Djavan em 2022
Divulgação

Poético, belo, crítico porém ao mesmo tempo otimista e cheio de detalhes que te fazem querer voltar para ouvir cada música inúmeras vezes. Assim pode ser descrito o incrível D, novo disco de Djavan que chegou às plataformas digitais nessa quinta-feira (11).

Sucessor de Vesúvio (2018), o trabalho do mestre da música brasileira mostra uma nova cara, mais moderna do que nunca e ao mesmo tempo capaz de reconectar qualquer ouvinte com as origens do álbum. Logo no começo, em especial com a segunda faixa “Num Mundo de Paz”, somos apresentados às diversas nuances que compõem o disco.

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Do Funk ao Soul, do R&B ao Samba, da MPB ao Folk, Djavan mostra em por que é um dos nomes mais incríveis da música brasileira. Sua capacidade de importar influências e exportá-la de uma forma tão diferente e pessoal é única, assim como é sua forma de escrever — seja em questão de letras ou de melodias e harmonias.

Com na manga e uma carreira histórica por trás, o mestre nos concedeu alguns minutos para um papo maravilhoso, que passeou por sua parceria com Milton Nascimento, os detalhes da participação de sua família no álbum e até outras questões alheias, como política e futebol. Confira a seguir na íntegra!

TMDQA! Entrevista Djavan

TMDQA!: Oi, Djavan! Primeiramente, muito obrigado pelo seu tempo e por falar conosco, é um prazer enorme. Queria começar falando de “Iluminado”, que pra mim é a música mais marcante desse trabalho no sentido de envolver toda a sua família, não só na participação mas desde a composição, já que surgiu a partir de uma batida no ukulele da sua filha Sofia. Conta um pouco mais pra gente sobre ela?

Djavan: Muito prazer, Felipe! Então, a ideia dessa música era exatamente reunir em gravação a minha família cantando, algo que às vezes acontece em casa ou no sítio — a gente se reúne, toca e canta, mas nunca tinha acontecido de maneira “oficial”, digamos assim. Então, fiz a música e escrevi essa letra com o objetivo de trazer otimismo, luz, pra toda essa fase obscurantista que a gente estava vivendo.

E achei que fazer isso com a família, cantar com a família, seria uma coisa bacana, bem objetiva. Reuni todos eles, eles gostaram da ideia, fomos pro estúdio, gravamos, fiz esse arranjo vocal que eu acho que ficou tão bacana, né? E está aí, é uma música que acho que vai chamar atenção do público e estou com esperança de que essa mensagem seja absorvida realmente.

TMDQA!: Essa perspectiva otimista, inclusive, contrasta com outros momentos do disco como “Beleza Destruída”. A incrível parceria com o Milton Nascimento traz esse tom mais crítico, né? Como foi equilibrar esses dois lados dentro do contexto que a gente vive atualmente?

Djavan: Eu achei necessário falar de um assunto que é tão importante, que é a preservação. Porque preservar a natureza não é uma coisa corriqueira, é preservar a própria vida; porque a gente, a natureza, é tudo uma coisa só. E eu sou apaixonado pela natureza, o Milton também. Por isso que quando eu escrevi a música eu escrevi sobre um tema que é comum a nós dois, a gente sempre falou disso: o indígena, a água, a floresta, os bichos, todo um conjunto de existência que está se depauperando, digamos assim, que está se destruindo e continuará a se destruir se a gente não cuidar.

É por isso que eu achei também que era importante trazer isso nesse disco, apesar do objetivo da luz, do otimismo, não deixar de falar de uma coisa que era tão importante. Isso faz parte também desse otimismo.

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TMDQA!: Outra coisa que me chamou muita atenção nesse disco é que, apesar de estar sempre tão ligado ao Rio de Janeiro, você não esquece da sua terra natal, Alagoas, e inclusive escreveu boa parte das letras desse álbum por lá. Qual a importância disso na hora de conceber um trabalho como esse?

Djavan: Bom, eu comecei a compor o disco em Junho de 2021. Aí compus, compus até Outubro, entrei em Outubro para registrar essas músicas compostas, fazer os arranjos e tudo, porque no processo de gravação a voz é a última coisa que entra, que é gravada, e é só aí que preciso da letra.

Então eu levei pra Maceió oito músicas gravadas, arranjadas, prontas, só faltando botar a voz. E lá na praia, em São Miguel dos Milagres, naquela luz toda, eu comecei a escrever as letras. E consegui escrever as oito letras ali, isso no mês de Janeiro que é quando eu fui pra lá. Eu cheguei lá no dia 15 de Dezembro e voltei no dia 1º de Fevereiro, vim direto para o estúdio gravar todas as letras que eu tinha feito em Milagres.

