Com novo single, Rashid explica ao TMDQA! que paciência é a chave de sua nova Era
Foto por Kleber Oliveira

Rashid, artista de destaque da cena do Rap nacional, está vivendo uma nova fase de sua vida.

O rapper viu seu primeiro filho Cairo, fruto do relacionamento com a empresária Dani Rodrigues, nascer no último 1º de Maio e, cerca de duas semanas antes, lançou seu single mais recente, “Pílula Vermelha, Pílula Azul”.

Sua nova música, que chegou acompanhada por um clipe impactante, apresenta uma série de referências, desde aspectos dos filmes Matrix, Akira e Blade Runner, até versos da faixa “Banditismo Por Uma Questão De Classe” (1994), do clássico álbum Da Lama ao Caos (1994), de Chico Science & Nação Zumbi.

Em conversa exclusiva com o TMDQA! dias antes de seu filho nascer, Rashid explicou que seu novo projeto é resultado da paciência que ele adquiriu durante o período da quarentena gerada pela pandemia da COVID-19.

Ele ainda comentou sobre outros detalhes apresentados na música, falou sobre sua nova forma de produção e apontou o que o público pode esperar de seus próximos trabalhos.

Confira o papo na íntegra logo abaixo!

TMDQA! Entrevista Rashid

TMDQA!: Oi Rashid, tudo bem? Obrigada por estar trocando essa ideia com a gente.

Rashid: É nós! Eu que agradeço sempre o carinho de vocês.

TMDQA!: Vamos lá! Antes de lançar seu novo single “Pílula Vermelha, Pílula Azul”, você disponibilizou há cerca de um ano a faixa “Diário de Bordo 6” em parceria com Chico César, e eu vi você falando recentemente que ficar um ano sem novos lançamentos é muito tempo para você, que está acostumado a sempre lançar coisas novas. Eu queria saber, então, como foi essa sensação de liberar o novo single e como está sendo esse retorno, dando início a uma nova era?

Rashid: Primeiro, assim, eu acho que nos dias de hoje ficar um ano sem lançar é muito tempo pra qualquer um. Há pouco tempo a gente teve uma entrevista de um dos cabeças do Spotify, não lembro de quem exatamente, e essa pessoa falava que “ah, um artista não pode ficar mais de seis meses sem lançar nos dias de hoje, porque não sei o que” e, de fato, assim né, se você encarar a realidade virtual como a realidade, como uma única realidade, como uma coisa que manda mesmo, a informação é muito rápida, muita música saindo todos os dias. Se eu não me engano são oitenta mil músicas sendo lançadas todos os dias só no Spotify, então é muita coisa. Só que eu acho que nesse meio a gente vai perdendo um pouco do propósito da nossa arte, né? E aí quando eu falo propósito, eu estou dizendo tanto da coisa mais lúdica, quanto da coisa prática. Sua pretensão artística, onde você quer chegar exatamente e onde você quer chegar enquanto artista. Enfim, se a gente acaba abraçando isso, e eu acho que o algoritmo é a parada, é o grande medo e o grande desafio, ele pode ser o grande vilão ou o grande amigo, né?

Então, ficar um ano sem lançar pode ser perigoso para alguns artistas. Só que eu acho que eu estou numa fase em que eu estou mirando outras coisas. Acho que a pandemia me deu a oportunidade — sem romantização da quarentena, pelo amor de Deus — mas eu acho que o fato de ter ficado trancado em casa permitiu que eu tivesse um tempinho ali para estudar algumas coisas e, nesse meio tempo, produzir várias coisas com muita paciência.

E eu acho que é um recurso que eu não tinha antes. Aliás, eu sempre tive a oportunidade de ter mas não usufruía bem da paciência. E eu acho que eu aprendi a trabalhar melhor com paciência, melhor e com paciência. E eu acho que isso tem feito muito bem para as coisas que eu tenho feito agora, acho que esse single é um resultado disso, sabe? O single, mais o clipe, mais todas as camadas que tem. Então todo o feedback que eu recebo dessa música tem sido muito positivo nesse sentido, das pessoas observando os detalhes. Eu acho que com paciência a gente aprende a trabalhar melhor os detalhes e, trabalhando melhor os detalhes, o todo fica mais grandioso ainda, saca? Então acho que tem seus desafios você voltar a lançar depois de um ano, mas artisticamente tem suas vantagens, né?

