Com o lançamento de Um Mar Pra Cada Um, Luedji Luna reafirma por que é um dos nomes mais potentes e relevantes da atual cena da música brasileira.
Ao compartilhar suas vulnerabilidades e os questionamentos que a acompanham ao longo da vida, a cantora baiana apresenta o disco mais íntimo de sua carreira, uma obra que ganha nuances ainda mais especiais graças à sua sonoridade envolvente.
Em conversa com o TMDQA!, Luedji revela que, após encontrar no ano passado uma pesquisa sobre o uso de frequências sonoras e conhecer o trabalho de uma terapeuta de sound healing – técnica terapêutica que utiliza ondas sonoras – ela, enquanto artista, decidiu destacar também a potência do som em seu novo disco, que chega com uma sonoridade refinada:
“Eu percebi que o som é potente. O som mobiliza a gente de várias maneiras. Ele é transformador, ele é curativo, ele altera a consciência, ele altera a nossa psique. Ele, enfim, altera até questões mesmo físicas. Então depois que eu descobri essa potência do som, eu sendo da música, eu escolhi, nesse trabalho, usar a música nessa perspectiva também. Na perspectiva da cura, de tocar o meu público em lugares sensíveis, em lugares sutis.
Então eu uso frequências em algumas faixas, eu uso sound healing em outras. O som, ele é mais protagonista do que a própria poesia. Não à toa, eu escolhi majoritariamente fazer feats com instrumentistas, né? Eu tenho apenas duas cantoras, e todo o resto do disco é permeado por essas participações de músicos.”
Entre os artistas convidados por Luedji para somarem em seu novo álbum – que encerra uma trilogia que começou com Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água e sua versão deluxe – estão Nubya Garcia, Liniker, Tali, Takuya Kuroda e Isaiah Shaker, além de uma participação através de recursos de inteligência artificial da poeta e ativista Beatriz Nascimento.
Na entrevista, Luedji ainda comenta detalhes sobre os temas abordados no disco, que vai além do amor romântico, falando sobre “os lugares invisíveis do ego, da carência, dos traumas, que a gente tenta resolver no amor”, segundo palavras da própria cantora.
Leia o papo na íntegra logo abaixo e ouça Um Mar Pra Cada Um ao final da entrevista!
TMDQA! Entrevista Luedji Luna
TMDQA: Você define “Um Mar Pra Cada Um” como o encerramento da trilogia que começou com o “Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água”. E nele, você mergulha ainda mais fundo nas águas do amor. De que forma a sua percepção sobre o amor mudou ao longo da jornada desses três discos?
Luedji Luna: É… O amor que eu trago em “Um Mar Pra Cada Um” é um amor numa perspectiva muito mais profunda do que essa referência romântica, né? Que a gente tem. Então, essa paisagem desse mar bonito, com areias brancas, mar azul, céu turquesa… Eu tô indo pra um lugar muito menos superficial que esse, que é essa paisagem. Tô indo pra um lugar mais profundo. Eu tô investigando o mar invisível. Eu tô investigando o mar abissal. O que eu quero dizer é que é sobre amor, mas é também sobre o mar pra cada um em específico. É sobre os lugares mais íntimos da nossa subjetividade. Ou seja, a gente persegue o amor, a gente busca o amor.
Eu dou esse mar pra cada um, mas a questão que eu evoco no disco é o porquê. Por que eu persigo tanto amor? Por que eu dou tanto amor? Por que eu persigo tanto amor? E a resposta eu encontro no próprio disco: Porque eu quero receber esse amor nessa dimensão oceânica. Porque a minha carência é igualmente oceânica. Porque, enfim, a gente tem traumas, a gente tem questões, a gente tem uma série de coisas que a gente só descobre quando a gente sai da superfície desse mar e vai pra esse mar invisível. Não à toa, toda a estética do álbum tá norteada pelo trabalho do Álvaro Migotto, que é um biólogo, professor, doutor e fotógrafo que trabalha a microbiologia marinha. Então é esse mar que eu quero retratar.
