The Mars Volta em 2022
Foto por Fat Bob

Depois de um hiato de 10 anos, a dupla Cedric Bixler-Zavala e Omar Rodríguez-López resolveu retomar o aclamado projeto The Mars Volta. E não há quem discorde de que o momento não poderia ser mais apropriado para isso.

Com o lançamento de um novo disco autointitulado que vem carregado de emoções e de músicas cheias de significado, tanto no aspecto mais profundo quanto na análise mais literal, a dupla usa a música como ferramenta para passar mensagens fundamentais para os dias atuais em cada uma das faixas.

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Como te falamos por aqui, as canções abordam até mesmo temas como o imperialismo dos EUA em Porto Rico, além de outros assuntos sensíveis que vão desde a dificuldade masculina de lidar com emoções até a instabilidade política mundial nos últimos anos.

Com tanto a dizer através de melodias e de letras, o disco merece um mergulho mais fundo e o TMDQA! tentou trazê-lo através de uma conversa exclusiva com Cedric Bixler-Zavala. Você pode conferir a entrevista na íntegra a seguir!

TMDQA! Entrevista Cedric Bixler-Zavala (The Mars Volta)

TMDQA!: Oi, Cedric! Que prazer falar com você. Sou um grande fã, e estou apaixonado pelo novo disco. Ele é muito diferente do que eu esperava, e foi uma surpresa do melhor jeito possível. Queria começar te perguntando sobre como foi voltar ao estúdio com o Omar como Mars Volta. Como vocês chegaram a essa sonoridade que acabou moldando esse disco, tão diferente dos anteriores?

Cedric Bixler-Zavala: Bom, o Omar me disse que queria fazer um disco pesado. E se você conhece o Omar e entende como ele é, você entende que ele não está dizendo isso literalmente. Sabe, porque anteriormente a gente tinha feito entrevistas sobre o Octahedron e ele disse que aquele era nosso disco “acústico”, mas quando você o escuta, ele tem muitas coisas agressivas. Então, é isso, ele quer dizer as coisas de um jeito diferente.

Eu sabia que ele queria dizer mais no sentido de ser, sabe, um disco de “domingo de manhã”. Eu sabia que essa direção era mais algo tipo o Astral Weeks [disco de 1968 de Van Morrison] ou até algo meio Jeff Buckley, sabe, porque foi isso que eu assumi como sendo pesado dado tudo que vinha acontecendo na minha vida e da minha esposa e como tudo isso se conectava.

Então, eu entendi o que ele quis dizer quando falou de fazer um disco pesado, porque eu não acho que a gente tinha algo assim no nosso catálogo. Então aqui estamos nós, acessando uma vulnerabilidade e trazendo uma abordagem mais crua, o que é ótimo e foi muito divertido.

TMDQA!: Eu adorei você chamar esse disco de pesado, eu entendo exatamente o que você está dizendo com isso. É uma das coisas que eu fiquei pensando. Vocês terem reunido a banda agora, com todo esse clima político e tudo que você pessoalmente passou, e o Omar também, claro… tudo isso é muito explorado nesse disco, especialmente nos clipes. Essas coisas têm algo a ver com o motivo pelo qual o Mars Volta voltou?

Cedric: Eu sempre senti que o Mars Volta estava no nosso bolso, pronto para ser usado. Acho que só estávamos esperando o momento certo. E eu acho que toda vez que nossos planos quiseram ir para uma certa direção, a vida nos ditou o que poderíamos fazer no que diz respeito a fazer uma turnê ou gravar um álbum. E eu acho que muitas pessoas fizeram “discos pandêmicos”, mas por mais que eu tenha ouvido muitos desses discos pandêmicos eu não ouvi algo que realmente abordava o clima emocional do que estava acontecendo, sabe?

Seja isso o fato de abordar o que as pessoas marginalizadas da nossa sociedade estão expressando de dificuldade com relação a viver nos tempos atuais, ou as pessoas privilegiadas que estão expressando qualquer tipo de simpatia, querendo “mandar o elevador pra baixo” para ajudar as pessoas que estão em outro patamar de imposto de renda, e tudo isso gera questões emocionais, o que leva a homens tendo que aceitar que é preciso falar sobre algumas merdas que eles foram ensinados há anos e anos, por pais e avós, que deveriam deixar guardadas.

Eu acho que a pandemia realmente fez com que muitos homens fossem obrigados a lidar com algumas coisas que os prendiam nessa vida, que é essa incapacidade de enfrentar várias dessas emoções. Então eu acho que esse disco é uma ótima oportunidade de mostrar novamente que a vulnerabilidade é uma coisa linda. Sabe?

