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É possível fazer música pop brasileira com sotaque?

Por Patrick Torquato

Um outro Norte é possível.

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Escrever a história a partir de seu olhar, de seu sotaque, dos pontos de vista que te instigam é uma narrativa que historicamente foi proibida para nordestinos e nortistas. Entender seus valores, não ter vergonha de suas cores e identidades foi perversamente anulado por uma máquina midiática poderosa que, até hoje, zomba da capacidade de alguns contarem a sua versão dos fatos.

É quando estes sujeitos tomam consciência de seus corpos, desejos e tensões que passam a se libertar destas amarras e não mais replicar preconceitos impostos por velhos padrões hegemônicos. Prova disso é o resultado do encontro entre Gaby Amarantos e Jaloo. Uma mulher preta e periférica e um homem gay de ascendência indígena, dois grandes ícones da cultura pop do Brasil contemporâneo, se encontram em “Tchau”, novo single lançado pela Deck na última sexta-feira (25).

Continua após o vídeo

Gaby Amarantos e Jaloo

Antes de tudo, é preciso compreender que o brega é a terceira mais potente expressão musical brasileira, atrás apenas do samba e do forró. Nem com seu recente apogeu, o sertanejo pop universitário chega aos pés dos mais de 60 anos desta musicalidade tão brasileira, diversa e que atravessa classes sociais e públicos.

É nessa sonoridade, com suas histórias e estética, que se constrói o pop brasileiro, não de agora, mas há várias décadas. Na contramão da indústria da música tradicional, o brega e seus derivados emergem de forma espontânea da população trazendo consigo uma identidade autenticamente popular, presente na força de suas melodias e letras, dos lotados bailes das periferias de Norte a Sul.

Em “Tchau”, a produção de Jaloo eleva a tragicomédia melodramática da letra a um charmoso brega pop futurista, com climinha de R&B de Rihanna e delicada timbragem à la James Blake. Tudo isso sem abandonar a estrutura rítmica já clássica do bolero. Importante ressaltar que, há bastante tempo, Gaby e Jaloo têm se aproximado das vanguardas latinas, tanto com as obras sonoras, quanto nos figurinos e concepção visual de suas performances. Estão em sintonia com nomes como Bomba Estéreo (Colômbia), Dengue Dengue Dengue (Peru), La Yegros (Argentina) ou Ana Tijoux (Chile).

Tanto a música quanto o clipe são um primor de construção e fortalecimento de um pop tropical contemporâneo brasileiro, uma verdadeira aula de identidade estética, sem medo de mostrar o que se é, com cores e sabores quentes, fortemente apimentados por detalhes que rompem estruturas opressoras do patriarcado e da branquitude heteronormativa. Algo que vai desde o xixi no copo de plástico, quando o WC está ocupado, no vídeo, até a liberdade de falar da farsa do amor de pica na letra.

O single fala de uma relação tóxica, de “cortar pela raiz” um relacionamento abusivo.
“É importante a gente conseguir arrancar essa toxidade da nossa vida. E ela pode aparecer numa amizade, na família, no trabalho, num político em quem votamos e não está nos representando, num time de futebol ou outras formas de dependência”, explica Gaby.

Hey Brasil, um outro pop é possível, e os paraenses mostram que eles sabem o que estão fazendo.

Você pode assistir ao clipe logo acima e/ou ouvir a música na playlist oficial do TMDQA! no Spotify, logo abaixo.

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