José González
Foto por Peter Toggeth

Por Nathália Pandeló Corrêa

No ano passado, José González lançou seu quarto álbum de estúdio e o primeiro em mais de seis anos, Local Valley.

Rapidamente, o disco chamou atenção no cenário indie por mostrar um novo alcance melódico, lírico e vocal para o músico. Nascido e criado na Suécia por pais argentinos, José começou na música através do hardcore e do punk, com influências de Black Flag, Misfits e Dead Kennedys. Embora siga mostrando um alcance criativo que vai do duo Junip, com Tobias Winterkorn, a se apresentar com a orquestra The Göteborg String Theory, é no folk que González fez seu nome.

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Desde 2003, os álbuns Veneer, In Our Nature e Vestiges & Claws vieram construindo uma narrativa que ganhou novas cores com Local Valley.

O disco de 2021 incorpora elementos eletrônicos sutis às faixas, que agora se dividem em três línguas: seu sueco nativo, o espanhol herdado dos pais e o inglês, que levou sua música para além das fronteiras da terra natal.

Ao longo dos últimos meses, José vem revelando outras nuances das mesmas canções, com EPs que propõem outras versões e remixes de produtores convidados. “Swing” e “El Invento” já ganharam seus compactos, e “Visions” será a próxima canção a ser retrabalhada.

Enquanto isso, José González arruma as malas para voltar ao Brasil com seu show de um homem só. Atração do festival Primavera Sound no dia 07/11, em São Paulo, o músico conversou com TMDQA! direto da Suécia sobre sair da zona de conforto, os instrumentos mais divertidos e sobre integrar trilhas sonoras na cultura pop.

Confira abaixo!

TMDQA! Entrevista José González

TMDQA!: Oi José, obrigada por falar com a gente! Muito empolgante que você está voltando ao Brasil e, claro, quero falar sobre seus trabalhos mais recentes. Local Valley, pra mim, é o seu disco mais diverso. Claro que as músicas estão conectadas, mas diferem entre si e são um passo além da sua zona de conforto. A gente te conhece já há algum tempo. Como é pra você continuar buscando inovar nessa fase da sua carreira?

José González: É ótimo e também parece natural. Para as pessoas que me acompanham ou que tiveram a chance de me ver tocando ao vivo — não apenas no formato solo com violão, mas também com uma banda de cinco integrantes e também com orquestra e com o Junip — eu venho mostrando que gosto de tocar estilos diferentes. Mas meus discos foram muito conservadores [risos], dogmáticos em termos de estilo. Eu queria manter tudo simples, violão e vocal, e senti que em algum ponto eu faria um disco só eletrônico.

Mas o tempo para esse disco pareceu certo, porque eu comecei com meio álbum, só violão e vocais, e estava interessante, mas não mostrava de fato quem eu era. Então decidi tentar a drum machine e brincar com loops, sempre pensando no que eu poderia fazer ao vivo, sozinho. É um disco solo, mas um disco solo com todos os truques disponíveis hoje para um músico de rua [risos].

TMDQA!: E você quer continuar viajando sem muita bagagem, não te julgo!

José: É, e ainda tem isso! Faz parte da ideia de manter as coisas simples quando estou no palco. Sei que é algo que parte do público gosta, a simplicidade. Quando eu incluo mais pessoas, ganhamos na harmonia, mas perdemos um pouco da essência de algumas músicas, acho.

TMDQA!: Eu queria falar de “El Invento”, porque é uma música que se destaca nessa sua leva mais recente de canções. Ela é bem sincera e esperançosa, mas também aborda a incerteza com a qual todos podemos nos identificar. Fiquei pensando: você encontrou algumas das respostas para as perguntas que faz na música? Tipo, para onde vamos, por que estamos onde estamos?

José: Essa música é uma continuação de uma canção anterior, chamada “Leaf Off/The Cave”, onde eu basicamente canto sobre os mesmos temas existenciais. Na minha mente, tenho as minhas respostas, mas sei que é algo que todos se perguntam, e muitas vezes eles inventam respostas.

Para mim, é sobre olhar para o conhecimento coletivo que a humanidade possui, algo que evolui e se torna mais intrincado e com nuances, mais e mais incrível. É através da ciência e da razão, e não através da imaginação e superstições. Pode ser algo divertido, mas não é um caminho para aprender como o mundo realmente funciona. Então “El Invento” eu escrevi de forma aberta, para que possa ser aproveitada por todos musicalmente, e quase todos liricamente [risos].

