Bush
Foto por Thomas Rabsch

“A humanidade encontrou um modo de seguir adiante”. É assim que Gavin Rossdale descreve a inspiração para The Art of Survival, novo disco do Bush que dá sequência ao ótimo The Kingdom, um dos melhores discos de Rock de 2020.

Na ocasião, a banda se arriscava em meio à pandemia para encontrar uma nova sonoridade, que agora chega mais expandida, incluindo até mesmo uma das músicas mais lentas e emotivas da carreira da banda que ficou conhecida por hits como “Comedown” e “Machinehead”.

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Em meio a um momento conturbado com a pandemia ainda sendo uma questão e uma agenda de shows lotada, Gavin conversou com o TMDQA! por zoom para, em tom de desabafo, explicar a sua perspectiva sobre tudo que vem acontecendo e como isso deu origem ao novo disco do grupo.

Confira a seguir!

TMDQA! Entrevista Gavin Rossdale (Bush)

TMDQA!: Oi, Gavin! Tudo bem por aí? Nos falamos em 2020, se não me engano, e é bem legal ter esse papo contigo de novo porque antes nós estávamos falando sobre The Kingdom. Agora, temos esse disco que me surpreendeu bastante, porque você pega uma direção super bem-sucedida e aclamada com The Kingdom e muda totalmente para o novo disco, não vira mais do mesmo. E deu certo de novo, na minha visão! Como foi chegar a esse ponto?

Gavin Rossdale: Olá! Olha, é você que está dizendo isso. Talvez eu esteja muito próximo de tudo. Eu achei que era tudo igual. Não são iguais?

TMDQA!: [risos] Não!

Gavin: Tá vendo, eu não sei de nada. Eu só, tipo, faço meu trabalho, pego minhas coisas e tento cantar do melhor jeito que posso, cantar afinado e escrever algo interessante. Sabe, é só fazer o melhor que posso. Não há uma fórmula. A questão é: quando eu vou ao estúdio, eu penso, o que pode ser melhor que o silêncio? Porque o silêncio é, neste momento da minha vida, uma coisa maravilhosa. Eu o amo, não poderia me cansar dele.

Então, para mim, a ideia de quebrar o silêncio… eu prefiro chamar de “melhorar o silêncio”. Para isso é necessário muito comprometimento e meio que muita crença, mas não é como se eu tivesse isso em perspectiva. Então, eu achei que esse disco era uma sequência natural para The Kingdom. E se você me dissesse que era uma sequência natural para The Kingdom, eu falaria, “Obrigado, era isso que eu queria”. Mas você me diz que é diferente, então eu fico tipo, “Ah, que merda, olha eu de novo”. Eu sinto que entendo as coisas erradas toda hora.

Eu achei que o Woodstock era sobre celebrar a comunidade, a irmandade, a aceitação de todo mundo, por exemplo. E de repente eu estava no meio do KoRn e do Limp Bizkit tentando separar uma briga, sabe? Sei lá, eu só fico meio cansado. Eu não tenho nenhum controle sobre a minha vida, com exceção de quando eu escrevo músicas e canto no palco; eu controlo esses espaços, essas áreas, do melhor jeito que passo.

Mas aí eu tenho que colaborar com outras pessoas, o que geralmente é um pesadelo. Tipo, eu tenho que ouvir as opiniões de outras pessoas, e isso é bastante irritante. Mas elas podem estar certas, então eu aprendo com isso e a gente produz o melhor que pode.

TMDQA!: O engraçado é que de fato soa como uma sequência de The Kingdom no sentido de vocês serem parte de uma banda que está, digamos assim, sobrevivendo — especialmente nos últimos anos. Talvez eu esteja viajando, mas até o título do álbum, The Art of Survival, remete a isso.

Gavin: Todos nós estávamos apenas aguardando durante a pandemia, sabe? Se você teve a sorte de sobreviver o primeiro ano sem morrer disso… muitas pessoas morreram, cara. Então foi uma coisa que mexe com as emoções, eu queria manter minha família, meus garotos seguros. Você fica em casa, lava as sacolas, lava os legumes, lava a cabeça, lava a perna, lava os joelhos. É tão confuso. Onde eu iria pegar isso? No meu joelho? Teria COVID ali?

E foi só quando nós conseguimos passar por isso, com todas as vacinas e de maneira bem, bem lenta, que nós podemos olhar para trás e identificar o dano e ouvir as histórias de todo mundo. E cada negócio, cada empresário… todo mundo que eu conheço de restaurantes, as pessoas pensavam, tipo, “Por que eu estava me matando?”. Todo mundo estava trabalhando sob essa luz da Revolução Industrial ou coisa assim. E a mudança climática mostra que a Revolução Industrial nos fodeu, e as pessoas também esquecem dos nossos animais, do universo. “Ah, uau, a atmosfera, que problemão, hein…”.

