Evil Dead Rise
Crédito: divulgação

Por Gui Beck

Austin, Texas, Março de 2023. Um cruzamento movimentado no centro da cidade. Um homem de cabelos grisalhos, costeletas e topete atravessa a avenida apressado.

Os grandes óculos escuros e o blazer retrô com ombreiras emprestam um tom cômico à cena. Logo atrás, outro homem acelera o passo. O perseguidor, de barba densa, boné e
olhos aflitos, carrega uma mochila nas costas e um grande crachá pendurado no peito.

A perseguição se desenrola por mais de uma quadra sem que o homem do topete, de fato, se dê conta, até que, correndo pela rua, muito próximo aos carros, o homem do crachá interpela o outro: “Senhor Campbell, senhor Campbell!”

Era o dia seguinte à estreia mundial de A Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead Rise), novo filme da franquia Evil Dead, no Festival South by Southwest, realizado no mês passado.

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Evil Dead Rise foi exibido no SXSW

Fachada cinema Evil Dead Rise no SXSW
Foto por @2beck_ / Estúdio Gaveta

O dia da exibição do longa no evento tinha sido marcado por uma overdose de sangue, tripas e gente possuída, não só na tela do prestigiado Paramount Theatre, mas também em um bate papo com as figuras centrais responsáveis pelo filme e pela franquia toda.

Por isso tudo, Bruce Campbell, o intérprete do icônico personagem Ashley J. Williams, da trilogia original dirigida por Sam Raimi e, mais recentemente, da série do canal Starz Ash Vs. Evil Dead, estava na cidade.

Naquela manhã seguinte à estreia, minha cabeça ainda passava em replay alguns dos trechos mais nauseantes do filme, quando justamente, naquele momento, ninguém menos que o próprio Bruce atravessa a rua, bem na minha frente.

Então, de forma muito semelhante ao que acontece com os desafortunados personagens que cruzam o caminho do infame Livro dos Mortos, fui possuído por uma força mais poderosa que meu próprio instinto de autopreservação e não só coloquei minha vida em risco em meio ao trânsito de Austin, mas ainda mais importante, coloquei em jogo
meus poucos fiapos de amor próprio.

Como um bom filme de terror B, o desfecho desse encontro não foi exatamente feliz e para alguém que, como eu, se gaba de ser capaz de circular entre celebridades diversas mantendo a compostura, e mesmo uma certa indiferença, foi um final meio amargo naquele momento.

Em resumo, minha interação na rua com Bruce Campbell se restringiu a uma troca rápida de palavras na qual ele incidentalmente talvez tenha salvo minha vida, me pedindo para sair da rua, enquanto eu o perseguia e arremessava algumas palavras de afeto de fã na direção dele.

Não, ele não se interessou muito em levar a conversa adiante ali na rua e depois de um
meio sorriso desconfiado me despachou com um “fist bump” em que meu anel de caveira se chocou brevemente com os dele. O ápice do nosso contato.

Escolhi começar essa história pelo fim para imitar o recurso narrativo do próprio filme do qual estamos falando aqui, que já inicia com a tensão lá em cima, em um prólogo tenebroso e então volta um dia no tempo para contar como as coisas chegaram ali. Prólogo tenebroso relatado, vamos aos acontecimentos do dia anterior.

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Coletiva de novo filme da franquia Evil Dead nos EUA

Coletiva sobre Evil Dead Rise
Foto por @2beck_ / Estúdio Gaveta

Era então a manhã de 15 de Março e, em uma das salas de tamanho intermediário do Centro de Convenções de Austin, algumas dezenas de fãs, jornalistas e pessoas relacionadas ao lançamento de Evil Dead Rise se reuniam para uma conversa com a equipe.

No local, estavam o diretor Lee Cronin e as atrizes Lily Sullivan e Alyssa Sutherland, além do trio supremo de responsáveis pela criação de todo o universo Evil Dead (e produtores nesta nova empreitada), o produtor Robert Tapert, o já citado Sam Raimi e o
protagonista do meu próprio causo infeliz, Bruce Campbell.

A função toda foi conduzida pelo próprio Tapert, que fez perguntas a todos, em uma bem
coordenada ação de legitimação desta nova geração Evil Dead junto aos fãs.

Esta foi a primeira vez que nenhuma menção ao personagem icônico de Campbell é feita em um filme da franquia, nem sequer como uma imagem pós créditos, como no reboot de Fede Alvarez de 2013 e talvez, por isso mesmo, a presença de Bruce, Sam e Robert, produtores dessa nova encarnação, seja tão importante para dar o aval necessário ao filme perante os fãs.

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Sam Raimi em coletiva sobre Evil Dead Rise
Foto por @2beck_ / Estúdio Gaveta

Voltando à manhã do dia 15, mesmo sob ameaça de ser gongado (sim, realmente havia um gongo) e despachado da fila caso cometesse a gafe de dirigir uma pergunta a alguém que já havia respondido algo, fui voluntário para apresentar uma questão e resolvi atacar de forma bem-humorada um dos pontos vistos com desconfiança por fãs de todo o mundo.

Trata-se do fato deste ser o primeiro Evil Dead que, de certa forma, abandona o subgênero “cabana na floresta” e tem sua ação se passando em uma cidade grande. Eis minha pergunta, depois de apontar brevemente esta questão sobre o enredo do novo filme: “Vamos supor que apareça um roteiro para um Evil Dead que se passe, sei lá, no espaço. Vocês gostariam de estar atrelados a um projeto assim?”

