Liniker criou CAJU para celebrar sua vida e dizer coisas que ela precisava colocar para fora, mas o que talvez ela não imaginasse é que uma legião de pessoas também iria se conectar de uma maneira tão forte com esse disco, que apresenta relatos pessoais e experiências que ela almeja para o futuro.
Com seu segundo álbum de estúdio, a talentosa artista conseguiu não apenas atrair seus fãs, como também a aceitação dos críticos e sucesso comercial capaz de furar bolhas e agradar o mainstream. Isso é raro de ser alcançado, mas CAJU provou desde o seu lançamento que não foi criado para ser só mais um trabalho no mercado musical. Ele veio para consolidar e ampliar a carreira de Liniker.
Por isso e por tudo que compõe o universo de CAJU, a obra foi escolhida como o Disco do Ano de 2024 aqui no Tenho Mais Discos Que Amigos!
Liniker e o fenômeno CAJU
Lançado em 19 de Agosto deste ano, data escolhida por Liniker por conta de seus detalhes astrológicos, CAJU viu seu conteúdo nascendo em quartos de hotel durante a turnê de Indigo Borboleta Anil (2022), e também enquanto ela passava uma temporada em Salvador, cidade a qual ela disse com exclusividade ao TMDQA! que serve de forte inspiração em suas fases de composição.
Através do seu novo álbum, a artista de Araraquara decidiu proporcionar uma experiência para os seus ouvintes apresentando não apenas sua versatilidade musical, explorando ritmos como pop, samba, jazz, reggae, pagode baiano e outros, como também nas sensações que as faixas provocam por conta da junção entre os vocais marcantes de Liniker, as impactantes melodias e a maneira como essas músicas foram produzidas.
O resgate do analógico e a diversidade de ritmos
Por sugestão de Gustavo Ruiz, que assina a produção musical de CAJU junto com Fejuca e Liniker, o álbum foi gravado de forma analógica, proporcionando uma textura especial para o resultado das faixas, além de, segundo a cantora, salvaguardar as referências musicais dos grandes álbuns nacionais e internacionais e para representar uma atitude disruptiva em 2024, “onde tá tudo tão um minuto, pasteurizado”.
Revelando mais detalhes sobre a escolha do formato analógico e celebrando o processo de produção escolhido, Liniker apontou:
“A gente escolheu o analógico por uma questão de textura. Acho que o analógico, ele traz não só uma memória do antigo, mas um lugar pro som. Você entende que aquele som não tá pasteurizado e extremamente tratado, ele tem uma coisa de ambientar onde você tá ouvindo.
É quase como se o analógico fosse um RG do disco. Então você sabe de onde tá vindo aquilo, sabe de onde nasce. E eu amei. Obviamente é um processo mais longo, demorado, porque todas as faixas foram gravadas de forma analógica e, depois de gravar em analógico, pra gente ter o disco digitalizado a gente tinha que renderizar o álbum, e isso era um processo de horas. Quase 10 horas para cada música! Imagina aí, 14 faixas renderizadas, 10 horas de analógico, foi um tempão. Tem muito detalhe. E foi um disco muito feito à lupa, para que cada detalhe tivesse o máximo possível de cuidado.
Então tem essa alegria do processo criativo. Obviamente o sucesso traz também alegria, mas a minha maior alegria é esse processo que só quem estava ali no estúdio viveu, que foi gravar um disco assim, dessa amplitude, e ver quase como uma massinha de modelar criando forma e nascendo ‘CAJU’.”
No disco que desafia os padrões comerciais com sua duração de 1 hora e 9 minutos, Liniker enaltece a diversidade dos gêneros que desenham a cena musical brasileira. Ao falar da mistura de ritmos que vai desde o samba em “Febre” e o R&B em “Papo de Edredom” até o house de “So Special”, bem como a presença do coral da Orquestra Brasil Jazz Sinfônica em “Veludo Marrom”, a cantora explicou:
“Eu acho que eu quis desde o começo fazer um disco dançante e acho que o fato de já ter essa meta de um álbum dançante e de um álbum de calor, um álbum pra fazer suar, eu pensei que não poderia ser um disco de um ritmo só sendo que eu sou uma artista brasileira, morando no Brasil, consumindo tudo que o Brasil oferece pra gente e ao mesmo tempo referências internacionais.
Então, acho que todos os elementos foram muito pensados quase como se eu conseguisse mapear o meu disco em regiões brasileiras. Acho que isso é muito legal e agora, em turnê, é interessante ver como isso de fato funciona, quando a gente vê cada região e vê quais são as músicas que o povo mais pula. É sensacional isso.”
