amazonica
Foto por Kai Marks

Victoria Harrison renasce como Amazonica, uma persona que engloba todas as possibilidades dessa artista multifacetada. Conhecida como DJ que abre shows de alguns dos principais nomes do rock – de U2 a Liam Gallagher e Machine Gun Kelly -, ela já teve sucesso como Dirty Harry, pseudônimo que a levou ao Top 40 do Reino Unido e a participar de faixas com Tommy Lee (“Makin’ me crazy”) e Cradle of Filth (“Temptation”).

Mas a reinvenção como Amazonica foi a mais longa de sua carreira. O álbum de estreia, Songs From The Edge, ficou 11 anos na geladeira de uma gravadora que reteve os direitos até perdê-los na justiça em um processo iniciado no ano passado. Depois de rodar o mundo e tocar nas festas dos ricos e famosos, passar por um longo período de desintoxicação química e se encontrar no budismo, Victoria estava pronta para enfrentar uma batalha judicial para ter direito a lançar e comercializar as próprias canções.

Valeu a pena. Agora, a artista anuncia essa nova fase com um álbum ao mesmo tempo saudosista e moderno. Com o grunge como norte, ela flerta com o blues e o hard rock em canções que dialogam com a sua luta interna contra seus demônios em uma época em que tentava permanecer sóbria, superar um coração partido e recomeçar a vida em outro país.

Victoria traz essa sensação de livro aberto de suas canções ao conversar sobre sua jornada de autoconhecimento e amadurecimento. Ela falou com o Tenho Mais Discos Que Amigos! sobre a escolha desse novo nome, a vontade de vir ao Brasil, os desafios da sobriedade, o cenário do rock atual, a dualidade de ser DJ e rock star e muito mais.

Confira abaixo após o vídeo!

 

TMDQA!: Olá, Victoria! Quero falar sobre o disco, claro, porque sei que houve toda uma jornada até ele de fato ser lançado. Houve alguma questão com você não ter os direitos das músicas, então queria que você me levasse nessa jornada. Como foi até que ele finalmente saísse?

Amazonica: Então, basicamente, é uma daquelas sagas de cinema super longas, onde você vai pra outro planeta e tem que vencer uma guerra. Foi uma loucura. Eu fiz o disco e a gravadora que iria lançar originalmente queria que eu vendesse um monte de histórias sobre os meus amigos, que eram famosos e saíam nos tabloides, porque não faziam a menor ideia sobre a música. Achei isso nojento e obviamente me recusei. E eles disseram “então não vamos lançar o disco”, e eu disse, “okay”. E eles falaram que queriam que eu entregasse os direitos de graça e eu disse que não. Então virou uma luta de poder em que eles queriam que eu fizesse muitas coisas que eu não queria fazer. Embora eu amasse o disco e queria que ele saísse da forma certa, eu não ia fazer essas coisas baratas para…

TMDQA!: É, tipo… “entrega seus amigos, ou então você vai se ver com a gente”.

Amazonica: Isso. E as suas músicas, “vamos roubar suas músicas de você”! E eu fiquei tipo, “isso é devastador pra mim, porque eu quero lançar esse disco”, mas eu não sei o que vai acontecer no futuro, não era um relacionamento saudável entre eu e a gravadora. Eu sou budista, entoei vários mantras e pensei “Não há nada que possa fazer agora, vou ter que ir com calma”. E foi isso que fiz (risos). E as pessoas mudam, a gravadora também passou por muitas coisas, e no ano passado, quando a pandemia aconteceu, eu estava tão ocupada sendo DJ que não tinha tempo de cuidar do meu catálogo. Então chamei meu advogado e falei, “vou pegar meu disco e as minhas músicas de volta, quero ser dona de tudo”. E não só peguei os direitos e os fonogramas desse álbum, mas também do meu primeiro disco. E montei meu próprio selo, porque ninguém nunca mais vai ser dono das minhas músicas. Eu vou manter controle das minhas composições, e tem sido uma luta, mas eu amo músicas atemporais e não sigo tendências. Eu só faço o que eu amo e naquela época da minha vida, meu primeiro disco foi mais experimental, era meio eletrônico e meio rock, mas eu queria fazer um disco de grunge, era algo que estava em mim. E o processo de composição foi todo feito numa guitarra, eu estava sem dinheiro morando em um apartamento em Hollywood Boulevard, eu tinha terminado com meu namorado e me mudado para Los Angeles. Estava tentando lidar com as minhas emoções e era o fim da minha bebedeira e uso de drogas, o que eu não fazia mais, e era um momento muito transformador. Esse disco é um retrato dessa época. Eu fiquei muito feliz, porque fiz o disco grunge do meus sonhos, basicamente!