Obtive umas boas risadas do público, que obviamente entendeu a referência à franquia Sexta-feira 13 (que chegou justamente àquele extremo espacial de inventividade), mas quase que imediatamente as risadas foram interrompidas pela tirada teatralmente ranzinza de Bruce Campbell: “Não, porque isso significaria que nossas ideias acabaram!”.

Novas risadas do público se seguiram, enterrando de vez minha chance de conseguir algum comentário mais sério a respeito da mudança de ares da franquia. É, eu sei, a resposta menos que amistosa de Campbell à minha pergunta em público deveria ter me dado uma pista de como ele receberia uma abordagem surpresa na rua — e deu — mas mesmo assim o desfecho foi aquele que já contei.

O receio, meu e de boa parcela dos fãs mais hardcore quanto à mudança para a cidade da ação da franqui se dissipou por completo mais tarde naquela noite, quando assisti ao filme. Acredito que o diretor Lee Cronin foi muito esperto com o uso de uma tempestade que dá ao prédio antigo onde se passa a história uma atmosfera de isolamento tão desesperadora quanto a das cabanas na floresta dos outros filmes e, apesar dos eventos extraordinários da história, nada me pareceu forçado ou fora de lugar na situação.

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A Morte do Demônio x Evil Dead Rise

Alyssa Sutherland em coletiva sobre Evil Dead Rise
Foto por @2beck_ / Estúdio Gaveta

Em termos do lugar deste filme dentro da franquia, analisando friamente, se não os estivéssemos considerando parte do universo Evil Dead, ainda gosto mais do filme de 2013, mas A Morte do Demônio: A Ascensão traz de volta um elemento que o anterior não tem e que é uma parte crucial do DNA da franquia: o humor.

Acho o filme de 2013 muito bem resolvido em si mesmo e cheio de pontos a serem exaltados, mas ele funciona meio como se fosse “a história real” por trás de um dos causos do universo Evil Dead. Não é um filme engraçado, ao contrário do novo longa, que escolheu, dez anos depois, voltar a fazer rir entre os sustos.

Todo o resto está ali também. Os litros e litros de sangue, as performances incríveis,
especialmente de Lily Sullivan e Alyssa Sutherland (mas o trio mais jovem também está mandando muito bem), as cenas chocantes que todo mundo vai comentar, as falas de efeito, certamente pensadas pra virar estampa de camiseta (como “Mommy is with the maggots now!”, ou “A mamãe está com os vermes agora!”), as homenagens aos filmes originais e até alguns acenos a outros clássicos do horror, como O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick.

O que esperar de Evil Dead Rise?

Também há mais história, drama e diálogos em A Morte do Demônio: A Ascensão, mas acredito que esta valorização da alma de “horror com humor” dos primeiros filmes é o que mais salta aos olhos nesse recomeço.

Essa impressão ficou para mim, não só assistindo ao filme em si mas também pelo tom bem-humorado do bate papo com as estrelas do universo Evil Dead, marcado pelos comentários autodepreciativos, provocações entre os painelistas, vários causos envolvendo os milhões de litros de sangue artificial usados na produção e, por fim, pelo protagonismo de um certo ralador de queijo nos materiais promocionais distribuídos na sessão de estreia do filme.

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Brindes promocionais de Evil Dead Rise
Foto por @2beck_ / Estúdio Gaveta

O banal utensílio de cozinha tem um papel especial em uma daquelas cenas que faz a gente se arrepiar, travar os dentes e querer desviar o olhar da tela ao mesmo tempo. Mas essencialmente continua sendo um ralador de queijo. O fato de que este objeto tenha sido escolhido para ser a figura central do pôster distribuído ao final da sessão, junto com um saquinho “ensanguentado” de doces e um ímã de geladeira em formato de mini ralador, diz muito sobre esse tom de horror com humor do filme.

Fiquei bem feliz de ver esse recomeço de uma franquia tão querida para mim, e essa talvez seja parte da justificativa para a minha euforia atípica perseguindo Bruce Campbell no dia seguinte à estreia do filme.

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Bruce Campbell e a franquia Evil Dead

Bruce Campbell e Sam Raimi em coletiva sobre Evil Dead Rise
Foto por @2beck_ / Estúdio Gaveta

Quer dizer, eu tinha estado presente em um bate papo bem exclusivo, e até mesmo feito uma pergunta aos responsáveis pelo filme, e mais tarde assisti à sua estreia mundial em uma sala de cinema histórica, com os realizadores sentados a apenas alguns metros de mim. Ainda fui para casa com meu pôster e meu mini ralador. Que Bruce Campbell não fosse um poço de acolhimento na minha abordagem no dia seguinte, eu meio que esperava.

O cara é conhecido pela persona pública falastrona e egocêntrica, meio que um personagem mesmo, do qual, ao que tudo indica, ele não sai nunca. Mas no fim das contas, os tempos são outros, e o bastão da franquia Evil Dead está bem passado para uma nova geração.

Sei lá, de repente, se o próximo filme da série (porque certamente haverá um próximo) me empolgar, como esse empolgou, pode ser até que eu seja possuído de novo e arrisque minha vida perseguindo algum dos responsáveis por ruas movimentadas uma vez mais.

A Morte do Demônio: A Ascensão estreou nos cinemas brasileiros no dia 20 de Abril.

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