É o meu disco mais íntimo, o meu disco onde eu me mostro mais vulnerável. E é um disco muito menos sobre amor e mais sobre esses lugares invisíveis, né? Do ego, da carência, dos traumas, e que a gente tenta resolver no amor. E a resposta que eu descobri no final disso tudo, respondendo essa pergunta, é que o amor é bem ou mal pra cada um. O amor aparece numa dimensão espiritual e divina, né? Eu me resolvo com a compreensão de que sim, eu sou digna de receber amor. E que eu sou amor na minha natureza porque eu sou um ser divino. E aí eu fui buscar em “A Love Supreme”, do John Coltrane, que é um trabalho do John Coltrane onde ele traduz esse amor divino. Ele é um saxofonista do jazz, e por isso que tem muitos sopros no disco, muito jazz, muito tudo isso.
TMDQA: E você mesma apontou, você fala do amor em “Um Mar Pra Cada Um” não apenas como algo romântico, mas como um percurso de cura e de autoconhecimento. Como você acredita que a música pode ser instrumento de cura, não apenas para quem cria, mas também para quem ouve?
Luedji Luna: Então, 2024 foi um ano muito intenso pra mim. Onde eu fui pra buracos muito profundos e saí deles. E teve muita coisa acontecendo em 2024. E esse foi um disco que foi feito de modo dilatado, né? Num tempo dilatado. Eu comecei no final de 2023 e terminei agora em 2025. Então, muita coisa acontece nesse tempo tod e isso atravessou o trabalho. E uma dessas descobertas e encontros que eu tive em 2024 foi com uma pesquisa com o uso de frequências sonoras. Primeiro eu tentei entender, depois eu comecei a praticar e a usar frequências sonoras pra dormir, pra meditar. Depois eu conheci o trabalho da Karina Servi, que é uma terapeuta de sound healing. Comecei a estudar o trabalho dela e praticar também.
Então eu percebi que o som, ele é potente. O som, ele mobiliza a gente de várias maneiras. Ele é transformador, ele é curativo, ele altera a consciência, ele altera a nossa psique. Ele, enfim, altera até questões mesmo físicas. Então depois que eu descobri essa potência do som, eu sendo da música, eu escolhi, nesse trabalho, usar a música nessa perspectiva também. Na perspectiva da cura, de tocar o meu público em lugares sensíveis, em lugares sutis. Então eu uso frequências em algumas faixas, eu uso sound healing em outras. O som, ele é mais protagonista do que a própria poesia. Não à toa, eu escolhi majoritariamente fazer feats com instrumentistas, né? Eu tenho apenas duas cantoras, e todo o resto do disco, ele é permeado por essas participações de músicos.
TMDQA: E falando justamente sobre essa parte instrumental do disco, você apresenta um som refinado, que ao mesmo tempo que parece estar em perfeita sintonia com as letras, ele também causa um impacto no ouvinte. Como foi o processo de construção da sonoridade desse disco?
Luedji Luna: Desde o Deluxe [de “Bom Mesmo É Estar Debaixo D’água”], eu tenho estado muito alinhada com as coisas que eu escuto. Nos meus outros trabalhos não necessariamente isso acontecia. Eu via uma coisa e produzia outra que não tinha nada a ver. Mas desde o Deluxe eu tenho percebido esse movimento de o que eu faço estar alinhado com o que eu escuto, com a minha vibe do momento. E aí eu tenho escutado muito jazz, muito neo-soul principalmente. Escuto rap também, R&B, mas sobretudo jazz, neo-soul, Jill Scott, Cleo Soul, Solange, Kamasi Washington, Robert Glasper. Meu Deus, tanta gente. Samara Joy. Enfim, eu tenho escutado muito essas coisas. Nesse trabalho, essa escuta, essa pesquisa se reflete no som. Então eu acho que é um trabalho onde a minha escuta está mais alinhada com as minhas produções. E isso me dá um lugar de muito contentamento, de conseguir finalmente equilibrar o meu gosto musical com o que eu consigo produzir a partir desse gosto.
