Fernando Schlaepfer fala sobre nova categoria "Melhor Capa de Álbum" no Grammy
Foto: I Hate Flash

No universo musical, onde a melodia e a letra são soberanas, existe um elemento visual que há décadas serve como portal para o universo de um artista: a capa do álbum.

Mais do que uma mera imagem, ela é uma declaração artística, um teaser visual que nos prepara para a jornada sonora que se segue. E é exatamente esse elemento que o Grammy, um dos maiores prêmios da indústria, acaba de reconhecer com a criação da nova categoria de “Melhor Capa de Álbum” a partir de 2026. Um movimento que celebra o trabalho de fotógrafos, designers, ilustradores, artistas plásticos, entre outros, que traduzem a essência de uma obra em uma imagem icônica, capaz de marcar gerações e até gerar discussões e teorias próprias.

Para entender o impacto e as implicações dessa inclusão, convidamos uma das mentes mais brilhantes e versáteis do cenário audiovisual brasileiro: Fernando Schlaepfer. Diretor de cena, fotógrafo e um artista visual de destaque internacional, Fernando é uma figura que transita com maestria entre a arte, a fotografia e o mercado da música e do entretenimento. 

Reconhecido em exposições de prestígio em espaços como o CCBB e a Caixa Cultural, já estampou páginas de publicações de renome mundial, como The New York Times, Vogue e Rolling Stone, mostrando a amplitude e a relevância de seu impacto. Ele não se limita a projetos comerciais; Fernando é também a mente por trás de trabalhos autorais ousados e aclamados, que não só provocam mas também ressoam com o público.

Entre eles, destacam-se o ‘365nus‘, no qual documentou retratos diários de pessoas nuas por um ano, e o inovador ‘Autorretratos de um isolamento‘, uma reflexão visual pungente sobre a pandemia – ambos resultando em livros e exposições. Ele é, inclusive, o único Lightroom Ambassador da América do Sul, o que sublinha sua expertise técnica.

Como fundador do coletivo @ihateflash, que se tornou referência no audiovisual para o setor de música e entretenimento no Brasil, Fernando Schlaepfer tem sido um dos principais promotores culturais do Rio de Janeiro, conforme o reconhecimento do jornal O Globo. Mas sua conexão com a música vai muito além das lentes e da gestão de projetos visuais: por mais de uma década, ele também tem sido uma força nas pistas, atuando como DJ em festivais renomados como Rock in Rio, MECA e o icônico Burning Man. Essa vivência lhe confere não apenas um profundo conhecimento técnico e artístico da indústria musical, mas também uma sensibilidade rara para captar a alma de um projeto sonoro e transformá-la em uma imagem que seja ao mesmo tempo autêntica, impactante e que comunique diretamente com o público.

Recentemente, ele e seu sócio Chico Canella deram um passo audacioso ao ampliar ainda mais sua atuação com a criação da I Hate Films. Conforme divulgado em seu lançamento, a I Hate Films surge como um novo braço do I Hate Flash, funcionando como uma produtora audiovisual full service. O foco é a criação de vídeos curtos, fotos e moving photos – formatos cada vez mais essenciais no ambiente digital –  para publicidade e, claro,  para a música. A I Hate Films nasce para atender a uma demanda crescente do mercado por produções dinâmicas e inovadoras. A proposta é clara: explorar novas linguagens e tendências, sem se prender a fórmulas já estabelecidas, com a ambição de criar algo novo e, como o próprio Fernando afirma, “estabelecer tendências no mercado”. É uma evolução natural que consolida a abordagem inovadora e autêntica do grupo no audiovisual digital, cobrindo todas as etapas, do conceito à pós-produção.

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Foto: I Hate Flash

É essa bagagem multifacetada, do fotógrafo que já criou capas para artistas como Ludmilla e Filipe Ret ao DJ que entende a pulsação da música, passando pelo diretor que expande fronteiras com a I Hate Films, que faz de Fernando Schlaepfer a pessoa ideal para debatermos o novo status da arte de capa no Grammy. Confira nosso papo abaixo e saiba mais sobre criação visual musical, a importância histórica e o futuro de um elemento que sempre foi e continua sendo a identidade visual de cada batida. Espero que gostem! 