Então, tem sido assim. Agora, as pessoas estão voltando às vidas e meio que estão apanhando das empresas, que passam a cobrar o dobro por tudo; os combustíveis estão caros, quartos de hotel estão caros, todo mundo está tentando arrancar de volta esse dinheiro. Mas nós não temos esse dinheiro, porra! Nos deixem em paz! Nós não sofremos o suficiente? Vamos todos nos recuperar coletivamente, pare de simplesmente tirar de mim porque você se fodeu. E eu ouço isso de todo mundo que eu conheço, sabe.

Eu sinto que, conosco, foi algo que nos deixou muito deslocados. Porque de repente nós ficamos muito poderosos com The Kingdom — vieram nos falar, “Olha, tem 45 milhões de streams, mas, sabe, as coisas estão difíceis então é melhor vocês pegarem a estrada abrindo pro Alice in Chains ou vocês estão fodidos”. Sério mesmo? Então, a gente ainda está no meio disso tudo, mas tá tudo bem. Tipo, eu amo isso.

Sabe, eu me divorciei, eu passei por várias merdas na minha vida. Enquanto artista, sinto que estou sempre em uma máquina de lavar; a vida está sempre me jogando de um lado pro outro. E eu achei que estaria resolvido e tranquilo, mas eu mal estou sobrevivendo. E aí eu percebi, caramba, eu nem sou especial de qualquer forma. Todo mundo está passando por isso. Todo mundo sente isso. É um sentimento universal.

Então, de uma forma estranha, é quase com certeza liricamente o disco mais pessoal que eu já fiz. Eu já tentei evitar isso antes, mas agora estou tentando melhorar; eu não era tão bom nisso antes, então eu melhorei. Mas é tudo sobre isso, porque é tão honesto, tão pessoal, tão particular pra mim que vai acabar se aplicando a todo mundo, porque é uma declaração super honesta dizendo que, “Ok, estou bem, mas isso é muito desafiador”, e esse é um sentimento muito universal.

The Art of Survival é literalmente o título e conceito mais universal que eu já vi. E, novamente, não é porque eu sou inteligente; é porque eu só estou detonado. Eu não tenho energia para ser artificial, não tenho energia para fazer nada além do melhor e mais genuíno disco porque, se não for assim, qual o sentido? Sabe, literalmente não tem sentido eu afetar o silêncio a não ser que eu possa ter certeza de que o que eu estou fazendo é bom.

Eu não quero fazer um disco só para as pessoas falarem, “Uau, lembra quando eles eram bons?”. Porra, isso me mataria. [risos] De jeito nenhum, nós nunca faremos isso. Então, eu quero ser melhor do que eu já fui. Ironicamente, cada vez menos pessoas se importam quando você fica mais velho — e foda-se também, mas ao mesmo tempo, eu acho que é uma boa lição de vida. O Tom Waits dizia que a forma como você faz qualquer coisa é a forma como você faz todas as coisas.

Então, pra mim, eu toquei para 500 mil pessoas esse ano, não 10 milhões. Talvez em outros anos eu tenha tocado para 10 milhões, mas ainda assim, as 500 mil pessoas para quem eu toco, eu quero afetá-las e me conectar com elas, quero que elas se percam na música, que sintam que a música as entende. É tipo quando você lê um livro, é algo belo, porque tem uma voz quando você lê isso — a do escritor, o autor está no seu cérebro, falando com você. Ela está falando com você através do impresso e você percebe, “Uau, esse mundo todo!”.

Com a música não é diferente. As pessoas podem, com isso, basicamente entrar na minha casa ou algo assim. E eu tenho várias guitarras e alguns ótimos músicos com quem eu trabalho, que fazem tudo ser divertido. E é assim que a coisa funciona; só pegar, colocar no carro e dar o play. E eu fico muito feliz de encontrar músicas como “May Your Love Be Pure” ou “1000 Years”; esses teclados são muito legais, é algo divertido pra caralho quando eu estou no estúdio e descubro algo assim. É algo que faz eu me sentir bem.

TMDQA!: Que demais. E essas duas estão entre as minhas preferidas, aliás. Você estava falando sobre os shows e eu lembro que, quando conversamos antes, ainda havia toda uma incerteza quanto às turnês. Mas agora tudo está acontecendo e eu queria saber como tem sido levar esses discos pela estrada, mesmo que você esteja tocando para menos pessoas?

Gavin: Olha, eu fico com receio de ter soado um pouco falso — eu estou tocando para 15 mil pessoas todas as noites, então, é um privilégio imenso que faz eu me sentir incrível, mesmo. Além disso, nós tocamos bem no auge do verão, que agora com todas essas questões climáticas significa estarmos em calores de 40, 40 e poucos graus, e isso vira uma experiência tão tribal; é quase vida ou morte, o seu corpo está entregando tudo para fazer esses shows, você está no limite e as pessoas ficam simplesmente insanas.

