João Camarero
Crédito: divulgação

Texto por Gabriel von Borell e entrevista por Felipe Ernani

No último dia 26 de Julho, o cantor e compositor João Camarero disponibilizou nas plataformas digitais seu terceiro disco solo, Gentil Assombro.

O álbum de estúdio apresenta dez faixas, incluindo duas canções inéditas de Paulinho da Viola interpretadas pelo artista paulista. O trabalho explora o virtuosismo técnico do violonista e destaca a maturidade artística de um operário da melodia.

Acostumado a se apresentar no palco ao lado de Maria Bethânia, Leny Andrade e Cristóvão Bastos, entre tantos outros, Camarero toma a forma de uma espécie de carpinteiro do violão contemporâneo brasileiro.

Para entender melhor todo o processo que resultou na concepção de Gentil Assombro, o TMDQA! conversou com João e o papo você confere a seguir, assim como o álbum, ao final da entrevista.

TMDQA! Entrevista João Camarero

TMDQA! Oi, João! Obrigado por tirar um tempo para falar conosco sobre esse projeto tão especial. Primeiramente, queria dizer que admiro muito quando uma pessoa com tanta técnica prioriza o que a música pede, sem se perder no preciosismo da virtuose. Você sente que o contato mais direto com a música popular, saindo um pouco do erudito, foi fundamental pra você compreender isso? Se sim (ou se não!), conta pra gente por quê?

João Camarero: É um prazer poder falar com vocês! Essa questão de priorizar outras coisas que não só a técnica de tocar rápido… existe uma concepção de que para tocar algo devagar não precisa de técnica, né? São outros tipos de técnica, mas são complementares. Na verdade, essa distinção entre o clássico e o popular, no sentido do popular ter tirado essa “pressa”, no meu caso em específico, eu acho que foi o contrário. Eu venho da música popular e tal, pois a música clássica veio um pouco depois. Eu poli minha técnica e segui outros caminhos. Me desenvolvi como músico e como violonista. Eu acho que foi um pouco o contrário. Na música popular a gente tem hoje em dia — aliás, sempre teve — essa coisa do virtuosismo e do cara que toca muita nota. Tem um exibicionismo todo atrás disso, enfim.

É engraçado que, no meu caso, eu me identifiquei mais nesse sentido de me colocar mais à serviço da música. Eu entendo que tem um repertório, especialmente no período romântico, quando começou esse fetiche com o virtuoso. Eu acho que na música clássica, por exemplo, dependendo do público ou do artista, tem até uma concepção de que nada tem que tirar a atenção da música, nem mesmo o intérprete ou sua performance ao vivo. No sentido dessa primazia pelo acabamento, pelo discurso, eu acabei encontrando mais ferramentas através do estudo da música clássica.

TMDQA!: Pela variedade dos compositores das faixas do disco, a gente logo percebe o quanto é um trabalho diverso. Como é explorar tantas direções de uma vez só? É uma forma de constantemente se reinventar? Chega a ser um desafio?

João: Sobre esses diferentes repertórios e universos que estão no disco, eu procuro, em primeiro lugar, colocar coisas que eu tenho a dizer, e eu acho que isso tem a ver com o prazer de fazer isso, com o prazer de tocar, de ter uma identificação com a peça, de achar ela bonita de algum jeito, alguma coisa de gostar de tocar, sabe? O violão brasileiro enquanto um “estilo” tem essa flexibilidade e tamanho que consegue agregar coisas de outros estilos, de outras manifestações. O violão popular e o violão clássico são complementares, então, eu consigo tocar, por exemplo, como tem no disco, Manuel de Falla, que é um compositor espanhol e nacionalista, que, de certa maneira, está fazendo uma espécie de ode à música popular do país dele. Ele retrata a música popular do lugar com esse olhar e roupagem um pouco mais clássica.

