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Foto: Divulgação

Gagged é um quarteto de hardcore da cidade de São Carlos, formado por Zeca Ruas (Vocais), Junior Maggi (Baixo) Rodrigo Zanin (Guitarra), Luiz Henrique Leite (Guitarra) e Murilo Ramos (Bateria). A banda lança hoje seu segundo disco, o politizado Sobre Nós, que você pode conferir na íntegra ao fim da matéria.

O álbum é o primeiro composto em português pelo grupo, uma opção feita pela estrutura lírica, mas principalmente pela possibilidade de tornar as ideias da banda mais claras ao seu público. A temática das letras transita entre análises das estruturas selvagens e contraditórias da vida urbana moderna, condições existenciais, escolhas, frustrações e angústias.

Nesse momento pré-eleições e de muita polarização de ideias, a banda também não se omite sobre o debate político atual do Brasil, posicionando-se contra o conservadorismo e as fraturas recentes na já precária estrutura democrática brasileira.

Ao longo das 11 faixas de duração de Sobre Nós, ficam claras as referências que o quinteto faz à sonoridade de bandas do hardcore e punk rock dos anos 90, como Propagandhi, Bad Religion, Satanic Surfers, Bad Brains e Garage Fuzz. Os vocais rasgados e angustiados que cantam frases de ordem do vocalista Zeca Ruas tornam a comparação com Rodrigo Lima (Dead Fish) quase que inevitável.

O Gagged começou a divulgação do seu novo álbum com o lançamento do single “Cidade Sem Lugar”, uma reflexão sobre o passado e o presente da capital São Paulo, os defeitos e desafios que a maior cidade do Brasil proporciona aos seus habitantes. O single veio acompanhado de um clipe, que você pode assistir abaixo.

Sobre o fascismo do nosso tempo

O vocalista Zeca Ruas mostrou também ter posição bem definida no espectro político que nos cerca, e falou sobre como enxerga o crescimento de um movimento cada vez mais popular que flerta com princípios fascistas, regados pela intolerância à diferença e ao próximo:

São muitas as forças impulsionando a intolerância nos dias de hoje. Nem todas são simples e superficiais como podem parecer… Acho que vale a pena destacar duas delas:

Uma primeira segue um movimento é estrutural e mundial. Vivemos hoje com um sentimento difuso de insatisfação e injustiça. Nos é prometido que o esforço e o mérito são caminhos para uma vida. Como a maioria de nós não atinge esse objetivo, vivemos frustrados. Esse sentimento de insuficiência permanente está presente em quase todo o mundo ocidental hoje, onde se vive uma grande crise. A grande maioria das pessoas trabalha duro, mas não se sente realmente justiçada em relação ao seu esforço. O capitalismo promete, mas não entrega por completo. Somente fragmentos. Insatisfação e injustiça são as grandes fontes de raiva, raízes da nossa dor, mas não sabemos como endereça-las. Questionar as estruturas da nossa organização social é, para a maioria de nós, como tirar o próprio chão. É sempre mais fácil imaginar que existe algo ou alguém que atrapalha o funcionamento desta grande máquina e que, uma vez ausentes, será possível acertar o passo e atingir algum tipo de plenitude.

No Brasil, esse processo ganhou contornos intensos nos últimos anos. Vivemos uma crise profunda e as poucas conquistas econômicas do final dos anos 2000 derreteram tão rápido que quase nem parecem ter existido. Brigamos por migalhas, com a sensação de “cada um por si”, do salve-se quem puder. Por isso, tanto no Brasil como em boa parte do mundo em crise, as respostas mais imediatas para a sensação de insatisfação e injustiça passam pela busca de um inimigo a atacar, como no fascismo. Mate-o e a prosperidade retomará.

