Em Pecadores, Ryan Coogler transforma o terror em um espetáculo musical — e, mais que isso, em um manifesto sobre cultura negra, resistência e espiritualidade. O blues, nesse contexto, não apenas embala a narrativa: ele é a própria espinha dorsal do filme. E também, com muita inteligência, a alma da sua estratégia de marketing.
Ambientado no Mississippi dos anos 1930, o filme segue os irmãos gêmeos Fumaça e Fuligem (ambos interpretados por Michael B. Jordan) em sua jornada para abrir um clube de blues em meio à segregação racial e ameaças sobrenaturais. A música é o coração pulsante de Pecadores, e isso é um baita acerto.
O compositor Ludwig Göransson, colaborador frequente de Coogler, mergulhou nas raízes do blues: os dois percorreram o “Caminho do Blues” no Mississippi e visitaram a cidade natal de B.B. King para captar a essência viva do gênero. Essa autenticidade sonora não apenas enriquece a experiência cinematográfica, mas se torna também um diferencial profundo na construção e divulgação do filme. Não é exagero afirmar que algumas passagens musicais marcarão a história recente do cinema.
Mas por que esse mergulho é tão relevante?
O filme faz uma singela analogia a uma lenda poderosa: a história do músico Robert Johnson, que teria feito um pacto com o diabo numa encruzilhada para se tornar um dos maiores nomes do blues. Johnson saiu do anonimato para a eternidade com pouquíssimas gravações — e um mito imortal. Essa narrativa é o DNA do filme.
A trajetória de Sammie, personagem que representa o músico em ascensão, ecoa essa lenda: ele retorna dos campos de algodão tocado por algo quase sobrenatural. E isso não é por acaso. Coogler costura o folclore afro-americano ao integrar o hoodoo, uma tradição espiritual baseada em magia, ancestralidade e resistência. A personagem Annie (Wunmi Mosaku) encarna essa força, que oferece conhecimento e poder à margem do cristianismo dominante da época.
Nesse contexto, o blues é mais que música — é um feitiço. E o filme, um ritual.
Um dos momentos mais potentes de Pecadores é a primeira apresentação de Sammie no juke joint dos irmãos. Sua música transcende espaço e tempo. Em um plano-sequência hipnótico, a música transporta os presentes em uma viagem onde tempo, espaço e cultura se dissolvem. Passado, presente e futuro dançam juntos: há guitarristas ao estilo Prince, DJs, figuras com trajes africanos, tribais, chineses, elementos do funk, do soul, do gospel, e do hip hop. É uma explosão de referências que mostram como a música negra é, e sempre foi, a base da cultura americana. E é justamente por isso que, no filme, ela vira alvo dos vampiros — uma metáfora potente sobre o apagamento histórico da arte afro-americana.
A base do Marketing em “Pecadores”
A sempre ótima Hailee Steinfeld, que interpreta Mary, lançou a faixa “Dangerous” como parte da trilha sonora, marcando seu retorno à música após um hiato. A escolha de colocar uma artista em ascensão na cultura-pop (ela já é uma Jovem-Vingadora na Marvel) como parte da promoção musical não é casual: amplia o alcance do filme para diferentes públicos e plataformas. A trilha sonora, recheada de alma, foi utilizada em trailers, teasers e campanhas sociais — criando uma conexão emocional com o público, reforçando identidade e gerando engajamento orgânico.
Pecadores é um exemplo brilhante de como música e cinema podem caminhar juntos não só na tela, mas também nas estratégias de distribuição e comunicação. Ao integrar o blues de forma orgânica à narrativa e ao marketing, Coogler não apenas homenageia a cultura afro-americana: ele a reposiciona, a exalta e a torna (como é) impossível de ignorar.
SPOILER ALERT (do bem… ou do Diabo):
O filme termina com uma cena pós-créditos que amplia esse impacto.
Já nos anos 1990, vemos Sammie agora mais velho — interpretado por ninguém menos que Buddy Guy, lenda viva do blues. Tal como o personagem, Buddy também saiu de campos de algodão para conquistar Chicago e o mundo, com a ajuda de Muddy Waters. Ao escalar Guy para essa cena, Coogler fecha o círculo com maestria: transforma o mito em homenagem real, lembrando que a arte negra sobreviveu aos vampiros da história.
Em Pecadores, o pacto com o diabo não é só lenda: é metáfora do que artistas negros precisaram enfrentar para existirem. E a música, mais uma vez, é o que os mantém vivos.
Coluna dedicada a explorar como o marketing pode transformar bandas em marcas icônicas e vice-e-versa. Com mais insights sobre música, estratégias criativas e cases de sucesso, a coluna pretende desvendar o universo em que música e negócios se encontram.
Coluna dedicada a explorar como o marketing pode transformar bandas em marcas icônicas e vice-e-versa. Com mais insights sobre música, estratégias criativas e cases de sucesso, a coluna pretende desvendar o universo em que música e negócios se encontram.