TMDQA!: E o disco de grunge que nós não sabíamos que precisávamos em 2021!

Amazonica: Sim, exatamente! (risos)

TMDQA!: Mas você tocou em alguns assuntos que eu queria falar, na verdade. Porque você comentou de finalmente estar em casa e bem, acho que você não imaginou que quando esse disco saísse, seria no meio de uma pandemia. Talvez você pensou que ia fazer turnê, viver vida de rockstar! Mas aí veio o Covid. Então queria saber o que foi que te fez dar esse clique de “é agora ou nunca”. Foi o fato de ter ganhado o disco legalmente ou talvez ter ficado em casa…?

Amazonica: Eu só queria lançar música, porque tinha feito tanta turnê antes do Covid! Eu fiz turnê com Marilyn Manson pelo mundo todo por dois anos, depois fui com o Machine Gun Kelly pela Europa, então estava viajando muito, mas não lançava músicas. Então as pessoas não me viam como artista, e sim como uma DJ maneira que abria os shows. E eu fiquei preocupada com isso, porque tinha tanta música que gostaria que as pessoas ouvissem, não me sentia parte das conversas que aconteciam. Veio a pandemia e eu fiquei tipo, “então vamos lançar as músicas”. Porque da próxima vez que eu fizer turnê, as pessoas vão conhecer as músicas e podem falar, “ah, ela é essa garota, isso é o que ela faz”, e eles podem me conhecer melhor, a minha história. Porque eu sempre fui artista, tive meu primeiro contrato desde os 15 anos por escrever minhas próprias músicas, em Londres. Então isso sempre veio primeiro. Mas a maioria das pessoas me conhece como DJ. Agora posso ser quem eu realmente sou: sou artista, sou DJ, sou ambos. Posso ser uma DJ de rock, isso faz total sentido pra mim. E o novo disco é… Eu poderia ter lançado o novo primeiro – porque acabei produzindo meu próprio álbum -, mas esse foi feito com o Luke Ebbin, que é incrível. Esse saiu e vou seguir com o mais novo logo depois. Estou muito empolgada!

TMDQA!: Ótimo, vamos ficar de olho! Falando na questão da sobriedade, você postou há um tempo que estava chegando a quase 10 anos sóbria – talvez agora seja mais de 10.

Amazonica: Isso, serão 11 anos esse mês.

TMDQA!: Parabéns! E você até cita isso em uma das faixas e eu fiquei com a sensação de que você estava usando a música como uma forma de trabalhar isso dentro de você, talvez para se reconectar a algo dentro de si mesma, de superar o fim do seu namoro… Foi assim mesmo?

Amazonica: 100%. Eu estava lutando com isso. É curioso, quando eu já tenho um tempo de sobriedade, ouço minhas músicas e noto o quanto elas eram sobre as drogas, sobre beber, ou algum aspecto disso, porque era quem eu era. Eu estava lidando com muitas coisas no disco, o uso de drogas. E quando eu terminei o disco… eu estava sóbria no processo de gravação, era fácil porque eu estava tão feliz de estar com pessoas incríveis, fazendo um álbum no melhor estúdio de LA, e tudo isso. Mas depois que terminei, queria comemorar e não sabia como. Então só comprei muita coca, enchi a cara, usei muitas drogas. Me levou muito tempo até aprender a comemorar sem isso. Agora eu estou sóbria há muito tempo, mas depois do disco, acabei tendo um relapso.