TMDQA!: Falando um pouco mais sobre sua nova música, ela apresenta uma série de referências tanto na própria letra da canção como em seu clipe. Você traz elementos de Matrix, Akira, Blade Runner, e também versos como os de Chico Science e da Nação Zumbi dos anos 90. Como é o seu processo criativo para conseguir juntar todos esses elementos em uma única música?

Rashid: É, então, eu sempre fui muito impulsivo com a música. Uma melodia, um refrão, um instrumental já me guiava para um determinado mood, um determinado sentimento, e eu já ia pra cima e já queria fazer e já estava “ah, quero lançar”. E aí, quando eu falo sobre paciência, o que é a coisa chave pra mim nesse momento, para fazer esse trampo por exemplo, “Pílula Vermelha, Pílula Azul”… foi um trampo que, cara, ele começou a surgir quando eu encontrei o produtor, o Grou, e a gente fez uma sessão em casa. A gente demorou pra conseguir marcar a sessão e eu sou super ansioso. Todo mundo que trabalha comigo já está ligado porque eu já mando assim para os caras, quando pegam minha música para editar, fazer alguma mudança, eu fico mandando aqueles olhinhos no WhatsApp dizendo “e aí, vocês estão ligados que eu sou ansioso!”.

E aí, então, já demorou para eu conseguir encontrar o cara, aí a gente trabalhando junto, colhendo coisas, deixar o cara levar o material todo pra casa — eu não fiquei com nada pra ouvir — para daqui alguns dias ele mandar de volta… foi todo um trabalho que foi feito, assim, de uma forma minuciosa dos dois lados, do produtor e meu, e foi feito meio que de uma forma que eu não costumo muito fazer músicas, que é como se fosse um trabalho de escola, de faculdade: você juntar os dados, juntar as peças. Pouquíssimas músicas na minha carreira eu fiz dessa forma, a maioria delas foi nascendo de forma mais espontânea.

Mas como eu disse, eu adorei fazer desse jeito. Normalmente meu trabalho é assim, uma coisa mais instintiva. A música que me traz uma cor, um mood, um ambiente, uma visão fotográfica e eu vou atrás daquilo com a poesia. E essa música foi uma coisa mais estudada mesmo. Não as referências, porque não era uma coisa pensada, “não, não, a gente tem que fazer tal e tal coisa”. Não. A ideia inicial foi: “eu quero fazer uma música que pudesse ser trilha sonora do filme ‘Akira’”, e aí a partir daí a gente tinha uma textura de som que a gente queria perseguir e a poesia tinha que fazer parte daquilo. E a minha própria poesia foi bastante inspirada na forma como o Chico Science compunha também, porque ele tinha essa coisa, das frases jogadas no contexto geral que formavam um puta texto foda mas, se você pegasse frase por frase também, cada frase tinha uma camada diferente. Então, a forma como eu tentei compor, pedindo licença aqui, foi uma forma de tentar me aproximar do jeito que o Chico escrevia, porque acho que é muito interessante e, por mais que seja dos anos noventa, como parece que é de hoje, né? Como é atual, essa música, esse disco que é o do Da Lama ao Caos, a música que é “Banditismo Por Uma Questão De Classe”, como é atual e como a poesia dele facilmente hoje poderia estar falando com a molecada se ele estivesse lançando neste momento, no caso.

TMDQA!: “Pílula Vermelha, Pílula Azul” mostra você experimentando um novo formato para o seu som. Você apontou que é a primeira vez que você interpreta duas vozes diferentes em uma mesma música e, por sinal, achei muito interessante a maneira como você apresenta isso. Queria saber como é para você se expressar dessas duas formas e como surgiu a ideia de explorar esse novo conceito no seu trabalho.

