Fotos por MARCOS DE PAULA / STAFF IMAGES

Os relógios marcavam 21h41 quando milhares de pessoas nas arquibancadas do Maracanã gritaram, aplaudiram e pularam efusivamente. Confeitada por pelo menos R$ 600 em produtos oficiais de merchandising, uma família – pai, mãe e dois filhos adolescentes – se abraçava calorosamente. Naquele instante específico, e apenas nele, as fotos arregaram, o WhatsApp não abriu, os snaps ficaram pra depois; o êxtase era total. O motivo de tanta comemoração não era, no entanto, o início do show dos Rolling Stones no Rio de Janeiro, e sim o aparente conserto do telão lateral do grandioso palco dos britânicos, estragado por uma breve tempestade de verão no fim da tarde do sábado (20).

Grandes shows e festivais ao redor do planeta são os locais perfeitos para a análise antropológica de seres onipresentes nesses habitats: os fãs que não são fãs. O uniforme é parecido, a empolgação idem, mas se para uns o foco é o artista em voga, para outros é o espelho mágico das redes sociais. São comuns em shows de artistas extremamente populares, como os Stones ou Paul McCartney, e festivais tipo Coachella ou Lollapalooza, às vezes frequentados por quem desconhece até as atrações do dia.

Peço perdão se pareço elitista, esnobe ou desrespeitoso, não é mesmo o caso. Eu mesmo fui e tirei minha cota de fotos, fiz selfie ao chegar ao estádio, e não acredito ser necessário, por exemplo, responder a um formulário sobre a história dos Stones antes de comprar os ingressos. O dinheiro basta, e gasta a exorbitante fortuna cobrada pelas entradas quem está disposto a abrir mão do montante, se disponível em caixa. Para os menos familiarizados, um show como esse pode até ser uma excelente oportunidade de aprendizado, de contato em primeiro grau com o repertório de um dos grupos mais espetaculares da história.

Rolling Stones no Rio de Janeiro: veja setlist e vídeos

Infelizmente, não foi o caso. Torci durante todo o show pelo momento de revelação daquela família, pelo poder aeróbico de Mick Jagger, pelos riffs irresistíveis de Ron Wood e Keith Richards, pelo groove surpreendentemente poderoso de Charlie Watts, pelos confetes da excepcional banda de apoio. Nada adiantou. Na jam de “Out of Control”, um dos irmãos cedeu ao tédio e sentou. Em “Honky Tonk Women”, o outro passou mais tempo decidindo para quem mandar a selfie recém-tirada no Snapchat que olhando para o palco, enquanto a mãe escondeu um bocejo com um boné decorado com o símbolo oficial da banda.

Rolling Stones - Maracanã

Lá pelas tantas, na pulsante “I Miss You”, até os convidados VIP abandonaram os cercados para dançar junto à plateia Premium – haja hierarquia – mas a família não. Só o pai mantinha-se em pé, e a cabeça de um dos irmãos só não rolou arquibancada abaixo porque ele manteve o queixo muito bem apoiado em um dos punhos, enquanto olhava sem foco para a massa de silhuetas dançantes à sua volta. Era oficial: nenhum dos quatro queria estar ali.

A postura não parecia ser maioria entre os mais de 60 mil presentes, ainda bem. A plateia respondeu proporcionalmente a uma performance fenomenal, impressionante para uma banda de setentões com mais de cinquenta anos de carreira. Keith Richards, à prova da morte, é mesmo um imortal das seis cordas, e a sintonia dele com Ron Wood vai além dos limites da sincronicidade – os dois tocam como um único músico anabolizado por dois cérebros e quatro braços. Watts aplica rimshots com uma firmeza cavalar no auge de 74 anos bem vividos, e Mick Jagger… Ah, Mick Jagger (leia com a voz de Cid Moreira em mente).

Jagger é o showman perfeito. Cantou precisamente, correu de um lado para o outro, pediu palmas, camisetas rodadas no alto, fez piadas em português, rodopiou os quadris e incentivou o público com ainda mais ênfase em canções desconhecidas pela massa. O quarteto é frequentemente criticado por ter se transformado em um grande caça-níqueis nos últimos anos, e é inegável a existência dos Stones mais como marca e empresa do que como vanguarda artística há mais de 30 anos. Mas isso não impede que o grupo exerça o ofício com paixão, entrega e perfeccionismo. O show é orgânico, fluido, e Jagger é o mestre de cerimônias ideal, elegante até na hora de apresentar o notório antagonista Richards, o único anunciado sem gracinhas ou brincadeiras pelo frontman.

Rolling Stones - Maracanã

Rumo ao fim da noite, nem a delirante dobradinha “Gimme Shelter” e “Brown Sugar” foi o suficiente para reanimar a família deslocada. A essa altura, eu sofria por eles, a briga era minha também. Meu olhar se perdia entre o palco e o desinteresse deles. Onde estavam os sorrisos? Onde estavam os hang loose, as línguas para fora, restritos ao pré-show? Nem o copo-souvenir de cerveja, motivo de tantos sorrisos, parecia animá-los. Ultrapassada a hora e meia de duração, a performance parecia ter perdido o sabor de novidade, afinal os likes, os prints, os comments e as replies estavam garantidas desde cedo.

O retorno final do hesitante telão, que falhou a noite toda, foi incapaz de reequilibrar o humor dos quatro. Antes da metade de “Sympathy For The Devil”, enfeitada por ilustrações satânicas nas telas, a família baixou os olhos, pediu licença, e em fila indiana se espremeu entre pessoas e cadeiras em direção à saída mais próxima. Talvez tenham se ofendido com as caveiras, pentagramas, bodes e demais ícones do capiroto, ou simplesmente se cansaram de esperar pelo derradeiro vídeo-selfie em “(I Can’t Get No) Satisfaction”, que só apareceu no set após a energética “Jumpin’ Jack Flash” e de uma versão caprichada de “You Can’t Always Get What You Want”, com participação do coral da PUC-Rio. Para muitos, ver os Stones é o equivalente à ressureição de Cristo. Para outros tantos, nem isso basta sem o registro fabricado da felicidade em estar lá.

A banda segue em turnê pela América Latina, e nos próximos dias se apresenta em São Paulo (24 e 27/02) e Porto Alegre (02/03). Clique aqui para mais informações.

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