Eu acho que o Omar e eu viemos de um pano de fundo no Punk Rock onde eu sinto que está tudo bem quando mostramos esse tipo de emoção, mesmo quando você está lidando com a velha guarda e a geração passada que quer ser de um certo tipo. Eu já vivi muito a situação de aparecer em um show onde a banda estava falando sobre algumas merdas pesadas entre uma música e outra, e eles apareciam ali chorando e a música evocava esse tipo de coisa. E aí, eles eram demonizados e penalizados por serem tão vulneráveis.

Eu acho que isso é um grande passo para sermos aliados das pessoas que lidam com essa merda o tempo todo. E nesse sentido eu me refiro às mulheres, as quais eu sinto que muitas vezes… as mulheres precisam de um aliado que não tem medo de enfrentar o que está lhes colocando pra baixo na vida. Porque por gerações nós fomos ensinados a guardar isso, e quando você coloca o trauma em um compartimento, qualquer tipo de movimentação vai voltar para te assombrar depois — e você não quer que isso venha te assombrar num momento inconveniente. É bom enfrentar isso, sabe?

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E eu sempre disse que o Mars Volta é a nossa igreja. E às vezes as pessoas vão pra igreja como uma forma de terapia, e muitas vezes a gente encontra essas epifanias ao vivo quando tocamos e adicionamos improvisações, ou só fazemos versões estendidas das músicas. E nós temos conversas mais próximas com Deus fazendo isso. E aí, há outros tipos de conversas que você tem com Deus e com os espíritos e com as pessoas que você perdeu que você simplesmente não consegue atingir com aquela loucura toda no palco, sabe, você precisa abrir um portal que usa certas melodias, certas palavras e uma certa comunicação que te ajuda a ter um certo tipo de alívio daquilo que você está vivendo na vida. E esse disco realmente faz isso para nós.

Tanto que se eu ouvir alguns trechos deles tocando no fundo, eu realmente me emociono e vou às lágrimas, porque é um disco muito, muito pesado, e é só muito bom poder ser capaz de fazer algo assim, sabendo que nós teremos alguns aliados que vão entendê-lo e sabendo muito bem que teremos algumas pessoas para quem isso é simplesmente veneno. E acho que talvez muito do motivo pelo qual é veneno para algumas pessoas é porque elas estão presas nesse “modo soldado” e elas estão presas no que elas acham que essa banda é. E muitas vezes o fã pode se tornar tóxico, diferentemente de quando as pessoas realmente entendem a sua banda e entendem que há um fator humano ali. Então, aqui estamos.

TMDQA!: Entendo perfeitamente, e é importante demais tudo isso que vocês estão fazendo. Como um fã das antigas, eu fiquei surpreso mas gostei demais de tudo assim que me abri. E é curioso que, mesmo estando aberto, “The Requisiton” foi uma música que eu não curti na primeira vez que ouvi, mas depois acabei me apaixonando e se tornou minha preferida. Acho que isso mostra muito o quanto é um disco para o qual você precisa se abrir, entender que são duas pessoas ali.

Cedric: Sim, eu sinto que há muitos momentos no nosso catálogo onde isso está presente. Mas eu sinto que o que estava fazendo com relação às letras era sempre surgir com algumas “charadas”, porque eu tinha medo de meio que simplesmente dizer o que eu queria dizer, e dessa vez eu estou falando muito mais pessoalmente, me expondo completamente por ali.

Ao mesmo tempo, as palavras são tão normalizadas agora na comunicação que elas podem significar uma imensidão de coisas. Eu toquei algumas músicas para a minha esposa, e a interpretação dela era algo diferente, mas o resultado final era sempre uma purgação emocional depois. E ela veio me dizer que, tipo, não sabia se as pessoas iriam querer dançar ou cantar ouvindo esse álbum; eu pensei que, bom, esse era justamente o ponto! Porque se você está dançando, é porque você está celebrando, sendo capaz de conquistar as coisas que estavam te segurando emocionalmente, e eu reagiria dessa forma.

Quando eu tinha as demos do disco, eu ouvia “Blacklight Shine”, só a música, sem letra. Eu pulava do meu sofá e ficava chorando e dançando, e eu liguei pro Omar e eu disse que era isso que eu estava procurando. Foi como… nós passamos anos e anos ouvindo músicas de Gana e músicas que, sabe, sofrem uma fetichização no mundo psicodélico do consumismo americano no que diz respeito ao que eles querem no relançamento desse tipo de música; ouvindo coisas tipo Discothèque 74 ou meio que todos esses artistas menos famosos, onde você tem o Fela Kuti como o mais conhecido.

