
Em meio a uma paisagem cinematográfica saturada por cinebiografias domesticadas e previsíveis, Homem com H surge como um respiro criativo e necessário. Dirigido e roteirizado por Esmir Filho, o longa-metragem entrega um tributo vibrante, sensorial e emocional à vida e à arte de Ney Matogrosso, ícone intransigente da liberdade artística, da performance queer e da resistência cultural brasileira.
Ao contrário de tantas biopics recentes, que se contentam em seguir a cartilha da reverência sem alma – como Bob Marley: One Love ou Meu Nome é Gal – Homem com H ousa em querer ser mais, ao estilo do artista. O filme não apenas narra a trajetória de Ney: ele nos faz encarnar, encenar e sentir junto. Mesmo com estrutura linear – mas liberdade visual – o filme costura momentos marcantes da vida do artista com uma estética ousada, intimista e altamente simbólica, marcada pela presença constante da “animalidade” como conceito narrativo e poético.
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Ousadia e Vulnerabilidade
A narrativa parte da infância do cantor, marcada pela repressão de um pai militar, até sua consagração como performer inclassificável. Jesuíta Barbosa está em estado de graça ao interpretar Ney, reproduzindo com assombrosa precisão os maneirismos, a voz e os silêncios do biografado. Sua performance atinge um raro equilíbrio entre a exuberância do palco e a vulnerabilidade fora dele. Em cenas como a audição de “Rosa de Hiroshima” ou os encontros com Cazuza, o ator entrega emoções cruas, sem artifícios.
Esmir Filho, conhecido por sua sensibilidade na direção, encontra aqui uma realização mais madura. Sua direção é segura, ousada e profundamente conectada ao espírito indomável de Ney. Com a colaboração do diretor de fotografia Azul Serra e do diretor de arte Thales Junqueira, o filme evita o espetáculo vazio, preferindo focar em planos fechados, cores melancólicas e composições que refletem o conflito interior do protagonista.
As performances musicais – com clássicos como “Homem com H”, “Bandido Corazón” e “Pro Dia Nascer Feliz” – não são meras ilustrações, mas marcos de transformação interna. Cada canção carrega peso emocional, simbólico e narrativo, reforçando a jornada de autoconstrução do artista. Até mesmo as cenas de sexo, longe de serem gratuitas, expressam uma liberdade corporal e emocional que raramente encontra espaço no cinema brasileiro.
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O retrato perfeito de Ney Matogrosso
Sim, Homem com H tem seus excessos. O recorte amplo da vida do artista pode soar apressado em alguns momentos, especialmente nos vinte minutos finais, que funcionam mais como epílogo do que conclusão narrativa. Alguns espectadores podem sentir falta de maior aprofundamento em eventos das últimas décadas da vida de Ney. No entanto, a escolha de abordar a totalidade de sua trajetória, e não apenas um trecho, é também uma forma de se contrapor ao conformismo que Ney sempre combateu.
Mais que uma biografia, Homem com H é uma declaração estética e política. Um filme que entende que arte é desobediência, e que nenhum rótulo ou estrutura é capaz de conter o furacão que é Ney Matogrosso – enquanto criança, enquanto jovem adulto que despontou com o Secos e Molhados e enquanto artista solo que encantou ainda mais a nossa nação.
Com uma entrega artística impecável e um olhar poético sobre a dor, a luta e a liberdade, o longa de Esmir Filho merece ser visto, revisto e celebrado. Ney, afinal, nunca foi só um cantor: ele sempre foi – e segue sendo – um acontecimento.
★★★★ (4/5)
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