Rashid: Pô, obrigado. É isso, né? O lance de ter vindo com essa bagagem do “Akira”, e o filme já tem um pouco isso no Kaneda e Tetsuo, os personagens ali, e aí a gente traz para a coisa do “Matrix” da pílula vermelha, pílula azul, são caminhos diferentes. A brisa foi em volta disso, né? Duas perspectivas totalmente opostas de uma mesma realidade então, pá, por que não trazer agora? Até porque, tá muito latente essa coisa dentro da música Rap, essa coisa dos “tipos de Rap”, né? Se fala do Rap de mensagem e os trappers e não sei o quê, e aí um público daqui não gosta da música dali, tá ligado? Mas de certa forma — de certa forma não, a gente está totalmente envolvido na mesma coisa, no mesmo ambiente, no mesmo ritmo e na mesma luta por legitimidade artística e respeito à identidade daquilo que a gente faz, tá ligado?

Então, a partir do momento que começou a vir essa dualidade, falei “Putz, vamos meter dois personagens aqui”. E é engraçado que, pra mim, é muito natural a forma como eu interpreto o segundo personagem, que seria a pílula azul, com aquela vozinha mais aguda e uma voz mais de cabeça, porque eu faço há anos isso nas minhas sessões de fono, só que as pessoas nunca viram isso e eu não tinha me tocado que as pessoas poderiam não reconhecer de primeira. E um monte de gente veio me perguntar “quem é que está no feat com você, Rashid?”. Eu mano, sou eu mesmo! Mas eu achei isso sensacional porque pode ser que muita gente também tenha pego de primeira. “Pô, é o Rashid fazendo duas vozes ali, legal e tal”, mas eu achei sensacional o fato da interpretação ter ido até um ponto que, pô, pessoas realmente achavam que fosse outra pessoa, tá ligado? Isso foi legal pra caramba porque a ideia era essa: esse Rashid pé no chão, que é o Rashid da maioria do meu trampo, mas tem esse outro personagem que às vezes vai funcionar como consciência, às vezes vai funcionar como o diabinho no ombro ou como anjinho no ombro para outras pessoas. É isso, trazer essas duas paradas para mim, essas duas facetas da interpretação, foi um bagulho da hora.

TMDQA!: E agora que você experimentou, isso é algo que você pretende trazer em outros sons inéditos também?

Rashid: Eu acho que sim e não necessariamente de ficar toda hora explorando, fazendo vários personagens, mas o lance de explorar regiões diferentes da voz, né? Porque eu majoritariamente rimo e é sempre numa região próxima da fala. É uma coisa que eu busco porque eu quero que minha rima pareça isso, uma coisa super espontânea, que é: “o Rashid tá conversando comigo aqui nessa música”, e a pessoa vai saber se eu estou bravo ou se eu estou triste pelo o que estou dizendo e pela forma como eu estou dizendo e pela forma como eu vou interpretando mais do que se eu estou gritando ou se eu estou cochichando, saca?

Mas eu tenho trabalhado nisso, inclusive, de trazer outras regiões da voz, às vezes juntar mais vozes, trabalhar melhor as melodias, eu acho que essas coisas que a paciência me trouxe. Porque são coisas mais difíceis. Muitas vezes tenho que ensaiar pra poder gravar uma música, porque eu não sou um cantor de melodia. Então, muitas vezes, eu tenho que estudar uma música fervorosamente e ficar ensaiando para ficar bem à vontade, num som que às vezes vai pra um lado mais melódico, ou numa voz diferente, numa voz de cabeça, uma voz mais do peito e tal, então não é uma coisa tão simples. Para quem era tão impulsivo, era difícil. Agora, quando você bota a bola no chão, começa a pensar o jogo e querer explorar lugares diferentes assim, já se torna uma coisa mais confortável de fazer. Agora meu discurso é sempre assim com os caras, “eu não estou com pressa, mas vamos agilizar, não precisa ir devagar demais”. Já melhorou, né? Já melhorou um pouco.