TMDQA!: Por isso são perguntas e não respostas, certo?

José: Exato!

TMDQA!: E durante a divulgação do EP de “El Invento”, você comentou sobre a cuíca. Esse é um instrumento que, se você pedir uma definição a um brasileiro, a pessoa vai ter dificuldade de colocar em palavras! Queria que você compartilhasse um pouco da sua visão sobre a cuíca, como alguém totalmente de fora dessa cultura.

José: Você quer dizer o “u-hu, u-hu”? [imita o som da cuíca]

TMDQA!: Isso!

José: [risos] É que quando meus pais fugiram da Argentina, eles passaram meio ano no Rio. Eu cresci na Suécia e eles tinham alguns discos dessa época, inclusive alguns de samba. Me lembro de ouvir esse som e ficar assim, “o que é isso?” [risos]. É interessante como alguns instrumentos são usados de formas diferentes em culturas diferentes, esse definitivamente está no top 3!

TMDQA!: E quais seriam os outros 2 mais interessantes?

José: Eu falei três, mas não pensei nos outros dois! Eu diria que o kazoo e um outro que faz “tonhonhoim”, não sei o nome [risos], mas é engraçado. A cuíca faz o som de um macaco, é divertido.

TMDQA!: Agora, falando do último EP, você tem lançado novas versões dos singles do último disco, totalmente retrabalhadas. Olhar a mesma música sob vários ângulos é mais um desafio criativo ou é puramente diversão?

José: É pura diversão. Ainda estamos fazendo algumas versões novas e combinando com remixes de outras pessoas. Eu adoro estilos de música diferentes, quando ouço. Com o Junip, com a orquestra, tem sido divertido me desafiar, tocando baixo ou congas ou instrumentos que não conheço tão bem, mas faço porque é divertido.

Uma das mais divertidas pra mim foi fazer a versão em coral de “El Invento”, tentando achar harmonias diferentes, gravando uns 40 takes da minha voz, tentando soar como uma garota ou como um homem enorme [risos]. Agora estou trabalhando numa versão de “Visions” que também é muito divertida, porque não há expectativas do público e eu posso brincar. Agora está no caminho de uma versão shoegaze.

TMDQA!: Uau! Parece divertido, você tem razão. Agora, estava pensando que suas músicas não são “datadas”, mas sempre refletem o que estamos lidando enquanto sociedade. O Local Valley me parece dialogar bem com o momento turbulento em que estamos, mas sem limitar a um “disco de pandemia”. Como você faz pra abordar os temas que te interessam, mas fazendo isso soar o mais orgânico possível?

José: Eu leio e ouço música com propósito, o máximo possível, para ver o que sai do outro lado. É um disco de pandemia, por alguns motivos, porque me inspirei em questões globais, que já estavam em outros discos. Tanto no sentido inspirador, da humanidade ter colaborado para um objetivo comum, mas também nos problemas no horizonte.

Na minha cabeça, estava pensando no altruísmo eficaz e nas listas que são geradas de eventos catastróficos e ameaças existenciais, e a pandemia era uma delas. Mas também outros assuntos, como inteligências artificiais e asteroides… então acho que, como artista internacional, é importante cantar sobre temas que são interessantes. O truque, para mim — e não sei se estou conseguindo ou não — encontrar o equilíbrio para não soar muito um sermão e não fique também muito vago. É complicado.

Como inspiração, tenho “Imagine”, de John Lennon. O lance é que algumas pessoas vão pescar o que você está falando, e outras não. Então como fazer esse tipo de música sem irritar ninguém [risos]?

TMDQA!: Não sei, não me parece que você está irritando ninguém!

José: Ah, tenho certeza que estou [risos]. Tenho alguns versos que são feitos pra isso mesmo, incomodar de alguma forma. Porque o objetivo é fazer música que não apenas soe bem, mas também faz as pessoas pensarem.

TMDQA!: Eu li numa entrevista que você começou a lançar músicas em espanhol e sueco porque se sentia mais confortável com a sua própria identidade. Agora que você fez esse movimento, acha que vai lançar mais músicas nessas duas línguas, que são mais nativas pra você? E isso de alguma forma afetou como você aborda o processo de compor?