Origens e Reconhecimento
CAJU tem sido um dos grandes destaques das premiações musicais do final deste ano. No Prêmio Multishow, por exemplo, a performance de Liniker foi a mais aclamada pelo público e muitos aplaudiram de pé a vitória da artista na dobradinha das categorias Artista e Disco do ano.
Ao ser questionada sobre viver esses momentos de celebração e o que muda em sua carreira após seu trabalho ter esse nível de reconhecimento, a cantora declarou:
“Eu acho que é muito bonito ver tudo que tem acontecido na minha carreira na perspectiva de que eu vou fazer 10 anos de carreira. Então é importante, no meu entendimento pessoal, que eu mesma compreenda que tudo isso é uma história traçada nesses 10 anos. Mas fico contente de ser reconhecida nesse lugar, tipo, de expansão territorial, de um país continental como o Brasil. Porque eu não posso esquecer de onde eu venho, quem eu sou, sem me colocar no lugar, me diminuindo mais, quais são os recortes que atravessam o meu corpo também, sabe?
Acho que ter essas vitórias sendo quem eu sou, representando o que eu represento, existindo aonde eu existo, não dá para não acreditar que a gente começa a ir para um lugar de avanço – dentro, por exemplo, de pensar todo o retrocesso político que a gente tem passado nos últimos anos, que isso não dê uma esperança de um futuro. Fico feliz por isso.”
Em tempos de singles, um disco cheio que prendeu os ouvintes
Por se tratar de um disco com relatos íntimos, que traz tanto músicas com ritmos mais suaves e emocionantes como faixas mais dançantes e apresenta uma série de parcerias com artistas de diferentes gerações como Lulu Santos, Pabllo Vittar, BaianaSystem, Amaro Freitas, Anavitória e Melly, CAJU furou a bolha. Por isso, além de conquistar aqueles que já admiravam os trabalhos anteriores de Liniker, também a apresentou para novos públicos que ainda não estavam conectados à obra da artista.
Ao refletir sobre o elemento especial que pode ter causado esse interesse de novos ouvintes por CAJU, Liniker comentou:
“Eu acho que a qualidade do disco. Acho que isso é um diferencial, modéstia à parte. Tudo que a gente investiu de som para que esse disco fosse o que ele está sendo e também um lugar de verdade. Eu acreditei muito no disco pra ele existir, então acho que, quando tem seu coração ali transparente, inteiro, não tem como as pessoas não verem um sentido naquilo, sabe?”
Outra característica do álbum é que, com a sua construção para ser ouvido na ordem, prendendo o ouvinte, CAJU parece ter conseguido desacelerar um pouco a sensação de imediatismo que vivemos no dia a dia e que está presente em muitos trabalhos musicais de atualmente.
Conversando com o TMDQA!, a dona do Disco do Ano de 2024 compartilhou mais detalhes sobre essa intenção:
“Eu quis, na verdade, com esse disco, mexer no tempo das coisas. Eu queria muito que quem ouvisse o ‘CAJU’ se desse o presente de – uma hora do dia que fosse – parar pra ouvir uma hora e pouquinho de disco. De, obviamente, entender que ele funciona. Eu lancei um single: ele funciona solto, mas a experiência do disco, ela é full. Ela é um plano sequência. Tanto é que, quando você ouve o disco na íntegra, você vai perceber que ele tem um sound design de cinema, que cada faixa começa na outra. Tem um trabalho imagético, de construção de imagem através do som, que pra mim era importante desde o dia 1 de pensar como seria esse disco. Eu queria não só fazer um álbum de música, eu queria fazer um filme musical que fosse escutado no fone.
Pra mim é muito bonito ver que um trabalho de 14 faixas tem sido respeitado no tempo do trabalho, nos dias de hoje, onde o tempo é uma questão dentro dos streamings, onde as plataformas, as gravadoras, as distribuidoras sempre questionam uma artista quando o tempo é diferente. Então, diferente disso, no sentido de ‘tem que ser curto pra chartear’ [fazendo referências aos Charts – parada musical]. Pra mim foi importante manter a minha intuição, a credibilidade que eu queria dar. Acho que eu queria que esse disco fosse pego pela qualidade e acho que o tempo também entra nesse crivo da qualidade.“
Legado, Futuro e a Música em primeiro lugar
É um fato que CAJU marcou 2024 e continuará sendo enaltecido por muitas gerações. O álbum, que está vendo seu show ser um dos mais disputados do ano e que ainda será protagonista de um futuro documentário, já colocou Liniker no posto de um dos nomes de maior relevância da nova cena musical brasileira.
Como uma mensagem sobre o futuro, perguntamos à cantora qual é o legado que ela acredita que CAJU pode deixar na música, e ela nos contou: