Ítallo França
Foto por Nathalia Bezerra

Há mais de uma década, Ítallo França deu início a uma trajetória que o levou de Arapiraca, no interior de Alagoas, aos ouvidos de todo o Brasil. Artista independente, cantor, compositor e músico, Ítallo começou sua caminhada como fundador do Alfabeto Numérico, mas atingiu seu auge – até o momento – com o lançamento de Tarde no Walkiria, em 2023.

O álbum contém uma música que vem ganhando vida própria: “Retrato de Maria Lúcia”. Escrita em 2021, como o próprio Ítallo conta em entrevista ao TMDQA!, a faixa surgiu naquele período de isolamento social a partir do desejo de fazer “uma canção simples, de amor”. A primeira impressão, segundo ele conta, não deu nenhum sinal do que viria pela frente:

“Mostrei para alguns amigos na época e não recebi nenhuma reação efusiva, exceto quando apresentei essa música pela primeira vez publicamente ao lado de Júlia Mestre no ‘Sala de Ensaio’, uma session promovida pelo Festival Carambola em Maceió. Naquele dia, ouvi de Lili Buarque, idealizadora do projeto, que essa canção havia sido a mais bonita dentre as canções apresentadas no festival. Ali, eu senti o peso do elogio, mas distante”.

No fim, foram justamente a simplicidade e o afeto de “Retrato de Maria Lúcia” que fizeram com que a faixa ganhasse vida própria, propondo inclusive uma reflexão sobre os ciclos de lançamento que temos na música de forma geral. Isso porque a chegada da versão gravada por Ítallo, em 2023, foi apenas o início de um ciclo de lançamento de uma canção que segue pulsando e crescendo.

De lá pra cá, de maneira orgânica, a canção foi conquistando um espaço que não é tão comum na cena atual, e isso se desenvolveu em novas versões assinadas por outros nomes da música nacional. Com a faixa despretensiosa, Ítallo conseguiu criar uma atmosfera única que chamou atenção de outros grandes nomes da cena brasileira, potencializando a visibilidade de sua composição e fazendo com que ela circule em diferentes contextos.

Graças a “Retrato”, surgiram parcerias: logo de cara, Zé Ibarra passou a tocar a canção na maioria dos shows que fazia, após mandar uma mensagem no Instagram para França pedindo para ensiná-lo a cantar a faixa. No fim do ano passado, veio então a primeira versão oficialmente regravada, pela própria Júlia Mestre.

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Clássico contemporâneo

Com as múltiplas versões que vêm surgindo, incluindo uma do próprio Zé Ibarra como parte do álbum Afim, não é exagero classificar “Retrato de Maria Lúcia” como um clássico contemporâneo.

Para Ítallo França, faltam palavras para explicar esse movimento. O artista alagoano se diz “muito feliz e quase incrédulo com o que vem acontecendo”, especialmente ao lembrar que, recentemente, recebeu uma mensagem de Saulo Fernandes, que vem cantando “Retrato” em um formato intimista em suas apresentações:

“Pessoas têm conhecido meu trabalho somente agora, recebo diariamente elogios sobre essa composição e quase todos os dias borbulha alguma versão da música no violão/teclado, ou mesmo à capela, da canção.”

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O sucesso ao longo dos anos propõe também uma reflexão sobre o tempo da música. Como destacou Tyler, the Creator, a indústria hoje está recheada de artistas que parecem não querer promover seus trabalhos – enquanto isso, ele serve como exemplo do contrário, chegando a lançar um clipe para uma música de seu disco Chromakopia, de 2024, pouco depois de divulgar um novo álbum.

Assim como o caso de Tyler e tantos outros, “Retrato de Maria Lúcia” é uma prova de que a arte não se esgota no lançamento, seguindo viva e capaz de se transformar e alcançar novos espaços em diversos momentos. Ainda mais na era da rede social, o que não faltam são exemplos de clássicos do passado ganhando vida nova, seja através de trends do TikTok, de aparições em trilhas sonoras ou até mesmo de forma inexplicável.

O sucesso da composição fez a carreira musical de Ítallo França ter mais visibilidade, algo mais do que justo para alguém que trabalha constantemente há mais de uma década, envolvido em projetos diversos que vão desde a banda de apoio de Janu Leite, os Matutos Urbanos, até um álbum solo contemplado pelo prêmio Nelson Rosa, da Secretaria de Cultura e Turismo de Arapiraca, O Time da Mooca (2020).