E aí comecei a gravar o disco, fazer as músicas que faltavam aqui, e em Abril terminei o disco todo, ficou completo em Abril.

TMDQA!: Voltando um pouco pra “Beleza Destruída”, é obviamente uma música muito especial por conta dessa parceria com o Milton. Depois de tanto tempo, tantos pedidos, como foi celebrar esse encontro musical?

Djavan: Gravar com o Milton foi uma alegria imensa! Nunca tínhamos feito nada, apesar de nos conhecermos há tantos anos, e essa parceria se deu agora exatamente por força de muita gente sentir essa falta. [risos] Amigos, parentes, até empresários.

Eu fiz a música, o chamei e fomos pro estúdio com a certeza de que íamos “pagar uma dívida”, digamos assim. [risos] E fizemos essa coisa linda, a participação dele… foi muito bom recebê-lo aqui no meu estúdio. Fizemos isso e fizemos depois o videoclipe que ficou lindo, uma coisa bem densa. Foi um momento glorioso nesse disco.

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TMDQA!: E como tá sendo pra você ver o Milton, uma figura tão importante, se despedindo dos palcos?

Djavan: É uma coisa até triste, né? Porque o show do Milton é sempre um acontecimento, uma alegria, um momento de prazer. Eu fui agora ver o show dele, semana passada, e foi uma coisa incrível, maravilhosa. Mas ele vai continuar pelo menos fazendo música, que é o que ele disse, e isso é um atenuante muito importante.

TMDQA!: Sem dúvidas! [risos] Ao mesmo tempo que a gente vê o Milton se despedindo, a gente tem muita gente boa surgindo nessa cena brasileira, desde nomes como Tim Bernardes até o Gilsons, enfim, artistas que ajudam a repopularizar a MPB e fazem ela conversar com o público mais jovem, que talvez não consumia tanto os clássicos. Como você enxerga esse momento?

Djavan: Eu acho importantíssimo! Porque ouvir músicos jovens, cantores e cantoras jovens, é antes de mais nada um incentivo pra mim, entendeu? Porque eu aprendo com eles, eu os escuto com aquele objetivo de me conectar com a realidade deles, tanto pessoal como musical.

E eu tenho a sorte de tê-los, todos, sem exceção — ou pelo menos é isso que eles me dizem — como acompanhantes do que eu faço. Eles têm um grande amor, um grande carinho pela minha música, o que me deixa muito feliz. E se eu pudesse eu sairia fazendo parceria com todos eles, porque tem muita gente boa, muita gente talentosa! Mas isso, de algum modo, vai acontecendo durante o futuro.

TMDQA!: E eu queria justamente destacar uma em especial, que a gente até noticiou por aqui: o seu encontro com o rapper BK. É muito legal porque muita gente ainda tem a visão de que o Rap e a MPB são tão distantes, quando definitivamente não são. Os fãs podem sonhar com alguma parceria assim?

Djavan: Esses encontros, não só com ele mas com outros dessa geração, se dão nos shows que eu faço, né? Eles vão ver os shows e a gente se encontra nos camarins, a gente conversa e eles se revelam, falam sobre o desejo de no futuro fazermos algo juntos, e eu sou sempre receptivo a essas ideias porque eu acho que isso vai ser bom pra mim também.

Então, é isso, eu espero que esses encontros continuem a acontecer porque vai trazer momentos musicais, momentos culturais importantes.

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TMDQA!: Falando em momentos culturais, você entrou no TikTok algum tempo atrás com uma proposta super diferente, que foi a de uma campanha de incentivo à literatura. Qual foi a importância de fazer isso em uma rede que é tão consumida pelo público jovem? Pra você, esse incentivo à cultura é uma das principais soluções pra tudo que a gente vive hoje?

Djavan: Olha, a gente está em falta com o elemento primordial de formação de uma sociedade que é a educação. A gente precisa trabalhar incessantemente no projeto educação, porque não existe um país próspero, uma sociedade sadia, sem uma educação forte, sem um investimento forte na educação. É na escola, é na sala de aula que tudo começa.

Ler, desde sempre, é o que tem que ser fomentado pras novas gerações. Porque o livro é o que ensina, é o que conduz, é o que mostra os caminhos e que abre as portas — assim como o cinema, assim como a música, assim como a pintura, a dança; a cultura é a força de um povo, e isso tem que ser absorvido principalmente pelos governos, pela política. Isso tem que ser entendido por quem pode fomentar uma boa educação, uma boa cultura.

