
Após três décadas, o Planet Hemp está prestes a viver sua cena final. Não será um adeus silencioso, mas barulhento, histórico e afetivo — nada mais justo para a banda que fez do palco uma trincheira de liberdade. A turnê A Última Ponta, que estreia no dia 13 de setembro, em Salvador, marca o início da despedida definitiva. Um encerramento pensado não como decadência, mas como auge: a chance de transformar o fim em apoteose.
O Planet Hemp sempre preferiu os caminhos não convencionais, como eles mesmos dizem. Se muitos grupos acabam empurrados pela falta de criatividade, pelo desgaste interno ou pela queda no interesse do público, a banda carioca escolheu outro gesto: encerrar a trajetória no auge, depois de um Grammy, de uma volta triunfal com o disco Jardineiros (2022) e de uma turnê de 30 anos celebrada pelo país inteiro.
“Quando eu dei a ideia de parar, ninguém contestou e todos ficaram pensativos. O medo que muitos têm de parar no auge, não aconteceu conosco. Nós entendemos a vida de outro jeito, um jeito nada convencional”, explica Marcelo D2, vocalista e fundador. Para BNegão, esse é o fechamento de um ciclo de vitórias:
“Esse auge envolve a criatividade e vai se refletir na turnê, porque estamos criando uma estrutura muito foda. Vai ser o nosso maior show de duração, honrando nossa história e permitindo que possamos sair de cena de um jeito histórico”.
A celebração como espetáculo
A turnê final, batizada de “A Última Ponta”, é um mergulho profundo na própria história. Mais de trinta músicas foram selecionadas para o setlist, cobrindo quase todas as fases do grupo, dos clássicos Usuário e A Invasão do Sagaz Homem Fumaça até a potência renovada de Jardineiros. A cenografia foi redesenhada especialmente para a ocasião, criando um espetáculo imersivo que transporta o público do pequeno Garage, no Rio, ao Allianz Parque, em São Paulo, onde o último show acontece em novembro.
“Nós percebemos que o Planet não tem momentos calmos no repertório. Então vamos criar essa atmosfera no show, porque queremos contar duas histórias ao longo dele: a da banda e também a do mundo, paralelamente”, diz D2. A ideia é transformar a despedida em algo maior do que uma retrospectiva, quase um documentário ao vivo, em que música e contexto caminham juntos.
BNegão reforça: “A cenografia é totalmente nova do que estávamos apresentando na turnê de 30 anos”. Segundo eles, não se trata de reviver o passado, mas de reinventar a própria memória em forma de espetáculo. A expectativa é que o público presencie um rito coletivo de despedida enquanto, para os músicos, seja uma experiência de catarse.
O legado do Planet Hemp
Desde 1993, o Planet Hemp não foi apenas banda. O grupo foi um ponto de ruptura na música brasileira. Misturando rap, rock, hardcore, samba e funk carioca, criou um som que nunca coube em rótulos. “O nosso grande legado é tentar descobrir um som do Brasil, um som nosso, e fizemos o nosso RG sonoro”, resume BNegão. Essa identidade própria se tornou a marca da banda e a razão de sua permanência ao longo de décadas.
Na trilha de uma história que vai de Zeca Pagodinho a Rage Against the Machine, o grupo ajudou a consolidar a identidade musical de um Brasil múltiplo, urbano, periférico e rebelde. O Planet Hemp sempre olhou para frente, o que permitiu que a relevância sempre se mantesse, pois nunca se limitou a repetir fórmulas.
“Nós tentamos fugir da obviedade. O samba que criamos não é óbvio. Nós mergulhamos mais fundo do que esperavam, e isso só aconteceu porque somos parte da cultura hip hop, que é antropofágica”, completa D2.
Nesse sentido, é possível afirmar que a banda ocupa um papel central na consolidação de uma identidade musical urbana no Brasil. Se o rock dos anos 80 representava um projeto de social-democracia, e o rap dos Racionais simbolizava a narrativa das periferias, o Planet Hemp foi a ponte entre esses mundos.
Planet Hemp contra a caretice
Se o Planet Hemp marcou a história por sua sonoridade, também se consolidou como voz política em tempos de censura, repressão e criminalização. Desde sempre, a defesa da legalização da maconha e da liberdade de expressão esteve no centro de sua obra, gerando polêmicas, prisões e processos. Três décadas depois, o cenário ainda é de retrocessos, mas os integrantes enxergam nuances que escapam ao senso comum, como explica Marcelo D2:
“Eu não acho que o Brasil está careta. A extrema-direita e conservadores querem que acreditemos nessa mentira. Eu vivi nos anos 90 e era muito pior. Hoje, o Brasil tem muita manifestação cultural e com causas mais progressistas. Eu tenho um centro cultural no Rio de Janeiro e toda semana tem gente pra caralho. Há 20 anos, isso seria impossível”.
A análise de Daniel Ganjaman vai na mesma direção: “Nossa comunicação está na mão de meia dúzia de bilionários, e isso causa a falsa sensação de uma polarização que nem existe”. Ao olhar para o passado e o presente, o Planet Hemp se reafirma como voz que resiste ao autoritarismo, mas também como símbolo de um Brasil criativo, vivo e que insiste em se reinventar mesmo diante das tentativas de silenciamento.
A ponta que não se apagará
Se a banda chega ao fim, ela continua existindo dentro de cada integrante. Para D2, a energia adquirida é intransferível: “Eu canto samba, mas é um samba punk. Essa energia segue comigo em todos os lugares”. BNegão fala em manter vivo o espólio do grupo, criando remixes e desdobramentos. Pedro Garcia, que está na formação desde 1998, resume de forma definitiva:
“Eu sou pra sempre o baterista do Planet Hemp, mesmo quando a banda acabar”.
Esse elo íntimo vai além da música, já que o grupo moldou a vida pessoal e artística de cada integrante. “Eu fui o que cheguei menos preparado na banda, sem ter pego no microfone antes. A banda foi o lugar que mais me preparou, seja politicamente, como cidadão e como artista”, lembra D2. Já Ganjaman, que chegou mais tarde, reconhece: “A banda faz parte da vida da gente. Ele faz parte de como nos entendemos como pessoas, e isso perdura pra sempre”.
Chegar ao fim é também reinventar a eternidade. O Planet Hemp opta por encerrar a trajetória não como quem se rende, mas como quem escolhe seu destino. “Vai dar uma certa tristeza, um luto. Eu tenho certeza que vou chorar. Mas essa dor também simboliza nossas decisões não convencionais, porque não queremos dar um tempo, nós vamos parar mesmo”, admite D2.
Cada cidade percorrida pela turnê traz a consciência de uma despedida a conta-gotas. “É a última vez que tocaremos aqui”, reflete Ganjaman. O último show, em São Paulo, será o clímax de um processo de despedida que se estende por meses, até se transformar em memória coletiva.
No fim, D2 encontra a metáfora perfeita:
“Eu parei de andar de skate há 20 anos, mas continuo sendo skatista. O Planet vai ser isso. A banda vai acabar? Foda-se, eu continuo sendo vocalista do Planet Hemp”.
A Última Ponta não é apenas o fim de uma banda. É o início de sua eternidade.
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