TMDQA!: É massa que no clipe você deixa bem clara essa mudança vocal logo no início do vídeo, mostrando os dois personagens principais dublando a música com diferentes entonações. Além disso, esses dois personagens mostram as diferenças entre a utilização da pílula azul e da pílula vermelha, que é uma das principais reflexões da faixa. Eu queria saber quais são as outras mensagens que você quis trazer com a história apresentada no clipe?

Rashid: O clipe tem algumas camadas ali e eu acho que essa é a mais… não sei se óbvia é a palavra, mas é a que fica mais explícita, né? Porque está ali: pílula vermelha e a pílula azul. Mas tem um lance que eu fiz questão de conversar com o diretor e com todo mundo, que eu queria que os dois lados da história fossem atores pretos, para mostrar que o preto pode ser vilão, pode ser herói, pode ser qualquer coisa, só não pode ser só uma posição subalterna, como já foi por muito tempo, tá ligado?

Então, a gente cria um universo onde as pessoas estão em todas as pontas aqui e eu queria também dizer ali que o lance é o seguinte: a gente tem uma pessoa que está numa condição de vida melhor, pode ser uma coisa momentânea, o cara que ganhou um dinheiro ou pode ser a vida do cara aquilo ali, e ele tá preso naquela bolha a vida inteira. Aquele mano que não acredita em racismo, “nunca sofri e por isso eu não acho que existe e tal”, e a gente tem um outro irmão que está numa situação mais complicada, mais delicada socialmente falando, tá ligado? Ele está em situação de rua ou pegando umas coisas recicláveis ali pra levantar um dinheiro e tal e a gente tem um ponto no clipe em que os dois levam uma coronhada, porque a gente queria causar essa relação para os mais atentos e, no final do clipe, os dois estão com olho machucado, que era para a gente criar esse ponto que, no final do dia, irmão, é a mensagem daquela música do Jay-Z, “The Story of O.J.”, que ele diz: “Still nigga”. No final do dia, vocês são pretos, mano. No final do dia, nós é tudo preto e é isso aí, tá ligado?

Então a gente tem que se ligar, não importa muito a condição social onde você está. Isso em determinados locais vai contar, e muito, mas dependendo do olho de quem vê, né? Do ponto de quem está olhando, no final do dia vocês são tudo igual. E também tem um lance de muitas vezes essas duas figuras estarem na cabeça de uma só pessoa; são dilemas que a comunidade preta passa muitas vezes, que é o lance do sucesso individual e a causa, né? E o coletivo. O progresso do coletivo e o sucesso individual. Muitas vezes é vendido para nós, pessoas pretas, que se você quiser vencer você tem que largar todos esses baratos aí; vem por esse caminho aqui, não sei o quê, e às vezes também existe uma confusão de que o sucesso de um indivíduo preto significa o sucesso de todos. Não é. De certa forma, sim, se ver representado nos lugares é um sucesso coletivo, mas isso não pode ser esvaziado a ponto de “ah, beleza, porque o Jay-Z é bilionário, nós tudo venceu”. Não é bem assim.

Então, várias vezes a gente é colocado nessa situação de dualidade de conflitos internos também. Tipo, “e aí, você vai trabalhar por você ou você vai ficar aí trabalhando pela causa”? Essa é uma das mensagens do clipe também de que, às vezes, a gente tomou as duas pílulas em algum momento da vida e está tentando decidir de fato para que caminho que a gente vai nessa bifurcação. E várias outras coisas, né? Tem uma coisa mais implícita, eu acho, quando você vai abrindo as pastas ali, vai se aprofundando mais na coisa de onde e até onde o consumo vai nos levando, tem muita coisa ali. Tem a coisa da live, do momento ali, “o que dá audiência?”. A gente acabou de passar por esse momento aqui, em que a mina foi super exposta com o lance do cara lá em situação de rua e o marido que bateu e, assim, todo mundo ficou famoso. E aí? E a mina, tá ligado? Então a gente vê que o que vai dando audiência é cada vez mais o bagulho que puxa a gente para baixo. E, no final das contas, existe ali no clipe também essa coisa de que beleza, nós estamos tretando aqui, tretando, tretando entre nós, e no final do dia a única pessoa que passa ilesa no nosso videoclipe é a pessoa branca, tá ligado?