E eu simplesmente amo isso. Quando eu vou ver um show, e o que eu quero criar quando as pessoas vêm ver o Bush, é uma atmosfera onde as pessoas, sabe… eu quero ser tipo um xamã ou algo do tipo, criando coisas a partir do nada, sabe? Tipo quando você vê alguém fazendo breakdance, que nada está acontecendo e de repente eles dão uma virada aqui e outro ali e as coisas começam a acontecer loucamente. Eu amo quando se cria algo a partir do nada, algo que acontece também quando um ator tem um belo discurso do nada, coisas assim.

E eu quero que nos nossos shows a banda dê duro de verdade, que sejam espetáculos bastante físicos e que envolvam a plateia. Tudo isso vira uma energia que, sabe, o Jerry [Cantrell, do Alice in Chains] tocou com a gente na noite passada e em algumas outras também, e ele diz, “Eu amo tocar com vocês porque a energia é uma loucura”. Porque a plateia fica maluca, cantando como se fosse uma torcida de futebol, as pessoas ficam doidonas! E é isso que faz a vida valer a pena, quando você consegue deixar as pessoas assim.

Enquanto alguém da área do entretenimento, isso significa que você está, literalmente, conectando com as pessoas como se fosse um ímã, um espelho para eles. Nós também fazemos com que você passe a querer encher as pessoas com essa energia e toda essa vibe, e foi assim o verão inteiro — o ano todo, na verdade. Eu tenho muito orgulho desse ano que tivemos, tem sido incrível.

TMDQA!: Você mencionou isso de ser ator e eu só preciso dizer que outro dia eu estava assistindo a um episódio de Criminal Minds e de repente me deparo com você ali… [risos]

Gavin: Ah, eu lembro disso. Dante era o personagem. E o engraçado é que, quando eu deixei o set de gravação, eles me deram um recorte em tamanho real do Dante, com toda a maquiagem e as calças de couro e tudo mais… e eu só agradeci e levei pra casa pra ter certeza de que ninguém mais teria isso. [risos] Eu uso pra praticar boxe, dou uns socos nessa cara, sei lá, mas fiquei tipo, ninguém mais vai ficar com isso. Obrigado, é meu. [risos]

TMDQA!: [risos] Cara, é uma estética tão boa daquele tempo. Só quem viveu sabe. Mas, enfim, para finalizar o nosso papo, vocês lançaram no ano passado uma versão super especial de Golden State, uma versão expandida e tudo mais. Queria saber como você enxerga esse disco 20 anos depois, assim como o legado do Bush e o fato de você ainda estar fazendo música, ainda ter pessoas se interessando por esse trabalho.

Gavin: Isso é maravilhoso. Eu aprecio todas essas pessoas demais. O disco eu acho que foi algo incrivelmente divertido de fazer, porque foi tudo muito diferente; eu me mudei pra uma ilha para escrever algumas músicas. E aí eu as gravei em dois estúdios — em um mais moderno com o Tom Elmers, que eu conheci quando ele trabalhou comigo junto com o Steve Albini, e ele depois foi e ganhou 14 Grammys desde então. É incrível! 14 Grammys como produtor e mixer.

Então, foi um estúdio com ele e um com o Clive Lange, e o Clive Lange dizia, “Eu não sei o que você está tentando fazer aqui. Eu estou tão confuso”. [risos] Eu só ficava tipo, “Vai dar certo, nós vamos fazer isso funcionar”. Então, foi um experimento bem divertido.

Quando eu penso sobre isso e sobre esse disco, é só que eu sinto que eu queria, para falar sobre a ciência das coisas, eu queria ser inspirado por um certo sentimento londrino em oposição ao Rock mais direto que eu queria antes. Eu fiquei tipo, “Peraí, eu sou de Londres”. [risos] Eu nunca sei se minhas escolhas de carreira foram as melhores e eu acho que talvez eu teria sido muito mais bem-sucedido se eu só tivesse feito o Sixteen Stone várias e várias vezes.

Mas eu não sou tão esperto assim. Então, eu sempre estive tentando fazer coisas tipo, “Ah, não, talvez assim, talvez assado”. E não sei se foi feito muito certo, mas eu sempre — nós sempre tentamos nosso melhor.

TMDQA!: Como fã, eu acho que suas escolhas não poderiam ter sido melhores nesse sentido.

Gavin: Obrigado. Eu não tenho tanta certeza assim, mas eu agradeço.

TMDQA!: Gavin, muito obrigado pelo seu tempo! Espero vê-lo de novo em breve aqui no Brasil!

Gavin: Por favor! Alguém faça uma petição, algo assim. Quero descer aí de novo. Até mais!

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