Por décadas, os Racionais MC’s foram mais do que música: tornaram-se um reflexo brutal e poético do Brasil, uma lente através da qual enxergamos a sociedade, suas contradições e suas esperanças. Agora, celebrando 35 anos de carreira, o grupo ocupa o Museu das Favelas com a exposição “Racionais MC’s: O Quinto Elemento“, um mergulho profundo em sua trajetória de resistência, luta e transformação.
A mostra, com curadoria de Eliane Dias, não é apenas um tributo; é um convite à reflexão sobre o impacto cultural e histórico dos Racionais MC’s. É uma celebração dos quatro integrantes – Mano Brown, Ice Blue, KL Jay e Edi Rock – que se estabeleceram como o “quinto elemento” do hip-hop brasileiro. Mais do que MCs, DJs, grafiteiros ou dançarinos, eles trouxeram um elemento transcendente: o conhecimento. E é por meio desse legado que a exposição constrói pontes entre o passado, o presente e o futuro.
Para DJ KL Jay, o grupo reflete a sobrevivência e a missão de “quatro pretos brasileiros” conectados por laços ancestrais. Segundo ele, há um eco que ressoa no ethos da exposição: a ideia de que as vozes do Racionais são mais do que um relato musical — são a história de um país que se debate entre a exclusão e a transformação.
Uma viagem ao tempo
A exposição não apenas celebra o legado do grupo, mas também provoca reflexões sobre a essência de sua mensagem. Em um dos espaços, luzes baixas remetem às noites da Rua São Bento, onde o rap se consolidou como a voz da resistência.
Manuscritos, figurinos, objetos pessoais – como o kimono de Ice Blue e a bicicleta azul de Edi Rock – ajudam a contar uma história que é, ao mesmo tempo, pessoal e coletiva. O impacto emocional da mostra se intensifica com homenagens a figuras como Sabotage e MC Kevin, e até mesmo à mãe de Mano Brown, eternizada na canção “Negro Drama“. Esses momentos não são apenas artefatos da memória, mas um ponto de reconexão dos artistas com cada verso e cada história.
A retrospectiva apresentada na exposição é um mosaico de memórias, desafios e vitórias, são peças de um quebra-cabeça maior: o de uma geração que encontrou no rap um veículo para sobreviver e contar sua verdade. “São 40 anos de histórias que eram apagadas anteriormente”, afirma Mano Brown.
A ancestralidade os Racionais
Em entrevista, KL Jay descreve a exposição como “um pequeno universo do Racionais”, mas o impacto vai além. “Somos a história de quatro pretos brasileiros que se encontraram, mas já estavam conectados ancestralmente”, ele reflete. Essa conexão com as raízes africanas não é apenas simbólica: testes de DNA revelaram que os membros do grupo compartilham 54% de ancestralidade comum, reforçando que, antes mesmo da música, havia algo maior os unindo.
Esse resgate da ancestralidade está materializado em uma das obras da exposição, que conecta o grupo a suas origens na Costa da Mina, Grandes Lagos e outras regiões do continente africano. O DNA cultural do Racionais, no entanto, também pulsa nas ruas de São Paulo, onde o grupo se formou e encontrou sua voz.
Nos últimos anos, os Racionais têm encontrado espaço também em universidades, museus e instituições culturais, recebendo até o título de Doutor Honoris Causa. KL Jay enxerga isso como uma validação importante, mas faz questão de lembrar: “O reconhecimento maior sempre veio da rua. Somos doutores desde a primeira música.”
Transformações sociais
A trajetória do Racionais MC’s é, antes de tudo, a história de uma luta. “Passamos por cinco governos e refletimos todas essas transformações”, destaca Mano Brown. Do governo de Fernando Collor ao presente, o grupo narrou as complexas realidades das periferias, denunciando a violência e a desigualdade com uma contundência que nem sempre foi bem-vinda. “Às vezes, incomodávamos porque falávamos a verdade que as pessoas não queriam ouvir”, ele admite.
Ao olhar para o futuro, Mano Brown permanece realista: “O racismo verdadeiro vai aparecer quando disputarmos os mesmos amores, os mesmos cargos, os mesmos perfumes. Até lá, a luta está só começando.”
Ele ressalta ainda que Racionais MC’s não estão alheios às transformações da sociedade, que interferem nas composições do grupo. Para o rapper, o dinheiro – mais do que a religião ou a filosofia – é a chave para mudanças concretas nas favelas. “Quem disse que o dinheiro faz mal para nós foi o dono de fazenda. Dinheiro é sobrevivência e gera a vida real.”
“Às vezes, as narrativas incomodavam algumas falas da militância, que queria uma coisa mais utópica, enquanto a gente mostrava não existia. Dizem que a gente está vendendo o neoliberalismo. O Brasil escolheu o neoliberalismo, como vou fazer um rap falando de socialismo, se dois terços da periferia escolheram o outro lado? Eu escrevo sobre o que vivo, isso desde o passado até o próximo disco que está vindo.”
A exposição “Racionais MC’s: O Quinto Elemento” é mais do que um memorial. É um manifesto visual, sonoro e emocional que convida o público a compreender o impacto do grupo não apenas como um fenômeno cultural, mas como uma ferramenta de transformação. É o passado em diálogo com o futuro, lembrando que resistir é, acima de tudo, existir.
Onde Fica e Quanto Custa a exposição do Racionais?
A exposição ficará disponível até maio de 2025. A entrada para o Museu das Favelas é gratuita, com retirada de ingressos no site ou na recepção. O funcionamento é de terça-feira a domingo, das 10h às 17h, com permanência até 18h. O novo endereço é Largo Páteo do Colégio, 148.