
A influência do rap faz muito bem ao metal. Não é só uma questão de ritmo ou flow: é sobre peso, consciência e capacidade de falar sobre o que incomoda. E o Brasil continua sendo terreno fértil para esse tipo de crítica — um país marcado por desigualdades históricas, violência estrutural e contradições sociais que parecem não ter fim.
Nesta esteira, chega Pária, o novo disco da banda carioca Khorium. Embora o álbum tenha sido gestado ao longo de vários meses — afinal, um trabalho de oito faixas não se faz da noite para o dia —, seu lançamento acabou atravessado por mais um episódio brutal: a operação policial no Rio de Janeiro, no fim de outubro, considerada a mais letal da história da segurança pública, com ao menos 130 mortos entre policiais, criminosos e pessoas ainda não identificadas.
A Khorium não podia prever os acontecimentos, mas o caso é que Pária trata exatamente dos problemas de base que desaguam em episódios como o desta semana. E se o caso pegou o Brasil, atingiu em cheio justamente a banda que é do Rio.
Khorium aborda problemas estruturais em Pária
Em Pária, o power trio de Volta Redonda não recua e tampouco deixa pedra sobre pedra seja em termos de peso ou de letras afiadas: fala de racismo, exclusão, extremismo político, violência e estruturas de poder que seguem intactas, sempre com riffs densos, groove e a força do rap como motor de crítica social. O título do disco já diz muito: Pária — os que estão à margem, os que sobram, os não-reconhecidos.
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A faixa de abertura, “A Redenção de Cam”, ganhou clipe e aborda feridas históricas profundas, como racismo estrutural e eugenia. O quadro homônimo de Modesto Brocos (1895), hoje no Museu Nacional de Belas Artes, ganha vida no vídeo por IA, mostrando a ideia racista de que a miscigenação “embranqueceria” a população. Cam, personagem bíblico e filho de Noé, teve sua história distorcida pelo Cristianismo para justificar escravidão e racismo, tornando-se símbolo de inferioridade.
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A eugenia é uma teoria cientificamente errônea e moralmente indefensável que pregava o “melhoramento racial” e a reprodução planejada da população. Defendia a ideia de que certas pessoas ou grupos eram superiores e deveriam se reproduzir, enquanto outros eram considerados inferiores e deveriam ser controlados, segregados ou eliminados. No Brasil, especialmente durante a Era Vargas, essas ideias se traduziram em políticas e práticas racistas integradas até à Constituição, legitimando discriminação e violência sob o pretexto de ciência.
Para a faixa “A Redençao de Cam”, Khorium também estudou o documentário Menino 23 – Infâncias Perdidas no Brasil, que foi base para pesquisas da banda. O filme narra a história de crianças negras retiradas de um orfanato no Rio e submetidas a trabalho escravo e experimentos eugênicos na década de 1930 com apoio de empresários ligados ao fascismo brasileiro.
Em meio à agressividade sonora, Pária insere trechos de bossa nova e samba entre a crueza do metal, como “Isto Aqui, O Que É?” (Ary Barroso) e “O Teu Cabelo Não Nega”, utilizados em colagens e interlúdios para confrontar a ideia de uma nação harmoniosa. Esses trechos evidenciam o choque entre estilos musicais e questionam músicas, como a marchinha, que carrega elementos racistas que hoje são revistos.
Segundo o vocalista e guitarrista G. Moreira:
“A alegria ali não orna, e é justamente esse o ponto. A cultura popular foi usada para maquiar tragédias, enquanto o chão rachava.”
O álbum ainda conta com participações especiais de Henrique Azul no berimbau em “Carrancas” e Letícia Mendes em “Desconforto”, além da capa assinada por Alcides Burn, nome recorrente no metal nacional.
Colaborações consagradas na discografia
Formada em 2017, o trio é composto por G. Moreira, guitarras e vocais, A.D. Oliveira no baixo e Robson Guimarães na bateria. Desde o EP de estreia Manual Prático do Brasil (2018) até o recente Pária (2025), a Khorium construiu uma trajetória marcada por engajamento, colaborações e questionamentos sobre o Brasil contemporâneo.
A banda tem tradição de caminhar com gente grande da cena, agregando vozes de diferentes origens e trajetórias. Ao longo dos anos, já contou com Fernanda Lira (Crypta) musicando o poema “Still I Rise”, de Maya Angelou; Jimmy London (Matanza Ritual) em “Muito Fala, Nada Faz”; e Clemente Nascimento (Inocentes) em “Imunidade Tributária”. Essa prática reforça o espírito colaborativo da banda, que vê o diálogo entre estilos como uma ferramenta de resistência e expressão.
Com influências que vão de Pavilhão 9, Body Count, Rage Against the Machine a Sepultura, a Khorium prova que música pesada também pode provocar reflexão, como completa Moreira:
“Nosso som é pra quem aguenta olhar pro espelho e ver o que está errado”.
O álbum já está disponível no Spotify e no canal oficial da banda no YouTube há lyric videos das faixas, ampliando a experiência do público com o disco.
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