Há 15 anos, em 2001, o Radiohead se consolidou como o grupo mais influente daquela geração do rock, justamente ao reduzir o protagonismo das guitarras e abandonar as obviedades do gênero no complexo Kid A (2000). Ao unir o digital e o analógico organicamente, em riscos replicados no álbum-irmão Amnesiac (2001), o quinteto conseguiu exibir criatividade em um cenário formulaico, limitado às junções esdrúxulas de estereótipos – como no nu metal – ou na adoração da poeira vintage da ressureição de pós-punk liderado pelo The Strokes, no início da década passada.

Quando tudo parecia já feito, quando o Radiohead tinha garantido o sucesso de público e crítica com The Bends (1995) e Ok Computer (1997), o grupo obrigou-se a provar que ainda era capaz de criar, de inovar, e conseguiu. Mas seria capaz de manter-se relevante com o passar do tempo? A resposta está em A Moon Shaped Pool, nono álbum de estúdio da carreira, lançado no último domingo (08).

Radiohead

Desde o experimentalismo de Kid A e Amnesiac como resposta à boa repercussão de Ok Computer, o Radiohead lançou álbuns que reagiam aos antecessores: Hail to the Thief (2003) trouxe as guitarras de volta com uma boa dose de sujeira e certa agressividade; In Rainbows (2007) é límpido e frágil, colorido por momentos tristes. Assim, A Moon Shaped Pool surge como resposta à aliança entre o krautrock e as explorações polirítmicas da IDM de The King of Limbs (2011). Delicado, leve, A Moon Shaped Pool parece ser, de cara, o antônimo perfeito ao anterior, um disco confuso, recebido com frieza por muitos fãs. Mas nada no Radiohead funciona da forma mais óbvia, e a sutileza do novo trabalho apenas mascara o registro mais profundo e melancólico de uma das discografias mais primorosas da música popular.

Aos ouvidos, A Moon Shaped Pool destoa claramente de The King of Limbs. Musicalmente, as semelhanças limitam-se a trechos, momentos, como o crescendo da excelente “Ful Stop”, que estreou ao vivo justamente na turnê de The King of Limbs, em 2012. Também pode-se dizer que “Glass Eyes” é um parente dramático de “Give Up The Ghost”, um dos momentos mais suaves do disco anterior. Mas os motivos de inspiração, as angústias, as dores traduzidas em canções não somente são as mesmas: em A Moon Shaped Pool elas ressurgem potencializadas.

Durante a produção de The King of Limbs, o Radiohead questionou o próprio futuro, a própria habilidade de continuar a criar. O disco, inclusive, só foi para os palcos com a adição de um segundo baterista, Clive Deamer (Portishead), que alterou a dinâmica viciada da relação interpessoal dos integrantes e finalmente os inspirou a continuar juntos. De lá pra cá, a banda tirou novas férias, enquanto as tragédias políticas e ambientais ao redor do globo – grandes fontes de inspiração da banda – se intensificaram, além da separação do vocalista Thom Yorke da ex-mulher dele, Rachel Owen, com quem viveu durante 23 anos. No mundo, no amor e na música, o fardo pesou, e nesse contexto, é fácil de entender a melancolia de A Moon Shaped Pool.

Com repertório organizado em ordem alfabética, o álbum começa com “Burn the Witch”, o primeiro single lançado. É a faixa mais pop do trabalho, e uma das composições mais antigas, explorada em estúdio desde as sessões de Kid A e Amnesiac. A faixa entrega, de cara, um dos trunfos do álbum: as orquestrações do genial Jonny Greenwood, certamente o músico mais talentoso do grupo, que emolduram perfeitamente a paranoia subversiva da letra (“Queime a bruxa / queime a bruxa / nós sabemos onde você mora”) representada magistralmente no clipe em stop motion divulgado dias antes do lançamento do álbum.

Em seguida, o segundo single do disco: “Daydreaming”, uma das músicas mais tristes do álbum, uma balada conduzida ao piano com belíssima interpretação vocal de Thom Yorke. No clipe, dirigido por Paul Thomas Anderson (Magnólia, Sangue Negro, Vício Inerente), Yorke caminha por casas, estacionamentos, praias e montanhas até deitar em posição fetal ao lado de uma lareira dentro de uma caverna, onde parece dizer, com áudio invertido, “half of my life, half of my love” (“metade da minha vida, metade do meu amor”). Inclusive, uma versão invertida do clipe e da música tem dado o que falar nos fóruns de discussão internet afora. As orquestrações de Greenwood, executadas ao longo do disco pela Orquestra Contemporânea de Londres, roubam a cena novamente por funcionarem nas duas versões da música. Um palíndromo musical.