José: Nesse disco, quando eu escrevi em espanhol e sueco, parecia certo de cara, ao contrário dos outros discos. Agora isso não é mais uma questão, me sinto confortável com as três línguas. Claro que eu tenho vocabulários de tamanhos diferentes [risos], então eu diria que espanhol é o que tem menos, sueco é o mais natural, mais completo. Mas o inglês tem mais palavras e termos sobre os quais eu leio e são mais específicos e técnicos. Então as três línguas têm seu lado, e estou empolgado de lidar com elas já num próximo disco.

TMDQA!: Claro! É tipo um superpoder que você tem. Bom, você nunca teve pressa entre um disco e outro. Local Valley não foi diferente. Nesse caso, foi por causa da paternidade, da pandemia ou nenhum dos dois?

José: Não não, eu diria que foram ambos e mais um fator. Primeiro, me tornar pai. Eu escrevo muito devagar, porque eu começo com demos bem ruins e depois as melhoro um pouco de cada vez. Se eu tenho muitas interrupções, eu não escrevo nada! Então me tornar pai foi uma, com certeza. Eu também estava fazendo turnê com uma orquestra e lancei um disco com eles, então isso levou um tempo. E depois a pandemia e o disco estava pronto para lançar, mas os selos disseram: “não precisamos lançar agora, vamos esperar um ano”.

TMDQA!: Aliás, esse ritmo faz você parecer um cara pé no chão. Suas músicas são bem discretas. E do nada, vem algo que as torna enormes, como a trilha sonora de um videogame, um filme, série, trazendo novos públicos. Esses picos de popularidade te surpreendem de alguma forma?

José: Sim. A grande surpresa pra mim foi ir da faculdade direto para a música. Mas às vezes tem momentos em que eu penso, “Ok, esse resultado está melhor do que eu imaginava”. “Heartbeats” quando entrou em um comercial foi assim. O mais recente foi… a série do Michael Jordan.

TMDQA!: The Last Dance, né?

José: Isso!

TMDQA!: Cara, como torcedora do Chicago Bulls… Sua versão de “Teardrop” funcionou perfeitamente num dos momentos mais emotivos da série.

José: [risos] Exato! E até minhas músicas, ser convidado pra tocar no Prêmio Nobel com “El Invento”, foi muito especial. A National Geographic me ligou para tocar “Visions” em um de seus vídeos… Algumas são maiores que outras, mas houve alguns momentos na minha carreira em que eu pensei, “Ok, ainda está dando certo” [risos]. Estou caminhando para 20 anos de carreira em 2023, e aí eu penso que talvez possa continuar.

TMDQA!: Sim, tem futuro [risos]! Pra encerrar, queria te perguntar sobre seu show aqui no Brasil. Suas apresentações parecem algo intimista, mas você toca em festivais grandes, como o Primavera Sound aqui em São Paulo. Como você muda a energia de tocar para casas menores e multidões?

José: É algo complexo. Vou tocar sozinho, no violão, mas vou levar dois engenheiros de som para que eu consiga fazer as canções com loops e drum machines. Com esse formato, eu consigo fazer as coisas íntimas e simples, mas também aumentar a frequência, fazer alguns riffs inspirados pela música do oeste da África. Mas festivais são traiçoeiros, depende muito da plateia, do local do show, da sonorização… às vezes dá certo, às vezes não [risos]. Mas veremos como será!

TMDQA!: Ah sim, mas o público brasileiro tem reputação de ser caloroso, então acho que você será bem recebido.

José: Ah, com certeza, nada a reclamar do público brasileiro!

TMDQA!: Agora, só pra encerrar: a Copa do Mundo está prestes a começar. Você vai torcer pra Argentina? Vai acompanhar?

José: Então, o jeito como eu lido com esportes é que… acho muito legal que as pessoas gostem de esportes! Eu vou estar lendo sobre a Copa aqui e ali, encontrando alguns amigos, mas não vou ficar assistindo não [risos].

TMDQA!: Justo! Bom, José, obrigada pela conversa e espero que você se divirta aqui no Brasil.

José: Foi divertido, e estou empolgado. Obrigado [em português]!

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