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E ouvir “Blacklight Shine” foi como se ele tivesse pego isso e adicionado o que faltava a isso, que era a cultura portorriquenha. Então nós pensamos nesse riff e eu só pensei que eu amava isso, porque me lembrava também de um certo tipo de música da Etiópia e eu sempre fui muito, muito afetado emocionalmente por artistas desse tipo, e da música brasileira também, sabe? Então foi muito bom poder colocar isso em um formato bem Pop.

E, como eu disse, o motivo pelo qual eu fui escolhido para esse álbum foi a forma como eu reagi a ele e o fato de que o Omar sabia que eu reagiria assim. Tudo se soma a essa coisa tão especial quea  gente tem, e eu não gosto de colocar isso em palavras porque é como se fazer isso fizesse perder um pouco do encanto. Mas, sabe, há muita emoção por todo esse disco.

TMDQA!: Entendo completamente. Você pode falar um pouco mais sobre as músicas brasileiras que te influenciam?

Cedric: Nesse momento, tem um cara que eu meio que conheci há poucos meses. Eu não lembro o nome, mas é algo tipo… Albino? Que toca jazz, eu não consigo lembrar o nome dele agora. [Nota: a primeira publicação dessa entrevista sugeria o artista brasileiro Alex Albino, mas um leitor apontou que Cedric poderia se referir a Hermeto Pascoal, que é albino. Na entrevista, Cedric cita outras características, mas houve uma falha na gravação e não foi possível entender com precisão esse trecho]. Mas enfim, ele e claro que várias coisas mais óbvias ao longo do tempo.

Acho que a mais óbvia seria Rita Lee, e consequentemente os Mutantes e coisas do tipo, que tiveram um impacto profundo em mim. Eu acho que sempre vi mais prazer nas pessoas menos conhecidas do ramo psicodélico, que vieram de lugares diferentes ao redor do mundo, porque é uma abordagem totalmente diferente. Tem toda uma emoção diferente e você precisa, sabe, uma vez que você começa a ouvir essas músicas você quer saber como é aquele lugar fisicamente, você quer saber o que as pessoas daquele lugar estão lutando contra, como é a vida cotidiana.

Vamos dizer, tipo, saber como é uma favela em contramão a uma vizinhança dos EUA, uma vizinhança suburbana onde você pode ir à sua loja de discos e pegar esses relançamentos e ter uma pequena noção de como é onde as outras pessoas vivem. E é muito importante, sabe, é um passaporte para pessoas que não conseguem pagar uma passagem de avião ou mesmo um passaporte em si. É simplesmente belo poder andar por essas avenidas do que é genuinamente considerado “não-legal” nas lojas de discos dos EUA, que são as seções de World Music.

Nunca tem ninguém nessas seções. É como se as pessoas genuinamente olhassem pra isso, tipo, ‘Ah, essas são as merdas que o Peter Gabriel gosta de ouvir pra fazer música”. E é tipo, bom, há um motivo pelo qual ele faz isso! A música iraniana, a música persa, a música nigeriana, ou qualquer coisa dessa seção vai eventualmente ser catapultada para a fama pelos americanos ou influenciada pela cultura americana, e há muito pouca gente fazendo isso. Mas, novamente, a gente tem alguns nomes grandes que fazem isso, seja o Peter Gabriel ou o David Byrne. E eles meio que são parte de uma geração que não necessariamente está impactando os mais jovens, e eu acho que é bem importante que as pessoas façam isso.

Então, você meio que volta para o agora e vê o quanto é importante ter o hit da Kate Bush ficando descolado de novo, ela sendo reintroduzida para as pessoas mais jovens, é uma coisa linda. Pode ser irritante para alguns de nós, que já a ouvimos antes, mas se eu estou num supermercado comprando comida e eu vejo uma pequena garota preta que tem tipo oito anos cantando “Running Up That Hill”, esse é um ótimo passo na direção certa. E, pra mim, a Kate Bush vem da seção de World Music, mesmo que ela seja inglesa; você consegue ouvir muito da influência que ela usa de outras culturas aqui.

É realmente muito importante expor as pessoas a isso e eu sinto que, de alguma forma estranha, finalmente estamos deixando as pessoas de cor — e de qualquer cor que seja — serem reconhecidas, e elas se sentem de alguma forma parte disso, finalmente.

TMDQA!: E essa preocupação é algo que eu também tenho percebido com os clipes do Mars Volta, porque eu sinto que toda essa exposição da situação de Porto Rico é algo muito central nesse disco. Sei que as suas origens não são diretamente ligadas àquele lugar, mas você também parece ter abraçado muito a ideia do Omar. Como foi trabalhar essa coisa contra o imperialismo dos EUA nesse álbum?