TMDQA!: É um processo muito emocional, eu imagino. Mas falando sobre o estado das coisas atualmente, o rock não tem o mesmo status que já teve – em termos de relevância na cultura popular, digo. O pop e o hip hop estão na frente nesse sentido. Mas parece que tem uma nova geração redescobrindo o rock, pegando guitarras, especialmente mulheres. E você é alguém que é DJ, é musicista, está sempre olhando à sua volta nesse mercado. Você acha que está diferente de quando você começou?

Amazonica: É estranho… Acho que a música está diferente. As pessoas não ouvem mais tanta música, por causa do Instagram e coisas assim, tudo mudou, totalmente. A música costumava importar mais uns anos atrás, parece tão descartável agora. Porque ninguém precisa de fato pagar por ela, então o valor caiu, penso. Se é algo que mexe com você, se você encontra um artista ou uma canção que significa tudo pra você, isso é algo atemporal. Existe mais rock, o Machine Gun Kelly está fazendo coisas incríveis, levando para o mainstream, pensando de forma mais pop. Muita gente está ganhando contratos com gravadoras, ele faz turnê com muitos artistas incríveis, como KennyHoopla, e não acho que eles conseguiriam se lançar e receber tanta atenção cinco anos atrás. O Måneskin é um fenômeno, eles são incríveis, e as pessoas estão famintas por isso. E os jovens não viam algo de rock há tempos, então acharam sensacional. As gravadoras viram que havia um público pra isso e apostou mais.

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TMDQA!: E você estava falando sobre ser DJ de rock. Mas você se descreve como artista primeiro, então acho que você não precisa escolher, pode ser um e outro. Mas criativamente, imagino que eles venham de um lugar diferente no seu cérebro. Quando você está sendo DJ, quando está tocando guitarra… como funciona pra você? Você liga e desliga quando quer? (risos) Ou talvez sempre haja um pouco da DJ na rockstar e vice-versa?

Amazonica: Quando eu escrevo músicas, é sobre expressar meu coração, minha alma, meu espírito. É daí que vem. Mas quando eu sou DJ, é sobre vocês. É sobre me conectar com a plateia, o que eles querem ouvir, então vem de lugares diferentes. E é aí que os DJs erram. Quando eles sobem no palco e pensam “Isso é o que eu fiz” e não pensam no que o público quer ouvir, e sim só no seu ego, isso fode todo o processo. Como um DJ, você é um xamã, se conecta com a multidão e é sobre aumentar suas vibrações e deixá-los felizes. E quando eu toco as minhas próprias músicas, com a minha banda, eu vou ser eu mesma, você vai ouvir minhas músicas, com a minha voz, estou projetando isso em você. Não é sobre o público. Então são duas maneiras diferentes de me ligar a outras pessoas.

TMDQA!: Faz total sentido. E falando no rock estar com mais destaque atualmente, está bem claro que as mulheres que vieram antes abriram caminho para que você e muitas meninas jovens estarem fazendo o que fazem. Você está nessa cena há um tempo, então falando no cenário para as mulheres, como você vê agora? Não sei se você tinha tantos modelos a que aspirar, e hoje parece que as meninas têm tantas mulheres incríveis para admirar. Então como você vê essa realidade para as meninas que estão surgindo agora?

Amazonica: Não sei se existem tantas artistas mulheres que estão ganhando notoriedade no rock agora e que eu ouço. Eu gosto muito do novo disco da Halsey, é muito bom, mas ela não é uma artista de rock, sempre gravitou mais em direção ao pop. Então seria ótimo se tivéssemos alguém como a Joan Jett, Deborah Harry, mas eu não as vejo por aí. Elas não estão aí ainda. Então quem sabe? (risos) Eu queria que houvesse mais, porque não há tantas meninas que eu vejo, todo mundo parece estar fazendo pop. E é uma pena.

TMDQA!: E eu não poderia deixar de notar seu nome artístico, que parece com uma famosa floresta que os brasileiros podem conhecer! Queria entender como esse conceito da Amazonica surgiu para você, se você tem alguma ligação especial com essa região.

