Rashid como Samurai em novo disco

Depois de 8 trabalhos e mais de 12 anos de carreira, o rapper paulista Rashid segue inovando.

Quase três anos após Tão Real, último álbum do MC, sai do forno Movimento Rápido Dos Olhos, seu novo disco. Com a ideia de “polarizar” com seu antecessor, que rejeitava a noção de que era necessário que houvesse um conceito, este álbum vem trazendo uma história que liga toda a obra.

Em uma jornada de herói, o protagonista Samurai encontra sua vila destruída por Patriarca, o chefe de estado corrupto que destrói o país com uso da força bruta. Ambientado num futuro distópico, Rashid diz que o trabalho vem “para exagerar a realidade. Ele eleva à enésima potência a atmosfera na qual a gente vive hoje”.

Com uma bela jornada que mistura música e cinema, o trabalho tem nos áudios que passam entre as tracks, entre outros, a icônica voz do dublador Guilherme Briggs (Buzz Lightyear, Mickey).

Rashid conversou com exclusividade com o Tenho Mais Discos Que Amigos! sobre o lançamento e, sobretudo, sobre os desafios de lançar este trabalho hoje. Acompanhe a conversa na íntegra abaixo.

Rashid para o álbum Movimento Rápido dos Olhos
Rashid em imagens para o novo disco. Créditos: Ênio César

TMDQA!: Fala Rashid! Sempre um prazer e obrigado pelo tempo.

Rashid: Satisfação.

TMDQA!: Pra começar, me pegou de surpresa esse trabalho, porque o “Tão Real” tinha essa ideia de ser sem conceito e esse é bem conceitual, desde o título até a última passagem. Como foi esse processo de fazer este álbum sendo o oposto?

Rashid: O raciocínio partiu, não que eu achasse que tinha que ser obrigatoriamente assim, como um “e agora, como eu vou fazer a outra parada, como vou polarizar meus discos?”. Eu acho que uma das grandes buscas e lutas e dificuldades artísticas é você saber como você vem no próximo trabalho, como diferenciar, às vezes isso vem nos detalhes e às vezes mais escrachado, e esse disco apresenta isso de uma forma mais explicita logo de cara, o para-choque já vem assim, tipo “opa, vem algo diferente”.

Queria apresentar outra parada do Rashid, porque depois de tantos anos lançando música você começa a querer se desafiar, buscar como eu continuo somando para a cultura da qual eu faço parte, como continuo trazendo algo relevante. Não quero só sentar em cima do nome Rashid e das músicas que já lancei, quero continuar contribuindo, sou apaixonado por isso.

E o Tão Real, se for ver, tinha um conceito, que era o anti-conceito, com várias coisas amarrando ali. Esse tem o fio mais forte, partindo de uma coisa assim. Eu queria fazer um EP sobre o Wolverine, nasceu assim, e no final não tem nada a ver com o que se tornou, só fui vendo pra onde as coisas podiam ir. Foi um processo vivo, falando com a Liniker eu falei “Eu nunca fiz um projeto tão bagunçado, não consigo organizar as coisas, o cronograma” e ela disse “é um processo vivo mesmo”, e no final eu abracei isso.

TMDQA!: Como foi esse processo de caneta, pra você que é um rimador mais técnico, trazer esse seu lado mais de rua para fazer a escrita seguir a história do disco sem perder a mensagem?

Rashid: Foi diferente para mim porque ao contrário de alguns dos meus pares da música eu nunca tinha feito um disco partindo de uma coisa tão bem pré-definida. Eu sempre fui muito impulsivo com a música, era muito um “me apaixonei por essa batida, ou por essa ideia ou por esse refrão, eu quero fazer essa música e pôr no disco”, aí dessa vez o disco funciona como um filme, então não bastava fazer uma música melhor e substituir. A música tinha que ser uma cena, e se eu quisesse substituir alguma coisa eu tinha que fazer uma cena melhor.

Isso fechou as opções, não sentia que isso era uma limitação, era mais um desafio. Queria que comunicasse com as ruas, comunicasse um Rashid que as pessoas gostam, que traz temas que vão numa dimensão mais pessoal, emocional e tudo mais, mas também apresentar uma faceta nova do Rashid tá ligado, e nisso moram os desafios, em não fazer uma curva total e virar um artista malucão que ninguém vai entender nada, que às vezes também pode ser interessante, mas eu queria conseguir equilibrar. Tô fazendo um bagulho diferente mas sou eu ainda, tenham calma.

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TMDQA!: Por falar nos seus pares, eu vejo você como o rapper nacional com mais trabalhos e mais tempo tendo relevância. Como é pra você se manter na motivação e nessa conversa com a cena há tanto tempo?