Eu me identifico muito com isso e a obra do Radamés Gnattali no Brasil tem muito a ver com isso, assim como o Manuel Ponce. O violão é um instrumento perfeito para essa ponte entre os dois mundos e, historicamente, o violão brasileiro nasce já nessa amálgama. Os professores que ensinavam violão ensinavam através dos métodos clássicos, que naturalmente vêm da academia clássica. Eles transportaram essa técnica e a adaptaram para a linguagem da música popular brasileira. Então, a gente tem um violão brasileiro muito rico e sofisticado, também por causa disso, não só pela riqueza musical da nossa cultura mas também por essas ferramentas todas. A gente tem um desenvolvimento técnico muito grande na nossa escola de violão popular.

TMDQA!: O título “Gentil Assombro” é de uma sensibilidade sem tamanho. Queria saber um pouco mais sobre a concepção disso, se ele surgiu depois que a obra já estava pronta ou se ele serviu, de certa forma, para dar um norte às composições.

João Camarero: É uma combinação de palavras muito curiosa e eu acho muito feliz também. Na verdade, a minha esposa queria me apresentar a uma grande amiga dela, que é editora, a Fernanda Diamant. Ela se tornou também uma grande amiga minha e é uma pessoa muito culta, que eu gosto muito de conversar, de estar perto. Nessa ocasião em que eu conheci a Fernanda, era um jantar e lá eu toquei um pouco. No dia seguinte, eu mandei uma mensagem para a Fernanda agradecendo e falando que tinha sido um prazer a conhecer. Ela me respondeu dizendo, ‘Ah, obrigada. Foi um prazer e tal’. Em determinado momento, ela disse, ‘Te ouvir foi um gentil assombro’.

E eu achei lindo isso, achei muito bonito. Eu compondo essa série de valsas, eu fiz essa de número cinco e dei esse título de ‘Gentil Assombro’ e dediquei à Fernanda, o que acabou virando o título do disco. É interessante, até no texto do disco o Antônio Prata fala sobre isso, sobre essa junção de palavras. O Antônio escreve o texto de abertura do álbum.

TMDQA!: Pra você, como/qual é a diferença de gravar uma música autoral e uma composta por outra pessoa?

João Camarero: Essa questão é muito interessante porque eu nunca tinha parado para pensar tão diretamente sobre isso. Eu procuro sempre buscar como compositor o que a música está dizendo e sempre tem muita informação, nunca é uma coisa só. A gente pode olhar por vários prismas e eu procuro olhar por todos os ângulos possíveis e experimentar, e tentar ter um entendimento profundo sobre a complexidade da obra. Quando eu componho, as coisas que eu faço, é como se não tivesse tanto esse mistério, de eu ter que desvendar o que está por trás daquela música, como se isso já viesse meio pronto, junto dela.

É interessante pensar sobre isso porque depois de um tempo sem tocar essas músicas ou algumas coisas que eu fiz, depois de um tempo sem praticar, eu começo a redescobrir minha própria música, tento achar coisas que eu não tinha achado. São processos para se apropriar daquilo. Mesmo que eu tenha composto a música, é como se a gente fosse mais um veículo, de certa maneira, e depois a gente se reapropria dela, do que propriamente ser uma coisa que já vem pronta, fixa.

TMDQA!: Por fim, a pergunta que não pode faltar: como você se sente ao ser “apadrinhado”, de certa forma, e presenteado pelo Paulinho da Viola? Você sentiu uma pressão na hora de gravar essas faixas?

João Camarero: Isso é uma das maiores honras que eu tenho na vida. Paulinho da Viola é um ídolo, um gênio absoluto, grande músico, grande compositor, um dos maiores que a gente tem e já teve na história da música popular brasileira. Ter esse carinho dele e essa proximidade é um grande presente. Na verdade, eu encaro esse tipo de coisa, especificamente essa relação com esses ídolos, como uma grande responsabilidade porque, antes de me apoiar nisso, do cara ter me dado as músicas, ter falado bem de mim, é como se o cacife fosse subindo cada vez mais.

A responsabilidade aumenta e eu enxergo isso exatamente como votos de confiança. Isso vem para mim carregado de muita responsabilidade.  Ganhar duas músicas dele [Paulinho] para gravar é um presente e é de uma responsabilidade muito grande. Então, isso me ajuda, de certa maneira, a aumentar esse comprometimento com a música, com o ofício, o violão, a linguagem, que no fundo é o meu grande compromisso mesmo.

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