Continua após o vídeo

TMDQA!: A gente está em um ano de eleições e tanto alguns dos temas que você comentou agora como também outros que você abordou ao longo da sua carreira retratam aspectos da nossa sociedade e do cenário político do país. O quão importante é reforçar essas questões nas músicas e fazer o público refletir principalmente nesses meses que antecedem as eleições?

Rashid: Ah, é vital para mim. Como artista com a minha origem e com a minha cara, com a minha cor, com a minha caminhada, para mim é vital esse tipo de ideia, esse tipo de discurso, colocar essas cartas na mesa, ainda mais num ano como esse. Porque assim, a gente já tem vivido uma loucura, uma coisa que o absurdo foi naturalizado — inclusive isso emenda com a mensagem de que o que tem dado audiência cada vez mais é o absurdo que foi naturalizado. E eu acho que a gente tocar nesses temas é o papel essencial de quem se propõe a traduzir seu tempo em arte, tá ligado? Esse é o tempo que a gente tem vivido. E aí isso vai servir para entreter, vai servir pra fazer chorar, pode servir para fazer rir, mas a gente está retratando o nosso tempo e, para a minha música e a arte em geral, são instrumentos essenciais de estudo. Para você compreender um tempo, quando você quer entender ali, “não, vamos estudar a arte do movimento modernista”, você vai entender muito de como era o Brasil, São Paulo, ali dos anos 20 e tal. Então assim, a música para mim é essencial como documento histórico. Acho que a gente traz essas coisas e estar sempre levantando essas bandeiras também tem esse viés.

Para mim, no meio disso tudo, muitas vezes a gente questiona qual é o papel da arte. Eu acho que um dos papéis da arte, de fato, é como um documento histórico, é como cura também, emocional, espiritual, são momentos diferentes, né? Uma vez eu vi o professor Luiz Simas falando que, acho que o pai dele ou o avô dele, dizia que “a gente não faz festa porque a vida é boa, a gente faz festa porque a vida não é boa”. Então, a música vai entrar nesse momento também, para a gente se esquecer de algumas coisas, e outras vezes ela vai entrar para que a gente se lembre de certas coisas, saca? Então quando a gente coloca músicas assim na rua é para que a gente se lembre de certas coisas, se lembre do passado, se lembre do presente e também para que a gente tente não repetir isso aí, especialmente em um ano desse aqui, onde daqui a pouco a gente vai estar definindo novamente o futuro do país.

Então, músicas como “Diário de Bordo 6” e a própria “Pílula Vermelha, Pílula Azul”, que à sua maneira também tem essa coisa de “presta atenção no que a gente está fazendo com a sociedade, com o nosso país, tá ligado?”. Olha só a festa que a gente fez porque um cara [Elon Musk] acabou de gastar quarenta e cinco bilhões de dólares numa compra [do Twitter]. Um dinheiro que daria para bastante coisa no mundo e a gente aqui fazendo “aê, não sei o que, pô, legal”. Que legal, mano? Segue sua vida aí, amanhã você vai ter que acordar cedo e trabalhar. É isso, segue sua vida aí porque essas pessoas já demonstraram que não vão ajudar mesmo. Então, o nosso papel é esse, né? Às vezes falar coisas óbvias. A gente discutia muito no começo da carreira que às vezes o óbvio é o que vai causar espanto, né? Porque as pessoas às vezes se negam a falar o óbvio, ou por medo ou porque querem se esquivar daquele assunto, e às vezes o óbvio soa como um tapa na cara. Às vezes as maiores ‘punchlines’ são com as coisas mais óbvias que a gente poderia dizer.