Fernando Schlaepfer fala sobre nova categoria do Grammy

TMDQA!: Oi Fernando, tudo bem? Prazer em falar contigo que sempre contribuiu muito com a indústria com sua arte como fotógrafo e é responsável por tantos trabalhos incríveis. 

Fernando: Muito obrigado pelos elogios! Por aqui, ouvinte do TMDQA há tempos e muito feliz em colaborar 🙂

TMDQA!: Fernando, a inclusão da categoria de ‘Melhor Capa de Álbum’ no Grammy representa um marco significativo. Durante décadas, a capa foi a primeira impressão visual de um álbum físico, um portal para o universo do artista. Como você enxerga esse reconhecimento oficial para a arte visual dentro da indústria musical?  

Fernando: Acho de uma importância gigante por todos os motivos, mas especialmente nesse momento de virada com a entrada expressiva da inteligência artificial nas artes e toda discussão que isso vem trazendo, ainda mais simbólico – tanto na discussão de até onde existe a criação nesses usos quanto um passo na valorização das artes visuais em um momento de retrocessos, como, por exemplo, videoclipes sendo tidos como desnecessários – como se o único objetivo de uma expressão audiovisual precisasse de uma necessidade –  e substituídos por Reels e Tiktoks.

TMDQA!: Na sua opinião, qual o impacto direto que isso pode ter não apenas no valor e na demanda pelo trabalho de fotógrafos e outros artistas visuais, mas também na alocação de orçamentos e na liberdade criativa para a produção dessas peças?

Fernando: Sem dúvidas terá um aumento de atenção – e consequentemente demanda e orçamento-, ainda que algumas vezes o motivo possa ser colocar as mãos em um prêmio. Mas fico especialmente empolgado porque são tantas capas lindas que complementam a história riquíssima da música brasileira –  a qual segue muito rica com artistas excelentes em todo o espectro audio e visual do audiovisual (risos) –, que vejo possibilidades reais desse loop de atenção na música brasileira dar um belo passo em tudo que envolve a criação de um disco.

TMDQA!: Você já criou capas icônicas para artistas como Ludmilla e Filipe Ret. Poderia nos descrever como é o seu processo criativo desde o convite inicial para fotografar uma capa de álbum? Como você se aprofunda na essência musical do artista para traduzir a sonoridade e o conceito do trabalho em uma imagem visualmente impactante? 

Fernando: Cada capa é um processo quase completamente diferente, e eu amo isso. Acho que o que se repete é entender que por ser uma peça tão importante, você mergulha de cabeça naquela obra, no que a artista quer dizer com aquilo, nas referências e devora tudo que aparece pela frente, mas o caminho para regurgitar isso é tão distinto quanto cada álbum e cada artista. Pra mim é sempre uma co-criação, mesmo quando estou sozinho criando aquela imagem, por ser a minha arte sobre a arte do outro.

TMDQA!: Em um cenário onde capas de álbuns podem incorporar diversos elementos artísticos como  design gráfico, ilustração, tipografia e até elementos 3D. Qual a contribuição única que a fotografia traz para a narrativa visual de uma capa, conferindo autenticidade e capturando um momento ou emoção específicos? Como você equilibra a sua visão fotográfica com as contribuições de outros designers e a visão do próprio artista? 

Fernando: Vou ser sincero e dizer que não sei exatamente em que momento escolhemos qual tipo de arte ilustrará uma ideia específica em alguns casos. Quando dizemos a capa do “Imaterial” do Ret, por exemplo, minha primeira solução foi uma ilustração e só conforme a ideia do álbum em si foi mudando para o formato final, a escolha da foto como elemento central da capa se formou na minha cabeça, após quase fazermos em 3D. Já em outros casos, como do single de “Amarelo”, do Emicida, a escolha foi quase óbvia quando chegamos no caminho de uma das opções ser samplear o mesmo álbum que tem a música sampleada na faixa: a capa clássica é uma foto do Belchior com uma técnica de solarização pelo mestre Januário Garcia, e a releitura dessa capa não poderia usar outra arte visual.

