Imagine um mundo em que o Lollapalooza Brasil ouvisse o clamor de parte generosa da classe artística nacional e escalasse artistas brasileiros para tocar em horários mais nobres, se não nos horários principais.

Imagine que o Rock in Rio evitasse a repetição dos mesmos nomes carimbados a cada edição, privilegiando novos talentos em vez de insistir em nomes datados sem relevância no momento.

Imagine que grandes festivais como esses dessem mais espaço a artistas que desafiam o status quo de alguma maneira, em vez de priorizar a popularidade do que tocam. E que frequentassem praças fora do eixo Rio-São Paulo, dando oportunidade a outras capitais do Brasil de conhecerem de perto a produção cultural de todo o país.

Realizado em Goiânia desde 1999, o festival Bananada teve sua 20ª edição no início do mês, desde sempre buscando seguir as ideias acima. O resultado, artisticamente, é inegável; há alguns anos que o Bananada tem a habilidade de montar line-ups ecléticos e abrangentes, indo do pop ao experimentalismo, dos ídolos consagrados aos recém-chegados.

O problema é que nem tudo é tão simples. Boa vontade, sozinha, não levanta um grande festival ou o mantém de pé por 20 edições. Festivais como o Lolla ou o Rock in Rio são estruturas comerciais enormes, estruturadas por acordos multinacionais, e que na ambição de se consolidarem ou de se tornarem ainda maiores, fazem todo tipo de concessão, muitas vezes comprometendo a própria integridade artística ou a experiência do público.

Festivais independentes não precisam ser pequenos, e a música independente não precisa e nem quer ficar em nichos para sempre. E o Bananada entendeu isso, tanto que no ano passado, em sua 19ª edição, foi longe demais. Ainda que parte generosa do público tenha adorado o festival, e elogiado a estrutura montada pela (até agora) última vez no Centro Cultural Oscar Niemeyer, o festival fechou 2017 no vermelho, e quase não voltou em 2018.

Sem entrar em muitos detalhes sobre o como ou o porquê disso, Fabrício Nobre, um dos cabeças do Bananada, disse a um outro portal que o Bananada deu “um passo maior que as pernas” em 2017, e que a edição 2018 veio mais modesta para “pagar a anterior”.

Por isso, de um lado, foi um banho de água fria ver um Bananada simplificado em sua 20ª edição. Por outro, foi gratificante ver alguns dos melhores nomes do cenário nacional em atividade, em shows brilhantes, especialmente tratando-se de artistas menos conhecidos.

Fui somente aos últimos três dias do festival, o núcleo principal dos sete dias de shows e eventos que toma Goiânia na semana de Bananada. E de cara, a principal diferença em relação ao ano passado assustou: a nova locação.

Instalado dessa vez no estacionamento de um shopping no centro de Goiânia, o Bananada perdeu um tanto de charme e ofereceu uma experiência mais confusa aos presentes.

Boogarins no Bananada 2018
Boogarins no Bananada 2018. Foto: Guilherme Guedes

O primeiro dia (sexta, 11) foi um festival de filas. Fila na entrada, nos banheiros, nos caixas, nos bares, e até na praça de alimentação, localizada à esquerda dos palcos principais. A confusão girava em torno do sistema cashless, que obrigava os presentes a usar um cartão pré-pago para consumir no Bananada (a razão das filas nos banheiros seguem misteriosas).

Felizmente, já no segundo dia a operação toda fluiu muito melhor, mantendo-se assim também na terceira noite, o que provou a capacidade da organização em contornar problemas como esse e, esperamos, prevenir que isso se repita na 21ª edição, já confirmada para maio de 2019.

O outro problema do novo local, infelizmente, ficou sem solução: a acústica ruim do espaço reservado para os dois palcos menores, com programação recheada de artistas de pequeno e médio porte.

O teto baixo, numa área totalmente feita de concreto, transformava qualquer som numa massa sonora às vezes ininteligível, o que prejudicou significativamente shows com ganchos melódicos como Ana Müller, Giovani CidreiraBrvnks e Fresno. Tudo virava uma bolo barulhento que exigia conhecimento prévio das músicas para que se entendesse algo.

O problema só não foi pior porque, em alguns casos, a barulheira virou trunfo. O shoegaze nervoso do gorduratrans, por exemplo, parecia ter seis ou sete guitarras e não uma, ganhando camadas generosas de pressão e sujeira. O mesmo ocorreu com Ema Stoned (brilhante trio de post-rock que se beneficiou muito dos reverbs naturais da locação), Deaf Kids (espetacular!), Kalouv e Negro Leo, no embalo free punk do excelente Action Lekking (2017), disco que Leo lançou no ano passado.

Deaf Kids no Bananada 2018
Deaf Kids no Bananada 2018. Foto: Guilherme Guedes

Entre os headliners, surpresas e decepções. Do que consegui ver, Meridian Brothers (da Colômbia), Boogarins, Carne Doce (com faixas inéditas no repertório), Emicida e Rimas & Melodias fizeram grandes apresentações, e a explosão de graves do Heavy Baile e dos sets de DJ Marky e KL Jay mantiveram a energia da plateia sempre alta, mesmo tarde da noite.

Já o trio baiano ÀTTØØXXÁ, BaianaSystem e Larissa Luz protagonizaram talvez os meus três shows favoritos dos palcos principais, somando entretenimento a vanguarda musical e manifesto político. O novo, a exemplo do velho, vem da Bahia. Não esqueçamos disso; a revolução musical brasileira do novo século vem e continuará a vir de lá.

Acompanhado somente por um DJ, Rincon Sapiência mandou bem, mas a performance ficou aquém de suas apresentações com banda. Somente com um disco na bagagem, Pabllo Vittar fez um show com muitas pausas, que esquentava e esfriava a todo instante, e a breve presença de Gilberto Gil no show Refavela 40 (uma homenagem produzida pelo filho dele, Bem Gil, ao álbum Refavela, de 1977), somente no terço final do show, desanimou um pouco, mas não o suficiente para ofuscar a presença de uma artista como Gil em um festival desse porte, fora do grande circuito, com ingressos a preços justos.

Carne Doce no Bananada 2018
Carne Doce no Bananada 2018. Foto: Guilherme Guedes

O Bananada segue como um dos melhores festivais do circuito independente, com uma escalação versátil que aposta em artistas grandes, médios e pequenos, inclusive dando destaque a cenas regionais — como a avalanche baiana supracitada e a nova geração do techno made in Brazil, representado por nomes como Cashu e Tessuto — um movimento sempre arriscado do ponto de vista comercial.

Engrandecer o underground ou tornar o mainstream mais íntimo, mais próximo do público, são tarefas árduas, com reconhecimento e repercussão somente a longo prazo. A nós, resta torcer que a edição 2018 do Bananada se traduza em uma edição artisticamente tão interessante quanto as últimas no ano que vem, mas melhor estruturada e capaz de tentar dar passos largos outra vez. A boa música agradece.

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