Isso vai acontecer no Brasil. Em algum momento a gente vai voltar a ter esses temas como sendo um dever, uma obrigação, um projeto de futuro. Isso vai acontecer, se Deus quiser, e eu estou aqui para, sempre que puder, falar sobre essas questões, apontar esses caminhos e dizer o quanto eles realmente são imprescindíveis. Eu espero que as pessoas absorvam isso como sendo uma coisa muito positiva e necessária.

TMDQA!: Sem dúvidas. Você me parece ser uma pessoa que gosta de deixar a música falar por você, e sinto que nesse disco você escreveu algumas letras direcionadas aos rumores que estavam circulando sobre você ter votado em Jair Bolsonaro — “Cabeça Vazia”, por exemplo. Ao mesmo tempo, você também se posicionou de forma bem direta contra esse rumor e, inclusive, declarou seu voto em Lula para 2022. Por que sentiu a necessidade de fazer isso de forma tão direta?

Djavan: A gente está vivendo em um tempo em que a internet praticamente comanda as ações, comanda os sentimentos, comanda o foco das pessoas, né? O que é uma coisa que pode ser boa, mas pode ser péssima. Porque existe uma coisa na internet que é a má interpretação de texto. As pessoas interpretam mal o que leem. As pessoas não entendem muito o que leem.

E o grande problema de tudo isso é que ela sai replicando o equívoco; é um equívoco ad infinitum, ele não acaba. Então, isso é um prejuízo muito grande na internet. Quer dizer, é inevitável você barrar isso. Teve um momento em que esse equívoco que foi propagado a meu respeito começou a me incomodar, embora eu soubesse desde sempre que fazer desmentido na internet só tem o efeito de trazer cada vez mais a mentira à tona.

Até o momento que eu disse, “Isso não pode mais continuar”, e fiz aqueles posts dizendo que não apoiei o Bolsonaro nem o seu governo, porque eu achei extremamente necessário. Porque eu acho que é ruim você ser acusado do que você não fez — mesmo que seja de uma coisa boa! Se você não fez, incomoda, né? “Eu não fiz isso”… Foi por isso que eu tomei uma posição mais concreta.

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TMDQA!: Pra gente fechar, uma pergunta meio diferente. Há um tempo, a gente recebeu o Edson Mauro no nosso podcast, um narrador da Rádio Globo que contou um pouco da sua história com o futebol — como você quase foi jogador profissional e acabou indo pra música. Hoje, qual é a sua relação com o futebol? Você ainda acompanha o CSA, o Flamengo?

Djavan: Bom, eu acompanho o CSA agora de maneira bem remota, porque eu moro no Rio e tudo. O Flamengo, sim, eu tô ali o tempo todo! [risos]

Eu amo o futebol, porque o futebol é uma arte maravilhosa. O futebol não é um evento dos brutos; é um evento dos delicados. Quem ganha são os delicados! Quem ganha é quem tem perícia, quem tem aquela malícia refinada de um Neymar, de um Messi, são esses os vencedores, porque eles vencem os brutos. Mas os brutos fazem parte, são necessários também, até pra valorizar essa finesse, esses delicados.

Eu era um delicado no futebol. Eu joguei futebol, e eu ficava ali no meio do campo, vendo o futuro, e vislumbrando as jogadas que poderiam resultar num êxito. Joguei futebol até pelo CSA mesmo, no juvenil. Eu acreditava, e muita gente acreditava na época, que o meu futuro seria aquele — até que veio a música e o futebol dançou. [risos]

Mas eu acho o futebol uma maravilha. E o Edson Mauro é uma pessoa muito importante na minha vida. Eu não o conhecia em Alagoas; eu vim conhecê-lo no Rio, porque eu vim pro Rio e não tinha a quem recorrer aqui, meio perdido, e lembrei que a Rádio Globo tinha contratado o Edson Mauro um ano antes, da Rádio Gazeta, lá em Maceió. Aí eu recorri a ele e foi ele que me introduziu a pessoas como o Adelzon Alves, que era um radialista da Rádio Globo, e que me levou na Som Livre e fui absorvido ali pelo João Araújo, que era o presidente da Som Livre. Foi assim que ele entrou na minha vida.

TMDQA!: Djavan, muitíssimo obrigado pelo seu tempo. Foi um prazer enorme bater esse papo. Até a próxima!

Djavan: Muito obrigado, querido! Até a próxima e bom trabalho pra você.

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