Amazonica: Foi algo do destino! Eu nunca fui ao Brasil, mas estou louca para ir à América do Sul como um todo. Mas nessa transformação toda, enquanto eu evoluía da persona de Dirty Harry nessa versão mais espiritual, budista, sóbria e DJ, eu pensei: “preciso de um novo nome”. E eu procurei no Google coisas sobre budismo, sobre a flor de lótus, que vem da terra, ou seja, “sujo”, como Dirty. Só achava coisas que soavam como restaurantes chineses, mas achei algo escrito “Victoria Amazonica”. E Victoria é meu nome, e Amazonica me lembrou as amazonas, que são incríveis. Então havia muitas coisas do folclore brasileiro e peruano que explodiram minha cabeça. O nome expressava tudo que eu queria dizer sobre renascimento, sobre morrer, sobre sucesso e ambição. Foi feito sob medida para mim. Eu fiquei muito obcecada com a América do Sul agora, então estou doida pra ir, porque já estive tanto na Europa, na América do Norte… mas a América do Sul eu sinto que é algo novo para mim. Está me chamando! Eu tenho o nome, e agora eu vou. Vai ser uma parte importante do resto da minha vida.

TMDQA!: Sim! Pode ser como voltar para casa.

Amazonica: Exatamente!

TMDQA!: É isso que eu ia te perguntar em seguida. Até joguei no Google pra saber se você já tinha tocado aqui, porque temos uma cena de festivais fortes e muitos DJs vêm, mas acho que você nunca veio. Então a próxima pergunta óbvia é: quando? Talvez quando for seguro fazer shows aqui, claro.

Amazonica: Quando vocês quiserem! Eu acabei de ter Covid, então eu posso ir, entro em um avião e vou! (risos) Já tomei as duas doses da vacina e já tive Covid, então estou boa de anticorpos (risos).

TMDQA!: Mas você está bem?

Amazonica: Sim, estou bem agora! Não foi divertido, mas já estou melhor. Não vejo a hora de tocar aí. E também porque o público não parece pretensioso. Sabe o que quero dizer? Às vezes as plateias no Reino Unido, na Europa, nos EUA, parecem meio reticentes, e tudo que vi do Brasil, as pessoas enlouquecem. E essa é a melhor parte, porque eu também vou à loucura. Eu sou assim mesmo que não tenha ninguém assistindo (risos), mas é ótimo quando as pessoas também enlouquecem comigo.

TMDQA!: Nós somos conhecidos pelo nosso… calor. Talvez sejamos calorosos até demais!

Amazonica: Assim que é bom! Vocês são como eu!

TMDQA!: E só pra encerrar, queria fazer um pingue-pongue. Pode dizer o que vier à mente primeiro. Se tivesse que descrever Amazonica em três palavras, quais seriam?

Amazonica: Quente, inteligente, poderosa.

TMDQA!: Boa! Melhor lugar onde você já tocou.

Amazonica: Meu Deus… Chicago! Eles enlouquecem! Chicago é um sonho de se tocar.

TMDQA!: Contato de celebridade mais icônico que você tem no seu telefone agora.

Amazonica: Mais icônico… Tem tantos!

TMDQA!: É um problema ótimo de se ter.

Amazonica: Courtney Love!

TMDQA!: O que a música significa pra você?

Amazonica: Tudo. É a minha alma, meu coração, meu corpo, meu sangue.

TMDQA!: Rock: morto ou vivo?

Amazonica: Sempre vivo e curtindo!

TMDQA!: Melhor música do ano até agora?

Amazonica: Amo “papercuts”, do Machine Gun Kelly.

TMDQA!: Essa é ótima. E sua música favorita em Songs From the Edge?

Amazonica: Talvez “Let Go of Me”, mas é muito difícil. Eu amo essa música.

TMDQA!: É como dizer “escolha seu filho favorito”! E quando a pandemia acabar, eu vou…

Amazonica: Eu vou fazer turnê nessa porra desse mundo todo! (risos)

TMDQA!: Obrigada por seu tempo, Victoria. Boa sorte com o disco, ele finalmente é seu.

Amazonica: Eu que agradeço pelo apoio. Significa muito pra mim, obrigada!

TMDQA!: Esperamos te ver aqui no Brasil em algum momento.

Amazonica: Sim! Eu quero muito ir!

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