Esse reconhecimento já vinha ganhando força até internacionalmente. O Time da Mooca, por exemplo, ganhou notoriedade em mídias internacionais, como o site Sounds and Colors (EUA) e a revista Blow Up (Itália). Mas é inegável: “Retrato de Maria Lúcia” abriu portas que nem mesmo portais respeitados conseguiram, já que promoveu um verdadeiro intercâmbio da música brasileira, incluindo uma versão ao vivo feita por Rubel e Zé Ibarra.

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“Nada foi de um dia para o outro”: de Arapiraca para São Paulo, a trajetória de Ítallo França

Com tudo isso, Tarde no Walkiria, o disco de 2023, já acumulou mais de um milhão de reproduções no Spotify e diversas críticas positivas. A caminhada de Ítallo, inevitavelmente, o levou para São Paulo, onde trabalha em um disco que deve chegar ao público no ano que vem.

O trabalho foi feito em cerca de quatro meses, com produção do próprio Ítallo ao lado de Paulo Novaes, e agora está em processo de mixagem. Quando finalizado, o quarto disco solo de Ítallo França será lançado pelo selo Esfera, da LOCO Records, que recentemente colaborou também na confecção do disco de vinil de Tarde no Walkiria, um projeto especial para Ítallo:

“Sinto que minha mudança [para São Paulo] gerou efeitos positivos (embora relativamente tardios) para o ‘Tarde no Walkiria’, meu último disco. Meu perfil e, sobretudo esse disco, ficou mais ouvido no Spotify e senti que meu trabalho, num aspecto geral, também ficou mais conhecido entre as pessoas que moram aqui, paulistas ou não, o que é natural na mudança. Agora, em vias de encerrar o nosso ciclo de quase três anos de lançamento do ‘Tarde’, lançamos a versão em disco de vinil. Fiquei muito feliz, pois era um sonho antigo. Tive o apoio da LOCO Records, do Romaria Discos, do Amigues do Vinil e da Think Records (Japão).”

Mais do que um objeto físico, esse vinil é uma consequência natural da trajetória do ciclo que tomou os dois últimos anos de Ítallo. “Retrato de Maria Lúcia” é protagonista por todo o contexto, mas o período trouxe novos projetos, parcerias e esse disco de vinil, que representa a consolidação do caminho que sua música percorreu, ganhando novas camadas de sentido com o tempo.

Em meio a tudo isso, Ítallo França mantém a cabeça no lugar. “Eu nunca explodi”, afirma ele, reconhecendo que Tarde no Walkiria teve um ciclo de bastante sucesso apesar de nunca ter vivido “aquela coisa do ‘boom’“. Ele explica, no entanto, como é possível enxergar isso de uma maneira positiva:

“Com um investimento muito pequeno, fui ganhando espaço, chegando nos lugares, alcançando pessoas e tudo isso ao longo de meses. Nada foi de um dia para o outro. Eu mentiria se dissesse que não quero ‘explodir’ com a minha música, afinal, preciso me sustentar com as minhas criações e, de um modo geral, os números expressivos são importantes para o sucesso dessa missão. Eu sou honesto o suficiente pra dizer que quero ser ouvido por muitas pessoas e teimoso o suficiente para não fazer discos pautados no quanto eles podem vender. Mal ou bem, em algum momento isso vai dar certo.”

As últimas frases são simbólicas. Se resignar à impiedade da indústria musical é muito diferente de reconhecer suas nuances e necessidades, e é assim que Ítallo encara o desafio de se manter fiel à sua verdade enquanto busca o elusivo sucesso que vai permitir pagar as contas com tranquilidade.

Com essa mentalidade tranquila, o artista não parece se afetar pela dualidade de um novo disco que vem na onda desta crescente. Perguntado sobre as expectativas com relação ao trabalho, ele não menciona o sucesso ou a pressão em nenhum momento; ao invés disso, celebra a evolução pessoal, focando na possível conquista de uma identidade sonora, resultado de um processo criativo sólido e coerente:

“Posso dizer que gostei do que escrevi nas canções deste trabalho, acho que cheguei num lugar que até então não estive (ou não explorei tanto) como letrista e compositor, ao mesmo tempo em que, aos poucos, venho conseguido criar alguma identidade a respeito do meu trabalho e isso pode ser uma das grandes novidades do disco que virá.”

Em um mundo recheado de conquistas artificiais, a história de Ítallo França – intimamente conectada a “Retrato de Maria Lúcia” – é um respiro orgânico que ajuda a manter a fé em uma trajetória baseada nas próprias crenças.

Assim, o próximo álbum, que chegará na hora certa, tem tudo para continuar escrevendo bonitas linhas no futuro da música brasileira.

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