27/05 - 01/06

A nostalgia pode ser sua aliada

Passado, presente e futuro: Marina Amano fala sobre impacto da nostalgia no mercado da música

Em entrevista, CEO da Listo Music cita exemplos e fala sobre tendência nostálgica em shows e lançamentos fonográficos

Marina Amano
Créditos: Lucas Nery

Não é segredo pra ninguém que a nostalgia virou um grande aliado a produtoras de eventos e gravadoras nos últimos anos.

Impulsionado pela pandemia e pela velocidade das coisas que a Internet e as mídias sociais ditam atualmente, o processo de se apegar a sons que nos confortavam anos atrás não apenas é latente como muito rentável.

Não à toa, turnês de atos estabelecidos há décadas estão esgotando ingressos em grandes arenas e artistas dos Anos 70, 80 e 90 têm voltado a aparecer nos holofotes com as suas músicas.

Quem conversou a respeito do assunto com o TMDQA! foi Marina Amano, CEO da Listo Music, agência especializada em música que gerencia nomes como Fat Family e Tuyo.

Nostalgia na Música, Releituras e Negócios

TMDQA!: Como você enxerga esse movimento da nostalgia pela indústria da música lá fora e quanto você acha que a pandemia influenciou nesse processo?

Marina Amano: A nostalgia sempre teve espaço na cultura pop, mas a pandemia acelerou, sim, esse movimento. Durante o período de isolamento social, as pessoas buscaram conforto em memórias afetivas, incluindo músicas que remetiam a tempos mais esperançosos. Lá fora, vimos artistas relançando álbuns, fazendo turnês comemorativas, documentários e regravações, não só como um respiro emocional, mas também como uma estratégia comercial bastante eficaz. A indústria entendeu que revisitar o passado com inteligência pode ser um caminho para gerar conexão emocional com o público, principalmente em um momento em que o presente estava muito instável e ninguém sabia o que seria do nosso futuro.

TMDQA!: E aqui no Brasil, como você entende que artistas estão mergulhando na onda nostálgica?

Marina Amano: No Brasil, o movimento da nostalgia tem ganhado força e diferentes formatos. Estamos assistindo a retornos e reencontros de artistas consagrados, como os Titãs, que fizeram uma das maiores turnês dos últimos anos, até artistas mais jovens que se inspiram nos movimentos musicais de décadas passadas.

O nosso case com Fat Family mostra que a gente ainda pode ir além. Planejamos estrategicamente esse comeback que contempla não somente a volta aos palcos com o show comemorativo de 25 anos, mas também um reposicionamento estratégico, com novos projetos, colaborações com nomes atuais como BK’ e uma abordagem que honra o legado do grupo, e ao mesmo tempo conversa com o público de hoje.

É preciso estar muito disposto para ser certeiro no rebranding. Esse processo exige planejamento minucioso, decisões firmes e, principalmente no início, tivemos que dar mais “nãos” do que “sins”. Nem tudo que aparece é oportunidade, muitas vezes pode ser apenas distração ou então pode até te posicionar no lugar errado. O diferencial, nesse caso, foi a confiança total do grupo nas estratégias que propusemos. E os resultados estão aí: apresentações em grandes festivais como Rock The Mountain, Sarará e Afropunk, sendo esse último um dos shows mais comentados da edição, destaque nos principais veículos de comunicação e uma agenda com ingressos esgotados. 

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TMDQA!: A nostalgia por si só tem prazo de validade, então é necessário criar pontes geracionais para que a onda deixe frutos. Como você enxerga essas conexões sendo criadas aqui no Brasil?

Marina Amano: Concordo. A nostalgia só se sustenta se for ponte para o hoje. Aqui, essas conexões estão acontecendo quando artistas veteranos se abrem para novas linguagens e colaborações, e quando os mais jovens reconhecem e reverenciam o legado dos que vieram antes. A faixa “Da Madrugada”, do BK’ feat Fat Family, é um bom exemplo: é uma canção contemporânea, com estética atual, mas que carrega o peso e a beleza da história de um grupo lendário.

A Evinha, também presente no disco do BK’, foi inclusive descoberta pela nova geração após essa participação.

Arthur Verocai é outro grande exemplo, sampleado por nomes do mundo inteiro, vive hoje, aos quase 80 anos, um momento único na carreira. É nesse tipo de interseção que a nostalgia vira algo vivo, que inspira e alimenta novas criações. Isso exige pesquisa, respeito pelos legados e intenção artística com verdade.

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TMDQA!: Sempre que temos movimentos muito fortes e lucrativos, muita gente aparece tentando aproveitá-los, mesmo que essas pessoas não estejam envolvidas naquele assunto, o que gera materiais muito artificiais. Que dicas você daria para que artistas não errem na hora de embarcar nesse movimento?

Marina Amano: O mais importante é ser verdadeiro com a sua história. Se o artista tenta forçar uma conexão com um passado que não viveu, ou entra nesse movimento só porque está “em alta”, o público percebe e a resposta costuma ser o desinteresse. O ideal é que qualquer resgate venha de um lugar legítimo, que faça sentido com a identidade do artista.

Se for para apostar nesse tipo de projeto, é preciso garantir que a história esteja realmente conectada ao que ele quer expressar hoje. E, claro, que esse projeto garanta uma linguagem atual, uma estética bem desenhada e um planejamento estratégico.

TMDQA!: Para além da nostalgia, em linhas gerais, como você enxerga o mercado da música brasileiro hoje em dia e como visualiza o futuro da música popular brasileira?

Marina Amano: Vejo o mercado da música brasileira em um momento de transição potente, mas também desafiador. Por um lado, temos artistas independentes ganhando cada vez mais protagonismo e acesso a ferramentas digitais que democratizam a produção e a distribuição musical. Isso permite a possibilidade de que vozes mais plurais alcancem públicos maiores sem necessariamente depender de grandes estruturas.

Ao mesmo tempo, é importante reconhecer os desafios. Vivemos em um país extenso, com dificuldades logísticas que impactam especialmente artistas em circulação fora dos grandes centros. Outro ponto sensível é o financiamento: festivais de médio porte, projetos autorais e experimentais ou artistas midstream enfrentam barreiras importantes para se manterem ativos. Além disso, ainda há uma concentração de atenção e investimento em certos gêneros, o que limita a visibilidade de propostas mais diversas e inovadoras.

Porém, acredito profundamente na força da nossa matéria-prima. A pluralidade da nossa música, a capacidade de inovação dos nossos artistas e a potência das nossas narrativas são nossos maiores ativos. O mercado tem se profissionalizado cada vez mais, e essa maturidade é essencial para que a gente consiga construir um ecossistema mais sustentável, diverso e internacionalmente relevante para a música popular brasileira.

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