coluna de Music Business dedicada a dar visibilidade para profissionais que estão nos bastidores desse mercado. Aborda diversas áreas e pessoas, contando um pouco sobre projetos e carreiras de quem está no “corre” e faz a indústria da música acontecer.
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