
Desde que artistas da música começaram a experimentar o cinema como extensão estética de suas obras – de Purple Rain a Lemonade – surgiu um desafio: como traduzir a intensidade sonora em imagens que não apenas ilustrem, mas ampliem a experiência artística? Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes, dirigido por Trey Edward Shults em parceria com Abel Tesfaye (The Weeknd), tenta responder a essa pergunta. Mas o resultado, apesar de suas intenções nobres, é uma obra estéril, repetitiva e excessivamente autocentrada.
A premissa é promissora: acompanhar a espiral emocional de um astro pop em colapso, abordando temas como insônia, dor física, perda e o esvaziamento da fama. Mas o que poderia ser um mergulho poético nas angústias contemporâneas transforma-se num desfile de imagens vagas, diálogos dispersos e simbologias rasas.
Abel, que já havia testado os limites do audiovisual no mal-recepcionado seriado The Idol, aposta aqui todas as fichas num thriller fragmentado que expande o universo de seu último disco. O problema é que, diferentemente de obras que compreendem seu biografado como um ser múltiplo, político e em constante metamorfose, Hurry Up Tomorrow parece preso ao culto do próprio espelho.
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Um delírio sem corpo
Visualmente, o filme aposta numa estética escura, monocromática e sufocante. Luzes vermelhas, trilhas pulsantes e câmeras inquietas tentam transmitir a aflição do protagonista – mas acabam apenas estendendo a angústia do espectador. Não há respiro, não há clímax, não há contraponto emocional. A ausência de variação tonal transforma o drama em apatia, como se o vazio interno do personagem contaminasse também a linguagem do filme.
O elenco, por sua vez, sofre com um roteiro rarefeito. Barry Keoghan, ator dotado de nuance e presença, interpreta Lee, um personagem que poderia funcionar como catalisador da história, mas é reduzido a arquétipo. Jenna Ortega, no papel de Anima, encarna uma espécie de musa inerte: presença constante, mas dramaticamente vazia, quase ornamental. São presenças desperdiçadas em cenas que insinuam intensidade, mas desaguam em frustração.
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Quando a forma engole o conteúdo
Não se trata de julgar Hurry Up Tomorrow por fugir das fórmulas. O problema não é sua ambição estética – e sim a ausência de substância que a sustente. Ao contrário de obras que ressignificam a trajetória artística com risco e sensibilidade, este longa parece mais preocupado em parecer profundo do que em realmente tocar o espectador.
Há momentos de beleza? Sim. Sequências visuais que flertam com o hipnótico, especialmente quando a música assume o protagonismo. Mas são ilhas isoladas num oceano de pretensão. A obra termina como começou: envolta em fumaça, mas sem fogo.
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The Weeknd: o retrato imperfeito de um artista em crise
Hurry Up Tomorrow poderia ser uma peça de confissão, de ruptura ou de libertação. No entanto, termina como um artefato vaidoso e hermético. The Weeknd, em busca de um retrato artístico de sua dor, entrega algo mais próximo de um editorial de moda existencial: bonito, mas vazio; ousado, mas indiferente.
Não é a dor que falta. É o gesto de partilha. Enquanto temos obras que transformam-se em epifania coletiva, Hurry Up Tomorrow nos fecha numa bolha dourada onde só cabe uma voz – e ela, infelizmente, soa ensimesmada.
★☆☆☆ (1/5)
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