Rashid: Desafio, a entrevista toda vai ser pautada nisso. Desafio de fazer um trampo novo depois de 15 anos na cena, depois de 200 músicas lançadas, o que você traz além da vontade de fazer música – que já seria o suficiente? Ser um cara que tá há tanto tempo lançando tanta coisa provoca determinadas bifurcações na sua cabeça quando você vai partir para uma parada nova, porque você quer mostrar novas facetas, mas tem essas pessoas que são totalmente obcecadas pelos seus próprios antigos e às vezes não dão nem chance, e você quer pedir “calma gente, escuta o bagulho aqui”. Para a gente que tá né é igual acompanhar uma criança crescer você não consegue notar tamanha diferença no dia a dia, mas as pessoas notam porque só veem os trampos de dois em dois anos, então elas não estão ali com você no dia a dia.

Eu sinto que esse é o disco que mais me aproxima do Rashid que eu sempre almejei e planejei no âmbito criativo. Sentia que em vários dos meus trabalhos talvez não conseguisse deixar tão notórias as minhas referências, eu sou um cara que escuta Cartola, Bob Marley, sei lá, Nadinho da Ilha e aí você vai escutar a música do Rashid e talvez você não conseguia sacar isso. E agora eu acho que este é o disco que mais permite que isso fique à mostra.

TMDQA!: E quais são suas referências?

Rashid: Cara, eu me inspiro em Cartola, em Miyamoto Musashi, em Akira Kurozawa, em Machado de Assis. Aí você vai ouvir diz que vai falar “você falando parece loucura, mas eu acho que entendi”. E veio disso a ideia de fazer o disco de uma forma diferente e tentar fazer o que a gente faz sendo relevante na cena.

O Don L, por exemplo, é um cara que eu troquei ideia com ele há pouco tempo atrás quando a gente estava gravando e eu falei “irmão fazer o bagulho que você faz” – e que a gente faz também, mas eu sempre tento me tirar dessa conta para não parecer algo egocêntrico – “isso que você faz é difícil, que é o estar crescendo há 15 anos”. Porque a gente tem carreiras meteóricas, a gente tem descidas meteóricas e a gente tem pessoas relevantes mas que às vezes já estagnaram ou já estão sumindo. Mas você estar crescendo, a cada trabalho você chegar num lugar diferente é um baita desafio, tá ligado. E de certa forma foi o caminho que a gente escolheu, o caminho mais longo mesmo, o caminho da longevidade. Eu quero comemorar 35, 40 anos de carreira, igual Racionais, igual Brown, Thaíde, comemorar 50 anos igual [Gilberto] Gil.

TMDQA!: Sobre os feats, no “Tão Real” eles eram mais de vocalistas, que fazem refrão, e nesse você tem mais MCs que vão chegar e rimar, como Stefanie e Don L. Como é colocar estes talentos na sua história, sendo você uma espécie de diretor?

Rashid: É o desafio de novo (risos). Na real para mim tudo tudo vai dentro da naturalidade do som. A gente colocou Bk’, Amiri, Don L, Stephanie, só competitivos, e tem um espírito de competição que o hip-hop pede, mas não são competitivos egocêntricos, tipo assim “eu vou roubar essa música para mim”. Isso é algo que fez mal, na minha opinião, isso que fez a gente por exemplo olhar para os últimos anos e a gente ter visto tantas parcerias incríveis que foram feitas, mas algumas delas que eram para estar na história e não entraram porque talvez a pessoa queria só entrar para “matar a música”. Quando eu estou entrando numa música é mais algo tipo “já tem batera, já tem baixo, eu preciso ser a guitarra, o outro mano vai ter que ser o saxofone” tá ligado? Outro vai ter que ser o trompete, a mina vai ter que ser flauta.

Para mim é sempre a música que pede o feat, eu nunca penso no feat e depois faço a música. Eu sempre faço a música e vejo “pô essa música aqui pedia tal pessoa” e vou atrás. Nem sempre dá certo, mas às vezes dá muito certo, tão certo que é duas vezes certo, como conseguir colocar Amiri e Don L na mesma faixa, pessoas que tem um nível incrível de habilidade lírica e são pessoas que entregaram de tudo para fazer a música ficar grande, e eu tenho que ter a compreensão disso também. Eu também não isso, eu sou muito confiante, não tenho essa de “um mano escreveu um verso arregaçante e eu preciso melhorar”. Eu respeito muito o retrato da música, eu não preciso afogar o meu feat dentro da minha própria música, (nesse caso) pra que eu convidei? Eu preciso que elas sejam elas mesmo e que ela expõe seus talentos ali ao máximo, vai fazer bem para música, para mim, para a pessoa e para cultura, e aí talvez a gente tenha músicas grandiosas que vão entrar para a história do rap brasileiro. E tem outra, eu tô rimando por 15 músicas tá ligado, deixa essa pessoa fazer o bagulho dela no verso dela, e se ela mandar o melhor verso do mundo vai ser foda para caralho e eu vou ficar muito feliz com isso.

TMDQA!: E você vai ter o melhor verso do mundo dentro do seu álbum.

Rashid: Isso, entendeu?

TMDQA!: Muito obrigado por esse papo e muito sucesso, espero que este trabalho seja bem recebido. Só uma frase que eu separei aqui: “eu até gosto das pessoas, mas prefiro os discos” que é basicamente o nome do nosso site (Risos).

Rashid: É isso aí, forte abraço! Tamo junto.

Playlist de Hip Hop

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