
Há quem ache que uma carreira só começa quando um artista lança seu primeiro álbum. Mas, no Norte do Brasil, essa lógica é outra e a cantora Viviane Batidão é prova viva disso. Com mais de 25 anos de trajetória e um reinado consolidado nas aparelhagens paraenses, a cantora lança apenas agora seu primeiro disco de estúdio: É Sal.
O trabalho chega com nove faixas, participações de Pocah, Priscilla Senna, Suanny Batidão e Japinha, e o compromisso de traduzir o pop amazônico com autenticidade, inovação e força regional.
“Anteriormente, meu modo de fazer arte era voltado à cultura local, pois não me sentia incluída no mercado nacional”, conta Vivi ao TMDQA!. “Aqui eu crio uma música, mando no WhatsApp pro DJ e ele tocava por aí.”
Essa dinâmica, quase impensável para o “eixo” do país, sempre foi o motor da cena musical do Norte. No Pará, as regras são outras: o sucesso é medido pelo que toca nos paredões das festas, pelas vozes que ecoam nos salões de aparelhagem e pela conexão direta com o povo. Viviane foi moldada nesse ecossistema: dormia ouvindo brega, estreou nas bandas regionais ainda na adolescência e estourou com “Vem Meu Amor” em 2007, consolidando o tecnomelody como linguagem e identidade.
Agora, aos 40 anos, ela transforma essa vivência em um álbum que carrega a sofisticação da produção moderna sem abrir mão do tempero nortista. E o título É Sal carrega essa síntese: uma gíria paraense que marca o fim de um ciclo e o início de outro. “Quando vi a necessidade de criar um álbum até assustou, porque era tudo muito novo e precisava sair de uma zona de conforto”, relembra.
A identidade de Viviane Batidão
Para garantir que sua essência não se perdesse na transição para o formato disco, Viviane Batidão teve um cuidado que, até então, não era parte do seu processo: a masterização. “Passei 15 anos fazendo música de sucesso sem masterizar”, diz, entre risos. “Então precisei olhar para alguns detalhes como esse.”
Mas o que nunca esteve em jogo foi a identidade sonora. “Eu peguei a batida de ‘Olha Bem Pra Mim’, que furou a bolha do Norte, como sample e trouxe o mesmo som para todas as músicas do álbum. Fui buscar a referência do meu próprio som.”
O resultado é uma obra que não tenta se moldar ao centro, mas reafirma a força do pop da Amazônia. Faixas como “Só no Pará” misturam raga eletrônico e tecnomelody para exaltar a terra natal com leveza e sensualidade. Já “Mulher Gostosa”, parceria com Pocah, mistura irreverência e empoderamento com o groove do chamado rock doido — estilo paraense que flerta com o funk carioca.
Da aparelhagem para o Brasil
Ainda que esteja mirando uma maior presença no mercado nacional, Viviane deixa claro: seu termômetro continuará sendo o povo do Pará. “Estou fazendo um álbum pra fazer sucesso nacionalmente, mas se eu não fizer sucesso na minha região, no meu estado, eu fracassei.”
Por isso, cada faixa do álbum foi pensada para agradar o público local, mas sem deixar de conversar com o Brasil. Parcerias com nomes de outras regiões como Pocah e Priscilla Senna ajudam a expandir o diálogo, ao mesmo tempo em que reforçam a diversidade do pop brasileiro.
É Sal também é um marco simbólico: é o momento em que a música da Amazônia, tantas vezes tratada como exótica ou isolada, reivindica seu espaço no pop nacional. Em meio à aproximação da COP30, que será sediada em Belém em 2025, a artista acredita que há uma chance única de amplificar essas vozes.
“O Brasil tá começando a entender, mas ainda tem muita barreira”, afirma. “Os olhos estão voltados para o Pará, então é a chance de popularizar a música que vem da Amazônia. É um trabalho de formiguinha, mas tenho plena certeza que o ponta pé foi dado.”
Com É Sal, Viviane Batidão transforma sua trajetória numa obra que olha para o futuro sem esquecer de onde veio. O álbum não é apenas um produto musical, é uma ponte entre o Pará e o resto do país. Um disco que, como ela própria define, nasce com a missão de “entregar a qualidade que o padrão nacional pede”, mas sem apagar a alma do tecnomelody.