TMDQA!: É verdade, Rashid. Mudando um pouco de assunto, eu não posso deixar de compartilhar com você que todos nós do Tenho Mais Discos ficamos tristes com o segundo cancelamento do seu show no Lollapalooza Brasil. Inclusive, publicamos no site seu desabafo que foi super emocionante. E falando sobre isso, ao final do seu texto você disse que prefere “acreditar que um poder superior está me passando uma mensagem” que naquele momento você não era capaz de interpretar. Queria saber como você enxerga isso agora, um mês depois do ocorrido.

Rashid: Eu não sei ainda, não consegui traduzir ainda. Mas eu sei que eu não estou mais triste, não tenho mais nenhum peso. No momento ali foi bem frustrante, sinceramente, mas neste momento aqui eu estou bem leve com isso. Não sei em que momento que a gente vai poder voltar a ter esse convite para tocar lá e tal, mas nesse momento eu estou bem leve, bem focado em outras paradas e, tipo, não sei, passou. E quando eu falo assim “não sei”, eu não sei mesmo. Não tô nem me esquivando e nem sem saber o que falar. É porque eu realmente… sabe quando [você tem] um quebra-cabeça que faltou umas peças, que simplesmente não vieram na caixa essas peças, tá ligado? Então, eu não consegui decifrar essa figura e não sei também.

Eu tenho alguns camaradas que são até mais religiosos do que eu e um deles é um pastor, muito sangue bom e muito lado a lado assim com nós, com nossa luta, e ele falou assim: “mano, não caia nessa não de que Deus está tentando te passar uma mensagem através de uma coisa tão triste. Não, mano. Deus está do seu lado, está indignado com você. Está revoltado com você também. Mano, esse maluco aí tem que ter a chance dele”. Isso é muito louco de se pensar também. Eu falei, “é real”. A gente geralmente pensa que ”pô, por que aconteceu isso comigo?” e eu acho que a pior coisa que você pode fazer num momento como esse é entrar nessa de “Por que eu? O que será que eu fiz? Será que eu taquei pedra na cruz?”. Não, segue a vida.

A gente vive num movimento que é uma loucura, né? Assim, enquanto artista de Rap, vir de onde eu vim, ali, naquele lugar ali, é uma parada muito especial porque a gente passou por muita coisa que as pessoas não fazem ideia e jamais farão porque muitas não querem nem fazer ideia do que foi o que a gente passou antes mesmo da carreira começar. Então, estar ali é tipo assim, “mano, a gente representa um barato aqui, tá ligado?”. Mas, de certa forma, todo o apoio das pessoas que eu também recebi, naquele momento ali, fez eu me sentir muito abraçado e respeitado. Eu recebi mensagem de muita gente, de lugares que eu nem imaginava e pessoas que são ídolos da música e eu falei, “mano, esse barato aqui é impagável também, entendeu?”. Então, se tem que tirar uma coisa positiva — se é que a gente precisa ficar tirando coisa positiva de tudo, né? Mas se tem um barato aí, é isso aqui, mano. Essas pessoas aqui demonstrando respeito, para mim é demais. É o combustível aí para o próximo ciclo. Vamos aí. Vamos partir para cima. Vamos virar essa página e escrever a próxima.

TMDQA!: Com certeza! E falando da próxima página, você comentou que o lançamento de “Pílula Vermelha, Pílula Azul” marca um ponto de virada em sua carreira. Queria saber que novo caminho é esse e o que o público pode esperar do Rashid em 2022?

Rashid: Eu tenho produzido coisas, trabalhado, pensado, escrito. E acho que nesse ponto, assim, eu nunca tinha conseguido deixar que minhas influências aflorassem na minha arte de uma forma explícita, objetiva e que realmente eu permitisse que todas essas coisas tão ricas que eu consumo enriquecessem também a minha arte, sabe? Isso sempre ficava numa certa camada ou ali numa coisa, em uma citação, numa rima, nesse tipo de coisa. E agora, eu acho que nessas novas coisas eu meio que permiti que essas coisas me ajudassem a dar uma cara para o Rashid de amanhã. É sempre essa brisa, né? “Qual é o Rashid de amanhã? O que que a gente vai apresentar?”. Porque eu tenho que pensar sempre no seguinte: se eu estiver fazendo um disco, se eu estiver fazendo um single, eu vou lançar daqui a dois meses uma coisa que tem que ser legal daqui a dois anos ainda. Então, eu tenho que prever o futuro no que eu estou fazendo, essa tem sido meio que a minha filosofia de trabalho.