Cedric: Sabe, o meu pai é um professor de estudos bilíngues, e particularmente de estudos chicanos. Então, você talvez pense que enquanto eu crescia eu estaria ouvindo muitas coisas de raiz mexicana, mas a música portorriquenha me influenciou muito mais, a música cubana me influenciou muito mais. As mexicanas também, mas eu acho que no caso delas a fascinação vem muito mais da cultura do cartel e coisas do tipo. E eu tenho meio que lentamente tentado compensar isso.

Mas de toda forma, eu acredito que a Bíblia do que chamamos de cultura portorriquenha é um filme chamado Nuestra Cosa, que mostra a vida portorriquenha e mostra meio que toda a cena de Salsa dos anos 70. Então, enquanto muitas pessoas da minha idade estavam curtindo filmes como Suburbia Juventude Decadente, essa era a minha Bíblia, e a minha outra Bíblia era [o documentário punk] Another State of Mind, que me inspirou a fazer uma turnê bem no estilo do it yourself. Outra Bíblia também era o disco Live in Africa [do Fania All Stars], e a performance deles no Yankee Stadium. Então, uma vez que você entende que a Salsa não é só essa coisa superproduzida dos anos 90 que seus pais ouvem… uma vez que você vê a Salsa através da lente desses filmes, você percebe o quanto essa merda é Punk Rock pra caralho.

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E você entende quão bonito é mostrar algo, qualquer coisa, da Santeria de verdade, tipo Ray Barretto, eram coisas que estavam nas esquinas da cidade e eram distribuídas para as pessoas, era uma cultura tão bonita e tão intensa de se observar. Eu sempre estive nesse mesmo lugar. E isso foi durante a época do At the Drive-In, e é por isso que o ATDI tem um álbum chamado Vaya, é por isso que temos congas na nossa música, não é porque vem de uma raiz chicana ou de coisas mexicanas.

Eu de fato cresci ouvindo essas coisas, eu cresci com meus pais tendo essa coleção de música que combinava Black Music e pessoas marrons se juntando para criar alguns grupos, inclusive alguns que não eram tão populares naquela época. Mas o que conversava comigo mesmo era a coleção de discos do pai do Omar, e ver as fotos e ver os filmes… e acho que não teve nenhuma banda Punk que foi lá em casa e não acabou vendo esse filme, e acho que isso deu a eles sempre uma perspectiva totalmente diferente com relação ao que o Punk Rock pode ser.

Então, eu sempre fui muito fascinado por esse estilo de música, e é parte do que nós falamos, essa questão de honrar os nossos mortos, que era o meu departamento [nas letras]. Enquanto isso, para o Omar, era questão de honrar as raízes, e o fato das letras serem tão abertas e simples deixou fácil para que ele pudesse fazer os vídeos, ou filmes como eu os chamo, para que ele pudesse mostrar como é realmente a vida em Porto Rico.

E, sabe, retomando, eu acho que deveria ser normal que uma conversa falasse ao mesmo tempo de John LydonBobby Valentin na mesma frase. Na verdade, talvez eu esteja meio que somando a isso, mas houve um momento em que trabalhamos com um advogado do entretenimento chamado Ian Montone, e ele representa o Jack White agora mas por um tempo ele nos representou e representava o John Lydon ao mesmo tempo. E ele me contou que o John Lydon tinha ouvido “Arcarsenal”, do At the Drive-In, e dito que durante essa música ele conseguia ouvir Salsa como influência da guitarra do Omar. Quando eu ouvi isso, foi a primeira vez que eu ouvi isso de alguém; eu sei que isso pode não ser verdade, mas eu me sinto visto por alguém que eu não esperava que poderia entender isso.

Mas ele entendeu completamente, enquanto a maior parte do público não entendia. E isso é o motivo pelo qual nós estamos onde estamos hoje; são aqueles filmes que me impactaram e me expuseram a essa cultura. E acho que não se passa um dia sem que eu vá ouvir algo desse catálogo, o que nos leva a poder falar dessas coisas.

E, sabe, achar coisas da Fania Records há 20 anos era bem difícil, mas que Deus abençoe o pai do Omar por ainda ter aquela coleção de discos. E depois ela foi passada para o Omar. Então a gente ouviu todas essas coisas, coisas tipo Ismael Miranda, umas merdas que ainda têm uma grande influência no que fazemos.

TMDQA!: Que aula. Cedric, muito obrigado! Infelizmente estamos sem tempo, mas queria te agradecer pelo papo incrível. Obrigado também pela sua música, que é tão importante na minha vida. Até a próxima!

Cedric: Eu que agradeço. Obrigado!

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