TMDQA!: Olhando para o futuro, quais são os maiores desafios e as mais empolgantes oportunidades para os criadores de arte de capa em um mundo cada vez mais visual e digital? Como o avanço da inteligência artificial pode impactar o processo de criação de capas de álbuns, tanto como uma ferramenta para otimizar o trabalho quanto como um gerador de imagens que levanta questões sobre autoria e originalidade na arte?

Fernando: Não tenho nada contra a criação digital na verdade, tenho contra a não-criação, seja na plataforma que for. Meu maior receio com a inteligência artificial nesse caso é o emburrecimento criativo, mas se a pessoa teve uma ideia própria e chegou em um resultado impecável através de linhas de código, testando, moldando, intervindo e lapidando até traduzir a ideia que tava na sua cabeça em uma imagem, não acho menos arte do que uma que usou pincel e tinta, ou filme e químicos, cartão de memória e Photoshop.

TMDQA!: Há alguma história específica de bastidores de uma de suas capas que ilustra essa complexidade e a importância da imagem fotográfica em contar a história do álbum?

Fernando: Acho que o caso que citei na quarta pergunta (sobre como pra mim era extremamente importante ser uma foto na capa do single de “Amarelo” que “sampleamos” a original), pode caber aqui.

TMDQA!: Para finalizar, o Grammy listou 34 capas de álbuns mais icônicas de todos os tempos em uma matéria publicada mês passado. Mas eu gostaria de saber: Pra você, quais são as 10 capas mais icônicas? Que te inspiram e te marcaram artisticamente. 

Fernando: Meu Deus! Esta pergunta é a mais difícil, de longe (risos).  Muitas capas são icônicas por muitos motivos, vou responder no recorte das 10 primeiras nacionais que me vêm a cabeça já que o Grammy fica muito gringo:

  1. Obviamente vou falar “Alucinação”, de Belchior, né? (risos).
  2. Todos os Olhos”, de Tom Zé. Talvez mais pela audácia da imagem da capa, mas que é icônica, é!
  3. A Tábua de Esmeralda”, de Jorge Ben. Para não falar que só lembrei de fotos na capa
  4. Clube da Esquina”, de Milton e Lô. Tenho um carinho especial também pelo solo do Lô com os tênis na capa.
  5.  “O banquete” dos Secos & Molhados
  6. Eu Não Sou Santo”, de Bezerra da Silva, é pura arte
  7. Amo a capa do “Cartola II” também, mas é inegável a genialidade do “Verde Que Te Quero Rosa
  8. Roots”, do Sepultura. Tenho idade suficiente pra ter explodido a cabeça quando notei que é a foto da nota de 1000 Cruzeiros.
  9. Amo todas capas do Racionais, mas a mais icônica tem que ser “Sobrevivendo no Inferno”, muito simples e emblemática
  10. Também amo todas do BK, mas acho que a mais icônica é a ilustração do Maxwell Alexandre no “Gigantes” – aqui vale tanto pra dizer que não falei só de “A Tábua de Esmeralda” como a exceção de capas que não são fotos, quanto pela última historinha: BK tinha me chamado para  a gente conversar de eu fazer uma foto para essa capa, as agendas estavam um pouco confusas e um tempo depois ele disse que tinha mudado de ideia e ido por outro caminho. Em um primeiro momento fiquei triste por gostar muito dele e do trabalho dele, mas pouco tempo depois eu vi a escolha e entendi tudo. Linda demais, demais, demais.
  1. Tô triste que já acabaram os 10 e dá vontade de falar mais 100 (risos). 

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