Então, por isso que eu estou permitindo também que essas coisas aflorem. Eu acho que essa forma de trabalhar tem sido muito diferente das minhas produções recentes e eu acho que isso me ajudou a amadurecer muito na produção, na composição e no pensamento em relação ao que eu tenho feito e na proposta do que eu tenho feito. E, assim, mas não é só nesse campo lúdico, tem uma coisa que é da forma de colocar as coisas na rua que a gente tem algo pra apresentar que eu acho que vai virar uma chave, mas eu também não posso falar mais do que isso agora.

Porque eu acho que a gente criou uma coisa que realmente vai… não sei, pode espantar, pode chocar, pode agradar, pode desagradar, mas a gente tem um caminho e tem coisas pra colocar nesse momento na rua que vão virar uma chave na forma como as pessoas percebem, pelo menos como a música do Rashid pode ser colocada na rua. Talvez até a forma como as pessoas percebem que as músicas podem ser colocadas na rua, mas é uma coisa que vai chegar e logo mais as pessoas vão saber mais sobre. E também tem a coisa de que está começando uma fase, né? Tipo, o meu filho está chegando, vai nascer e, assim, é um outro momento, eu não sei. Eu me sinto pai já, eu já sou mas ainda não sou porque a criança não está aqui, então são sensações diferentes. Mas isso te coloca pra pensar em muita coisa e te deixa mais atento e mais propenso a trabalhar as coisas com paciência, porque uma criança demora pra chegar e a ansiedade durante o processo de gravidez é o que você mais tem e você vai aprendendo a lidar com isso. Quando você aprende a lidar com essa necessidade desse tamanho, ansiedade pra trabalhar num single, numa música, num disco é outra ideia. Tipo, é outro patamar. A gente tá falando de um ser humano, né?

Enfim, então acho que isso é uma coisa importantíssima. Essa sabedoria pra lidar melhor com o tempo, porque se a gente entrar na pira do tempo algorítmico aí eu vou ter que lançar uma música por semana. E respeito total quem faz isso, eu já fiz isso de lançar uma música por mês no meu disco Crise, mas eu já fiz isso e agora eu quero fazer outras coisas.

TMDQA!: Para encerrar, quero trazer um questionamento abordado na sua nova música. Se você tivesse que escolher entre a pílula vermelha e a azul, qual você tomaria e porquê?

Rashid: Acho que eu já fui na pílula vermelha faz tempo, né? Já escolhi desde o começo da carreira. Por quê? Não sei, acho que a minha música artística é essa, né? Me aproximar mais da verdade das coisas, acho que essa é para onde está voltado o meu senso sensível do artista. Tipo, para buscar essa verdade nas pessoas, nos acontecimentos, na história e em mim mesmo, a forma como eu gosto de expor a minha própria figura na minha música, as fraquezas e as forças também. Acho que essa é a parada, tá ligado?

Acho que eu já tive uma oportunidade de dividir esse caminho mesmo, tipo assim, se o Rashid quisesse ter virado o artista de “Bilhete” para sempre, fazendo uma atrás da outra, de certa forma numa figura de linguagem, essa poderia ter sido a minha pílula azul e talvez eu poderia estar aí bombando, mas também não sei até quando. Agora, a minha pílula vermelha é justamente o meu compromisso com a realidade e essa realidade também envolve amor, mas envolve muitas outras coisas.

TMDQA!: É isso, Rashid. Muito obrigada pelo papo, foi um prazer trocar ideia com você. A gente fica aqui aguardando os próximos lançamentos e as novas estratégias também. E que seu filho venha com muita saúde, com muito amor e muita luz para você e sua família.

Rashid: Obrigada, Lara. Valeu, foi demais o papo aí, obrigado pelo carinho também.

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