TMDQA: Se eu não me engano, “Gamboa” foi uma das músicas que você apresentou nesses últimos dias nas edições do projeto Tranquilo, e eu sinto que além dela apresentar uma sonoridade que contempla todas as fases da sua carreira, você ainda traz na letra “eu que já sei nadar, mergulhei fundo”, gerando uma conexão ainda maior com seus outros trabalhos. Como você enxerga essa faixa dentro do enredo geral do disco?
Luedji Luna: Eu digo sempre nas entrevistas, quando as pessoas perguntam: por que tanta água? Por que tanto mar? E eu digo, eu tô falando de amor, e eu aprendi a amar em Salvador. Eu aprendi a amar na minha cidade, que é uma cidade litorânea. Então todas as minhas memórias afetivas, toda essa construção feita ali, primeiro a partir da família, que é a nossa primeira fonte de amor, eu não consigo fechar os olhos e não associar essas minhas memórias da infância com a minha família, com os meus primos, avós, tio, pai, mãe, que não seja na praia, no mar, nas viagens de escuna, de barco, pra Ilha de Itaparica, pra Madre de Deus. Meu pai me ensinando a nadar na Lagoa de Abaeté. Ou então, ali jovem, com os meus amigos no Porto da Barra, ou aquele date, aquela paquera no Farol da Barra, e o primeiro beijo. Assim, o mar tá sempre ali, entende? Permeando essas relações todas de amor, nas suas várias facetas, né? Amor familiar, de amigo, de romântico e tudo. Então, pra mim, não é estranho que ele esteja presente assim como metáfora do próprio amor, né?
E Gamboa é uma dessas praias cheias de histórias e cheias de encontros. É uma praia super especial de Salvador, é uma das poucas praias, se não a única praia de Salvador que eu tenha conhecimento, que é de pedra, né? Que não é areia. Isso dá um toque super especial nela, ali no pôr do sol. Quando o sol vai se pondo e toca na pedra, fica tudo muito dourado, o mar fica de outra cor por causa das pedras, aí as pedras ficam reluzindo ali a luz do sol. É tipo aquela praia toda especial, apesar de ser bem pequenininha, fica ali localizada perto do Centro Histórico de Salvador, que é outra coisa peculiar, que não é uma praia assim perto das famosas, né? Ali na Barra, etc. Tá ali bem no centro, perto de uma comunidade super tradicional, que é a comunidade ali da Gamboa. Enfim, então eu tenho muitas histórias ali, essa história aconteceu ali. Fiquei muito feliz de ter Salvador sendo retratada e toda essa história e tudo isso que Salvador representa sendo retratada nessa canção Gamboa. Por isso que ela é muito especial.
E o Curumim, ele foi muito inteligente, ele que produziu essa faixa, que ele coloca ali uma cadência meio que de samba-reggae, sabe? Bem desconstruído, mas é Salvador ali. O ritmo é baiano, que ele escolheu, apesar dos sintetizadores, etc. É uma música caliente, é uma música tropical, enfim, é isso tudo aí.
TMDQA!: Eu poderia falar sobre cada uma das músicas, mas pelo tempo, eu precisei focar em algumas. Então eu preciso falar de “Harém”, e essa sintonia incrível com a Liniker, onde vocês praticamente uniram o que vocês apresentam de melhor na obra de vocês. Como surgiu essa parceria e o que você sentiu ao ouvir o resultado final dessa faixa?
Luedji Luna: A Lineker é uma gigante, uma imortal da música brasileira. Ela já se imortalizou em vida, uma artista muito necessária para o país e sempre foi muito generosa comigo. É uma amiga pessoal que a música me deu. A gente se encontrou em vários contextos de trabalho, já fizemos vários projetos juntas, já cantamos juntas em diversas outras ocasiões e circunstâncias, mas a gente nunca tinha isso registrado. Isso acabou até virando uma demanda do público, do nosso público, de tipo: “Ah, e quando vai ser o feat e tal? Vai ter Lineker? Vai ser Lineker?” Então, ouvindo a voz do povo, que é a voz de Deus, e para demarcar esse encontro tão especial — que é o nosso encontro na vida mesmo, pessoal e na música — fazia todo sentido ela estar nessa faixa, nesse disco.