O disco caminha adiante com “Decks Dark”, uma resposta em preto e branco a “Nude” no arco-íris de In Rainbows, e “Desert Island Disk”, onde o grupo forra a cama para o violão de Yorke, que estreou a canção em shows acústicos solo no ano passado. Dois bons momentos que controlam a energia do disco até a chegada da potente “Ful Stop”, com destaque para o subestimado Colin Greenwood, irmão mais velho de Jonny e um dos grandes baixistas da atualidade.

Em “Glass Eyes”, a mais curta do álbum, Yorke discorre sobre ansiedade e depressão (“o pânico vem com força / frio de dentro para fora”), em outra balada simples com arranjos centrados no piano que dá lugar a um dos destaques de A Moon Shaped Pool: “Identikit”, outra faixa revelada na turnê de The King of Limbs. Com um groove seco e uma performance excepcional dos irmãos Greenwood, “Identikit” revela um amor conturbado em versos sofridos (“corações partidos fazem chover”) de significado ambíguo, pois o título da música remete a um aparato de vigilância policial usado para criar versões realistas de retratos falados.

https://www.youtube.com/watch?v=RkROR4itLKc

Nos momentos finais do álbum, a banda continua a alternar paranoias políticas e dores de cotovelo. A destruição ambiental é o foco de “The Numbers”, faixa apresentada por Yorke no ano passado como “Silent Spring” (“somos da Terra / a Ela voltaremos / o futuro está dentro de nós, não em outro lugar”), e o apocalipse parece iminente em “Tinker Tailor Soldier Sailor Rich Man Poor Man Beggar Man Thief” (“os pássaros ficam no topo das árvores / os peixes nadam para o fundo, solitários / e eles oram / querida, venha a mim antes que seja tarde”). Já em “Present Tense”, um violão com levada de bossa nova dá o toque para o lamento de uma relação fragilizada, também o tema central da última e talvez a melhor faixa do álbum: “True Love Waits”.

“True Love Waits” surgiu em algum momento na turnê de The Bends, em uma versão voz e violão apresentada por Yorke ocasionalmente no decorrer dos anos, eternizada no EP ao vivo I Might Be Wrong (2001). Posteriormente, a música ganhou novo fôlego ao teclado como introdução de “Everything In Its Right Place”, mas vinte e dois anos depois, parecia fadada a morrer como raridade, um segredo mal guardado e muito bem pelos fãs mais fieis. Em sua versão derradeira, “True Love Waits” justifica tamanha adoração. Apesar de não ter a espontaneidade áspera de Yorke como trovador ao violão, em estúdio a música ganhou corpo e ambiência com pianos que se somam e desabam com uma das melodias mais tocantes da história do Radiohead, guia para as palavras rasgantes do refrão: “só não vá embora / não vá embora”. Uma despedida dolorosa, suscetível, de uma fragilidade arrebatadora.

Discute-se muito, nos últimos dias, a possibilidade do álbum ser uma espécie de adeus, o ato final da banda. Influenciados pela força de Blackstar (2016), o álbum-testamento de David Bowie, e motivados pela quantidade de mensagens subliminares emitidas ao longo da história do Radiohead, fãs elaboraram diversas teorias para tal, com argumentos extremamente válidos. Por que referências tão claras a momentos da carreira da banda no clipe de “Daydreaming”? Por que lançar de uma vez tantas músicas descartadas anteriormente, ou exclusivas a performances ao vivo? Por que a faxina nas redes sociais antes do anúncio do álbum? E por que, só agora, “True Love Waits”?

O Radiohead exige dedicação dos ouvintes. Não por pretensão ou arrogância, mas por não menosprezar o público que disseca a obra mutante e repleta de camadas do grupo inglês, que clamava por “Burn the Witch” desde quando ela era apenas versos soltos em um post no blog oficial da banda, há mais de dez anos. A Moon Shaped Pool é resultado de uma entrega emocional, visceral e absoluta, é o reconhecimento da existência simbiótica entre criadores e admiradores. É o encerramento de pontos finais adiados ou abreviados, é a celebração, à Radiohead, do fim de um capítulo. Se é despedida, não sei. Mas é certamente um agradecimento ao amor verdadeiro, que segue a esperar, não importa o que aconteça.

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