Mas, por aqui esse processo se reveste de verde e amarelo. Promovemos o retorno de velhos fantasmas. Ao perceber que a democracia vinha sepultando os candidatos mais conservadores, parte importante dos grandes interesses econômicos, incluindo a grande mídia, e de grupos políticos mais conservadores, como partidos políticos de direita e parte do judiciário, se associaram num projeto de eliminação do Partido dos Trabalhadores, que inequivocamente afundou na mesma lama de corrupção do sistema político brasileiro. Pra vencer essa batalha as força conservadora atacou ferozmente o conjunto de ideias e valores progressistas ou de esquerda. Atacou-se a solidariedade, o sentimento de coletivo, a corresponsabilidade pelo outro, associando-os à corrupção e à ineficiência. Nessa jornada destrutiva foram convocados todos os demônios, inclusive o anacrônico ódio ao comunismo, típico dos anos 1960 e da Guerra Fria. Primeiro em guetos, e depois a céu aberto, exumou-se o pior do nosso passado, a violência antidemocrática e seus abusos sadistas, e os elevou ao posto de memórias a serem cultuadas.

Se a política e a democracia desfavoreciam nas urnas os partidos de direita, esmerou-se em destruir também os pilares da democracia partidária, já apodrecida pela associação corrupta com os grande interesses econômicos. Dobrou-se a Constituição e a norma jurídica. Transformou-se todo político em corrupto. A política, em si, tornou-se corrupta aos olhos do homem comum. Validou-se a justiça com as próprias mãos. O governo e o Estado, instrumentos do povo e da própria democracia, foram vendidos como indesejáveis… em nome da crença da liberdade econômica e da seleção natural do mercado. Dobra-se a aposta no capitalismo selvagem.

O sentimento de insatisfação e injustiça do nosso tempo histórico exigiam um inimigo. Esse inimigo foi sendo cuidadosamente esculpido por grupos político- econômicos e pela mídia: a esquerda, as minorias, a política, os direitos humanos, o Estado. Sobram o ultra liberalismo, o ódio raso, os fantasmas da Guerra Fria e as assombrações de nosso passado cinza. A intolerância e o irracional revigoram- se em muitos lugares do mundo, mas ganham roupagem especial por aqui.

Zeca também deu o seu parecer sobre como ele imagina que artistas devam se posicionar em períodos eleitorais e em épocas de grande polarização política:

O artista deve iluminar as sombras. Deve ser o contraponto, observar a realidade à margem do tempo cronológico, do ritmo da máquina diária. O artista não pode se conformar apenas com o embelezamento estético, em ser trilha sonora quase imperceptível no mundo em decomposição. A grande arte sempre foi uma interpretação da vida. Um instrumento de elevação do espírito, da transformação do homem e suas relações.

Por isso o artista não pode se furtar a assumir posição sobre ideias cruciais de seu tempo… se não puder ser farol, apontar para as necessárias mudanças vindouras, deixará um legado supérfluo, se tornará coadjuvante da história, incapaz de colocar-se como intérprete e transformador da vida.

Em última instancia, se não souber que sua arte é um posicionamento, inclusive quando omissa, talvez não possa ser artista com “A” maiúsculo. Pode até ser uma bela engrenagem, um belo enfeite… mas será esquecido tão logo mudar a moda estética que favorece seu “produto”.

Mas as eleições se tornaram espaço de paixões irracionais e nem sempre tomar posicionamento partidário é fácil e inevitável. Muitas vezes é melhor ter o artista como farol, iluminando o futuro, do que submerso numa disputa pelo imediato, pela política vulgar. Não se pode exigir do artista que lute todas as batalhas. Mas ele precisa estar presente nas mais importantes. Nosso atual momento é perigoso… e penso ser indispensável se manifestar, de maneira coerente com o passado e futuro de cada artista, pois os riscos de barbárie que se avizinham com algumas das opções políticas são evidentes.

Sobre Nós é um lançamento do selo Artico Music, que este ano já lançou o EP Eutanásia Social do Escombro, e o álbum Defiance, do One True Reason.

Para quem quiser assistir a banda ao vivo, o Gagged se apresenta no mês de Outubro em Piracicaba (12/10), São Paulo (13/10) e em Diadema (14/10).

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