TMDQA: E falando sobre “Joia”, eu já consigo fazer algumas relações, mas em que momento você percebeu que “Peróla Negra”, do Luiz Melodia, se encaixava nessa música?
Luedji Luna: Primeiro nasceu a poesia. Essa poesia eu fiz para uma amiga. Essa é uma música para uma amiga. Como eu disse, não é um disco que é sobre amor romântico, necessariamente. E essa música em específico eu fiz para uma amizade que até acabou. O ciclo se fecha, está tudo bem. Mas é uma pessoa que eu amei muito, e que, na ocasião, ela ainda era minha amiga. Eu nem cheguei a mandar essa música para ela, nem a poesia, porque eu ia fazer uma surpresa. Ia fazer uma surpresa no disco, né? Mas não deu certo. Mas é uma música que retrata esse tipo de amor, o amor fraternal, o amor que, para mim, é tão caro quanto o amor romântico. Para mim, as amizades são muito caras, porque é uma questão que eu também levava muito para a terapia, porque, na infância, não tive muitos amigos. E a amizade traz esse lugar de… esse lugar de você estar localizado no mundo, de você pertencer a um grupo. Então, a amizade cumpriu muito esse papel. E eu tinha essa questão muito latente dentro de mim, de ter amigas desde criança e tal. E, depois de adulta, isso continuou sendo uma questão. Então as minhas amizades são muito caras para mim, porque por um determinado momento da minha vida eu não tive tantos amigos, né?
E aí eu sou muito intensa, geminiana, eu defendo os meus. E também a gente aprende a amar com os nossos pais. Então eu aprendi a amar como minha mãe ama: com muito controle, né? Com muita imposição, assim. E essa minha amiga estava numa relação que eu não julgava digna, eu não julgava à altura dela. E aí, nesse texto dessa canção, eu meio que tô querendo que ela se veja como eu a vejo. Sabe? Eu tô querendo ser o espelho pra ela, ser um espelho, né? E é por isso que eu digo: “Deixa eu lhe dizer o que eu te desejo, olha, você merece isso, você é uma joia.” E é uma pérola negra como a do Luiz Melodia. E aí eu coloco um sample do Luiz Melodia, que fica naquele mantra: “Te amo, te amo.”Mas isso veio da poesia. Depois a gente construiu a música e veio a ideia do sample e de usar o Luiz Melodia propriamente.
TMDQA!: Luedji, eu sinto que a cada disco, você vai compartilhado mais das suas vulnerabilidades. Você considera um desafio expor isso para outras pessoas? Houve algum momento do disco que você quase deixou de fora por ser íntimo demais?
Luedji Luna: Cara, eu acho que do que importa pro agora, eu expus tudo que eu pude. Outras coisas, eu acho que eu ainda vou descobrir sobre mim. Eu ainda tô jovem, apesar de ter 37 anos. Eu ainda tô jovem, eu ainda tô me descobrindo, eu ainda tô me resolvendo. Ainda tenho muita vida pra viver. Mas, por ora, as questões que provocaram o disco ali em 2024 foram essas questões, né? A questão com a amizade, a questão do autoamor, do encontro com a cura a partir do som. Foram essas questões que foram surgindo e que ficaram presentes no disco.
TMDQA: Pra gente encerrar, queria quais discos ou artistas você diria que foram seus melhores amigos durante o processo de criação de “Um mar Pra Cada Um”?
Luedji Luna: Ah, tá bom. Primeiro, “A Love Supreme”, do John Coltrane. [O saxofonista] Kamasi Washington também. Cleo Sol, os dois últimos álbuns dela. Cleo Sol, demais. Eu ouvi também muito Bruna Mendes, que é uma artista nova de Goiânia. Ouvi Frequência 432 Hz, que não sei se conta como artista, como disco, mas ouvi muitas frequências.
TMDQA!: Conta sim! Obrigada pela conversa e sucesso com o lançamento, Luedji!
Luedji Luna: Obrigada você!
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