
Ninguém avisa quando o caos é uma estética. Mas Ramon Henrique Fernandes — ou, como o SoundCloud batizou, DJ Ramemes — parecia saber disso desde o começo. A brincadeira virou projeto, o projeto virou som, o som virou baile, e hoje, o que antes era diversão virou uma nova técnica para o funk. Uma que não se dobra aos moldes da indústria, mas que se multiplica entre públicos, plataformas e rolês, sempre despretensiosa, mas nunca desimportante.
Nascido em Volta Redonda, no interior do Rio, Ramemes não fez faculdade, mas teve aula com Skrillex via internet, com os bailes da Cidade do Aço e com amigos virtuais que o ensinaram a programar o Ableton.
O primeiro show foi em 2016, num palco de colégio, onde ele apertou um botão e deixou o som rolar. Desde então, não parou mais: passou de R$ 50 por set a produtor de Pabllo Vittar e Anitta, assinou trilhas que foram parar em disco do JPEGMAFIA e começou a ser chamado de “Destruidor do Funk” por quem não entendia o que ele fazia. Para Ramemes, isso é mais elogio do que crítica.
“As pessoas mais tradicionais do funk não entendiam o que eu fazia, por isso ganhei o apelido de “Destruidor do Funk”. Inclusive, eu gosto de usar o nome porque foram os caras do próprio movimento que me deram. Então, eu vejo isso como um reconhecimento por ser um dos primeiros a endoidar o funk”, conta ao TMDQA!.
A anarquia como estética
Enquanto parte da cena buscava polimento e padrões para agradar o mercado, Ramemes fazia justamente o oposto. Suas músicas pareciam memes sonoros, com vocais repetidos até perderem o sentido, e samples que uniam o mandelão ao pop ocidental, Naruto ao baile funk, MC Créu a Rita Lee. Não há um método fixo, mas há um princípio claro: fazer o que gosta, do jeito que der.
äEu não levo meu funk como algo diferente, porque pra mim é algo normal, eu só estou fazendo o que eu quero. Essa percepção vem de fora, as pessoas até me acham maluco, mas pra mim tudo é normal, porque minha referência musical para criar não é o funk”, explica o produtor.
Pra ele, essa decisão não é descaso, é escolha. A ausência de filtros é a presença da liberdade. E é essa liberdade que Ramemes leva para as pistas: um som estourado, sujo, ácido e, ainda assim, viciante. Um “caos do bem”, onde o som reverbera com mais intensidade que a técnica.
“Eu só faço o que eu gosto. Do que que eu gosto? Naruto e música pop. Muitas pessoas torcem o nariz pra Taylor Swift, por exemplo, mas vai ter um verso dela que vai ficar maneiro pra produzir um funk. Isso vale pra qualquer música. Eu só sou uma pessoa descontraída, que não liga muito pra regra e faço o que gosto”, acrescenta.
O baile como mundo possível
Foi dessa energia sem rédea que nasceu o Baile do Ramemes, que virou um manifesto: o lugar onde o caótico encontra o acolhedor. O evento, que hoje percorre o Brasil com edições temáticasm mistura os códigos da cultura dos “crias” com o brilho da cena LGBTQIAPN+, e torna possível uma união rara na música.
O baile tem som alto, mas também tem escuta. Não há “momento de descanso”, como diz o próprio artista. A curadoria é viva, rotativa, trazendo nomes da cena alternativa, do funk experimental e da música eletrônica brasileira.
Na edição especial de Halloween em São Paulo, marcada para essa sexta-feira (10), por exemplo, o line-up incluiu de Suelen Mesmo a DJ May Marks, de DJ Dayeh a D.Silvestre, somando ainda o residente Jaca Beats, parceiro de RaMeMes na missão de manter a pista pulsando o tempo todo. A proposta é clara: permitir que as pessoas se divirtam sendo exatamente quem são, com trilha sonora que mistura o funk mais sujo à estética de rave, passagens de pop e basslines de Jersey Club.
“O baile nasceu de um jeito diferente. Como eu só tinha referência de música eletrônica, meus vizinhos, que são produtores de funk também, me lavavam em rolês de funk. Eu precisava ouvir funk pra entender o que estava fazendo. A partir disso, eu quis criar o meu evento. Eu sou DJ por pura diversão, mas eu gosto da troca de um baile, eu gosto de ser um ouvinte do baile sem saber qual é a próxima música que vão tocar”, afirma.
Ramemes virou referência sem se moldar a nenhuma. Ele nunca quis “jogar o jogo” da indústria, porque sabe que esse jogo cobra demais. Por isso, se mantém independente, criando no seu ritmo e sem medo de ir além do que se espera. O sucesso, quando veio, não o moldou. Apenas ampliou o volume do que já estava lá.
A coluna que mergulha nas histórias, letras e batidas que estão redefinindo o cenário musical do Rap. Acompanhe de perto os lançamentos e a força das rimas que ecoam pelas ruas.
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