Lima Duarte
Reprodução/YouTube

Os fãs da dramaturgia brasileira sentiram o peso da morte de Flavio Migliaccio, ator famoso por diversas novelas. Nos últimos dias, porém, a homenagem mais profunda — e até triste — veio de Lima Duarte.

O veterano global era amigo de Migliaccio, que faleceu na última segunda-feira (4) e deixou uma carta de despedida, da qual não reproduziremos o conteúdo aqui em respeito à família. Em vídeo, porém, Duarte comentou a mensagem deixada pelo falecido amigo e o respondeu, de certa forma.

Citando o momento que o país vive, Lima disse concordar com a desesperança expressada por Flavio e relembra, também, a ditadura. Em uma passagem mais pesada de sua fala, Lima Duarte ainda admite não ter a mesma coragem do amigo e colega de profissão.

Leia a mensagem abaixo (via UOL):

Eu te entendo, Migliaccio, eu te entendo. Porque eu, como você, somos do Teatro de Arena, com o Paulo José, com o Chico de Assis, com o Guarnieri, aprendemos com o Boal que era preciso, era urgente que se pusesse o brasileiro em cena, numa interpretação de um Brasil dominado por essa interpretação de consumo, determinada por Hollywood, éramos uma colônia cultural -somos ainda. Era urgente que se pusesse o homem brasileiro em cena, com o seu falar, com o seu sentir, com o seu jeitão, a alma brasileira.

Você foi um mestre, você conseguiu colar, e eu também. Colocamos em cena o homem brasileiro, foi linda essa viagem, essa aventura foi espetacular. Nos dedicamos a isso com ardor, com paixão, colocar o homem brasileiro, a alma brasileira em cena, nós conseguimos isso no Teatro de Arena, foi lindo.

Depois, e é por isso que eu te entendo, veio 64. Pouco depois de 64, nós ficávamos ali na escada da Tupi, que tem até hoje aqui no Sumaré, Dionízio Azevedo, o Walter Durst, o Túlio de Lemos e o Plínio Marcos, ficávamos ali esperando a veraneio que viria nos buscar, um carro daquela época. Um dia virou um à direita ali na esquina da Tupi, encostou, eu disse: ‘É a minha’. E todos disseram: ‘é isso, Lima, vieram buscar o Ariclenes’.

Nesse momento, veio uma coisa de tumor, fundo e úmido, quando eu tive que me virar pro Dionízio e dizer: ‘vai lá em casa e avisa que eles vieram me buscar. Diz pras minhas meninas: ‘papai volta, papai volta’, avisa lá em casa. E acompanhei os senhores até o Dops, ali onde hoje é a Cracolândia. Aí, quando entrei numa sala sombria, à direita, dois cavalheiros sentados: Tuma, assistente do delegado Fleury, estavam ali os dois a se perguntar: ‘quem é, quem é?’ ‘Não, é um ator, estava nos cadernos do Prestes, é um ator’. E eu fui prestar o meu depoimento.

Minha história lá é uma história que oportunamente eu conto pra vocês, mas garanto que a mim dói também. Por isso, por ter vivido esse momento, por ter pertencido ao Arena, eu digo que eu te entendo, eu entendo, Migliaccio.

Agora, quando sentimos o hálito putrefato de 64, o bafio terrível de 68, agora, 56 anos depois, eu tenho 90, você com 85, quando eles promovem, agora, a devastação dos velhos, não podemos mais. Eu não tive a coragem que você teve, mas você me espera aí, meu amigo, eu vou logo, vou me encontrar com o Boal, com o Flávio Império, com você, e vamos nos encontrar e contar aquelas piadas horrorosas que você contaria, o Chico de Assis apontava. Nos encontramos logo.

E olha, pra terminar, pra os que ficam, eu quero lembrar uma das falas de Pedro Jáuqeras em ‘Os Fuzis da senhora Carrar’:

‘Os que lavam as mãos o fazem numa bacia de sangue’.

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